UM BARROCO MINIMAL
Esta pintura de Ângelo de Sousa é uma escultura por outros meios.
É uma forma que, como as tranças de serpentina que fazíamos em miúdos, faz planos de cor afundarem-se debaixo de outros planos de cor.
Não deixa de ser curioso que, para descrever uma pintura chamada Geométrico grande, seja natural o recurso a coisas tão simples e pequenas, infantis e felizes como serpentinas, mas essa parece ser uma constante no trabalho de Ângelo – tanto nas pinturas, como nas esculturas (grandes ou pequenas), como nos desenhos (pequenos), nos filmes e nas fotografias. Em qualquer dos processos que Ângelo usou está sempre presente a mesma capacidade de revestir de uma tónica lúdica um pensamento sobre o espaço, a cor, o plano, a linha ou os processos cognitivos e perceptivos da imagem que é, frequentemente, complexa e finamente irónica. Não é habitual dizer-se, mas Ângelo de Sousa é uma pessoa muito culta e, naturalmente, a sua arte é também sofisticada e subtil.
As suas pinturas abstractas – que eram complexas em 1967 e hoje são ácidas e cortantes – sempre foram simultaneamente próximas e distantes do minimal. Próximas de artistas como Sol LeWitt, com as suas dobras e desdobramentos de planos, distantes da secura monocromática. De facto, a pintura de Ângelo de Sousa, mesmo quando nos parece possuir uma cor apenas, é o resultado de uma complexa tecitura cromática, na qual um profundo conhecimento dos mecanismos e processos perceptivos da cor contribui para definir planos que se articulam em dobras e quebras.
Quando olhamos, portanto, para a pintura de Ângelo de Sousa, podemos, como acontece com este Geométrico grande, ser tentados a dizer que, finalmente, a sua pintura é, afinal, barroca. Que as dobras e plissados que a constroem, como nas esculturas, são sempre excessos contrapuntísticos. Que os dourados finamente construídos são memórias de espaços onde os drapeados são só antevistos por detalhes, pormenores. Assim, a sua pintura é para ver ao perto, como formas que se recortam no espaço em estruturas musicais.
O Geométrico grande de Ângelo de Sousa parece que deve ser visto ao som de Haendel.
Delfim Sardo