"[...] Nos anos seguintes [1980 em diante], Iberê testa também outras soluções: às vezes, o rosto não está ao lado, mas entre as outras figuras, ou tanto na lateral quanto no meio. Quando está no meio, geralmente é frontal e olha para fora do quadro. A separação, nesse caso, já não é entre duas áreas da tela, uma espreitando a outra: tudo o que está na tela se oferece ao olhar de quem está de fora. O rosto é mais explicitamente uma coisa entre as outras.
Essa sensação é ainda mais acentuada quando o rosto é enquadrado num retângulo, como se não se tratasse de uma pessoa, mas de um retrato. [...] Às vezes, no lugar do rosto ou da meia figura, ou junto com eles, há uma mão aberta, ou duas, meros sinais de presença humana, como aqueles que se encontram nas pinturas pré-históricas. Mas quando essas mãos se aproximam do rosto ou do tronco, forçadamente se relacionam com ele, esboçando um gesto: como se a figura levantasse a mão para responder a um apelo, ou a estendesse para mostrar algo, ou a colocasse diante do rosto para se defender.
Em suma, a presença de fragmentos de figura humana altera fundamentalmente a relação matéria/gesto que caracterizara a pintura de Iberê das décadas anteriores. Antigamente, ela se dava inteiramente no ato de pintar. Agora, encontra seu duplo na relação, dentro do quadro, entre personagens e objetos. [...]"
MAMMÍ, Lorenzo. Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo]. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2014. p. 15-16.