Não sabemos nem o nome nem a condição da menina que serviu de modelo a este belo quadro, sendo que o seu título (registado no catálogo antigo do Museu) aponta uma profissão humilde. No sabemos também a data da sua realização, impossível de propor, tendo em conta que não existe ainda um inventário sistemático da obra de António Carneiro, capaz de propor pistas de reflexão cronológica e temática.
O pintor representa a jovem rapariga (quase uma criança), descrevendo com gosto táctil a humildade do vestuário que, no entanto, se nimba com a marcação forte dos vermelhos da capa e do lenço, enquadrando, por contraste, a concentração discreta do rosto. A menina caminha, ligeiramente dobrada pelo enorme chapéu de chuva que a protege e amplia, num jogo subtil mas de raro efeito cenográfico na obra do artista. Os timbres do espectro cromático – azuis, vermelhos e rosas – interpenetram-se numa gesticulação eficaz e a ausência de chão acentua a pregnância do enquadramento escolhido: o corpo redondo do chapéu é uma metáfora da feminilidade adivinhada, o seu cabo em diagonal atravessa o corpo da menina, destacando a mão que o segura e dinamizando toda a composição.
De um ponto de vista estilístico, a narratividade dos motivos aponta para uma estética naturalista, que o pintor nunca enjeitou totalmente, mas a sua concretização cromática é para símbolos que remete: a menina é a sua condição humilde e uma figura de solidão, simultaneamente pura e desejante.
Raquel Henriques da Silva