Tema recorrente na pintura naturalista portuguesa, que cativou também Silva Porto e Marques de Oliveira, a Póvoa de Varzim é evocada, neste registo de João Vaz, na sua azáfama piscatória. No entanto, se a atividade é intensa, reunindo gente e barcos, tal é-nos apresentado como impressão mais do que como narratividade, num efeito teatralizado de distância. Sobre este pano de fundo, que delineia o plano central da composição, os motivos essenciais destacam-se: o areal, construído numa perspetiva levemente ascendente e progressivamente iluminada, e a faixa do céu que, à esquerda se funde com o mar e, à direita, repousa sobre a quilha de um barco de ponta vermelha. Os brancos das velas dispersam a iluminação pela composição, prolongados nas breves nuvens que distanciam o primeiro plano do céu.
Compreende-se o que cativa o trabalho do pintor: a inscrição no suporte de uma realidade múltipla, que confunde formas e ilide pormenores no enquadramento majestoso da natureza, capaz de a absorver, quase organicamente. Por isso, a pincelada torna-se mancha na evocação dos barcos e das gentes – sinais fugazes que o nosso olho movimenta – , espraia-se no plano inteiro do céu e reverbera, numa cintilação surda, no areal. O conjunto destas soluções é o tema pictórico da obra em que se verifica a evolução do sistema naturalista que, sem deixar de retratar um sítio concreto, tende a concentrar-se sobre a sua expressividade formal e cromática. Mesmo assim, João Vaz detém-se na distribuição dos grupos humanos, mulheres, homens, velhos, crianças, atento às particularidades do traje e das atitudes que evocam a dureza do trabalho. Raquel Henriques da Silva