A figura de S. Sebastião, proveniente do Arquivo das Congregações em Lisboa, é uma escultura erudita, de um classicismo barroco, que apresenta uma conceção abstracizante e idealista da forma, tanto na perfeição e correção anatómicas, como na expressão de plenitude plasmada no rosto, admiravelmente fixada no momento imediatamente anterior à morte.
Da segunda metade da centúria de seiscentos, a componente ideológica desta imagem concretiza-se no êxtase da fusão espiritual com Deus e na certeza da ressurreição, na exata dimensão da sublimação da dor do martírio, encarada pelo mártir como uma dádiva celeste, um meio para alcançar a glória eterna.
A violência do martírio sugerida pelas flechas cravejadas no corpo e as escorrências de sangue são um referente iconográfico sem aparente dimensão dramática, porque virtualmente anulada pela tranquilidade da atitude corporal. Esculpida em madeira de castanho e em tamanho natural, num maciço bloco monolítico, com ensamblamentos ao nível superior do tronco, na interceção dos braços, das mãos e da volumosa prega do perisonium. A plasticidade tridimensional da figura é reforçada pelas finíssimas camadas policromas que esclarecem as vibrações da pele sobre a ossatura, as veias e as tensões das massas musculares do corpo, em suaves velaturas e gradações tonais, definidoras de zonas de luz e de sombra, num admirável trabalho pictural que se associa ao virtuosismo técnico do trabalho do talhe. Por outro lado, considerando que a tradição atribui a esta imagem um modelo do Rei D. Sebastião, é legítimo colocar-se a possibilidade de uma “inspiração” messiânica nesta figuração concreta, podendo a sua realização, inscrever-se, hipoteticamente, numa exaltação, profetizando a salvação da pátria no “regresso” figurado do Desejado, apresentando-se como um santo humano e mártir.