"Sempre que recordo o querido amigo Luiz Aranha, o Lulu, eu o associo, por seu porte e generosidade, a São Cristóvão, que atravessava os caudais dos rios transportando sobre os ombros os andarilhos.
Esse meu São Cristóvão, com o chapéu no cocuruto da cabeça, sempre falando alto de acordar vizinhos à noite, era doce e suave no trato com amigos e com os que o procuravam para solicitar ajuda.
Eu também fui procurá-lo.
Moysés Vellinho conseguira-me uma bolsa de estudos do Estado, posteriormente reduzida à metade. Solicitei então, por carta, a intercessão do meu patrono, que me encaminhou a Luiz Aranha.
Recebeu-me com amabilidade, minha carta na mão:
– Quero ver seus trabalhos.
– O senhor entende de pintura? – perguntei com impertinência. – Entendo – foi a resposta.
Desde então passou a subvencionar meus estudos, completando a bolsa oficial. Provia-me de tintas, telas, pincéis, todo o material necessário a um pintor. Não descuidou nem mesmo de minha saúde, fazendo-me examinar por seus médicos.
Quando me senti maduro para uma exposição individual – já havia participado do Salão de Arte Moderna – ele se fez meu marchand, sem tirar qualquer lucro sobre as vendas. Apresentou-me a seus amigos, que, adquirindo meus quadros, muito me ajudaram.
Foi assim que esse meu São Cristóvão transportou-me para o mundo das artes. Com sua ajuda, dei meus primeiros passos na carreira de pintor.
Sabendo-o generoso, mão-aberta, muitos eram os que o procuravam para solicitar favores. Certa vez, perguntado se não se magoava com aqueles que esqueciam os benefícios recebidos, respondeu:
– Isso não importa. – E acrescentou: – Quem acende uma vela se ilumina.
Essa resposta, tenho-a gravada na memória. É a resposta de um santo, do meu São Cristóvão, meu Lulu Aranha.
Em 1947 Lulu sofreu um grave acidente de automóvel, que o invalidou. Pouco antes eu lhe pintara um retrato, que, na opinião de muitos, lhe captara o íntimo, a alma.
Agora, vendo-o refugiado em si mesmo, Zazi, sua sobrinha, desabafa:
– Jamais gostei do retrato do Lulu que pintaste. Ele agora está igual ao retrato, parece um velhinho do asilo.
– Zazi – respondo-lhe com tristeza –, eu faço a arte, mas não faço a vida."
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 89-90.
"[...] Antes de deixar o país [em viagem de estudos à Europa], Iberê elabora dois retratos em ponta-seca. Ambos mostram um grafismo tímido, além de versos marcados pela vigorosa pressão da prensa. É como se o artista desejasse deixar registrada para sempre, antes de partir, mesmo de forma incipiente, a imagem de duas pessoas que sempre lhe foram caras, Retrato de minha mãe (CR-034) [tombo G006-2] e Retrato de Luiz Aranha (CR-035) [tombo G258-1], um de seus maiores amigos e incentivadores para os caminhos artísticos, seu 'são Cristóvão', como assim o apelidava."
ZIELINSKY, Mônica. Iberê Camargo: catálogo raisonné. Cosac Naify: São Paulo, 2006. p. 51.
Exemplar não numerado.
Impressão da gravura efetuada sob forte pressão, por isso ela apresenta as bordas marcadas.
Não se tem conhecimento de sua edição.