Resgatando a
Mulher Negra
Alzira Rufino
O Coletivo de Mulheres Negras realizou um
trabalho de resgate histórico da participação de
30 mulheres negras no campo das lutas sociais, da
cultura e da política do pais, preenchendo uma
lacuna de informação sobre a atuação da mulher
Degra na sociedade brasileira
Com grande dificuldade recolhemos dados
esparsos pelo pais, recorrendo a pesquisadores, a
materiais inimeografados, a tesos, a bibliotecas e
aos grupos negros existentes no pais. Pelo fato da
mulher negre no ter recebido até agora a
atenção dos historiadores, quase nada há impres
so sobre a vida das mulheres de que trata a
Cartilha
1
Mae Aninha e Mãe Senhora da Bahia
Que uma caladeira de papéis tenha se trans
formado numa escritora traduzida em 13 idiomas
(
Carolina de Jesus), que uma princesa africana
Lenha se tornado lenda no Rio de Janeiro (escrava
Anastácia), que uma favelada tenha sido eleita
para a Constituinte (Benedita da Silva), que uma
menina negra tenha começado sua carreira de
pintora famosa, usando como tela as paredes de
sua casa (Maria Auxiliadora da Silva), não é
mais surpreendente do que o anonimato em que
se encontra estas mulheres, objeto de pesquisa de
Cartilha
Nos do Coletivo de Mulheres Negras da
Baixada Santista, pretendemas com esta Cartilha
mudar a visão que a criança, a mulher e o homem
negros tem sobre sua propria raça, além de
fomecermos subsídios para apresentar a verda-
deira imagem da nossa etnia, que lutou por sua
liberdade, que procurou superar todas as barrel
ras da discriminação para afirmar a sus cultura,
a sua arte, as suas raízes
Só podemos atribuir esse desinteresse à margi-
nalização a que é relegada toda a comunidade
negra e à desinformação, já que algumas dessas
mulheres possuem una biografia que interessa-
ria não apenas os estudiosos, mas até o público
das novelas de televisão. É o caso de Agualtune,
filha do rei do Congo, que tendo ido para a frente
de batalha, com 10.000 guerreiros sob seu
comando, para defender o reino do seu pai, é
aprisionada por inimigos, e vendida como escra
va para Pernambuco. Mais tarde, junto com
Ganga Zumba organizou Quilombo de Palma-
res. Luiza Mahin participou de várias insurrei-
ções pela libertação da sua raça, embora seja
mais conhecida como a mãe do abolicionista Luís
Gama.
Estamos conscientes da importância da educa
cão e dos meios de comunicação para questionar
essa conceituação pejorativa relacionada a cor
negra, por esse motivo lançamos essa cartilha
como subsídios às escolas, buscando revelar a
verdadeira participação dos negros na história e
na formação brasileira
Essa Cartilha, realizada por Alzira Rulino,
poeta e enfermeira, Maria Rosa Pereira, profes
Ngo foi apenas pela liberdade social que as sora e Nilza Iraci, jornalista, é mais um passo
mulheres negras lutaram. Tarnbem a sua religião
era perseguida e praticar a lé era motivo de
para mudar esse quadro de desinformação
oficial. Nosso trabalho não está terminando. E
prisão, como atestam as biografias de algumas
líderes religiosas do candomblé, como Mãe
um convite para que outras pessoas continuem
esse resgate
Menininha do Gaulois. Estas lalorixas (Māos-de-
santo) por sua dignidade e conhecimento forna-
ram-se figuras de importância nacional e inter-
nacional, como atestam também as biografias de
As pessoas interessadas na Cartilha "Mulher
Negra tem História" entrem em contato com o
Coletivo de Mulheres Negras, pelo fone:
2132-349976
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Negro e
literatura
Alzira Rufino
Mário de Andrade, em carta a Drum
mond, dizia: "Ser brasileiro implica, ne
cessariamente, em aceitar o negro em nós.
Aceitar todos os valores que impregnaram,
através dos séculos, a vida brasileira,
apesar do apartheid econômico, político e
cultural, a que fomos submetidos no
convívio cordial que a casa grande dedicou
è senzala"
A presença negra na literatura brasilei-
ra, nem sempre de forma assumida, está
representada pelos nomes de Machado de
Assis, Lima Barreto, Cruz e Souza, Gregó
rio de Matos, Kilkerry, Mário de Andrade,
Solano Trindade, Auta de Souza, Maria
Firmina Reis, Carolina de Jesus e outros
nomes menos conhecidos
A explosão literária negra registra gru-
pos como Quilombhoje, em São Paulo, que
há dez anos vem publicando prosa e poesia
negras; o grupo Negrícia, no Rio de
Janeiro, e o Gens, na Bahia
Apesar do valor da nossa presença, o
negro está confinado à favela da literatura,
Recentemente, numa feira de livros, entre
cem mil obras, quando muito poderia ser
achada uma centena de autores negros. E
muito maior a produção de estudos sobre o
negro do que o número de poetas, contistas,
romancistas e teatrólogos negros publica-
dos
Se, em geral, para o escritor ha dificul-
dade de editar seus trabalhos, nós, os
negros, enfrentamos um descrédito maior,
pelo preconceito que, também no meio
literário, abafa nossas expressões criado-
ras.
Nossa sensibilidade é considerada folclo-
re, assim como toda a arte negra,
Solano Trindade, que como poeta dava
seu recado aos oprimidos e racialmente
discriminados, não é conhecido e divulga-
do, embora com sua poesia tenha sido um
dos fundadores do teatro negro no Brasil.
Solano, participando do concurso nacional
de danças, dando espetáculos na Europa
para platéias de 2 a 5 mil pessoas, tendo
uma grande participação na imprensa
begra e branca, e, no entanto, desconhecido
pela maioria dos estudantes de literatura
brasileira. Sua obra não estudada, não é
divulgada, não é respeitada como deveria.
Carolina de Jesus iniciou sua trajetória
literária de maneira bastante: curiosa.
Catadeira de papéis, achou uma caderneta
onde passou a anotar suas impressões de
favelada. Tendo sido descoberta por um
jornalista, teve suas anotações publicadas
sob o título de "Quarto de despejo".
Traduzido para 13 idiomas, o seu livro caiu
em total esquecimento.
É importante que nós, escritores negros,
ocupemos espaço de fato nos meios editori
ais, nos meios de comunicação e nos livros
didáticos, desmistificando a imagem de
que o negro é incapaz de produzir obras de
cunho intelectual
E importante invadir essa praia, com
nossa cor, com a nossa explosão. Eparrei!
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