"A impotência diante da condição humana, esse imenso tormento que assola o artista, assume na obra gravada de Iberê distintas possibilidades de materialização.
Após os primeiros ensaios dos momentos de retomada da gravura em seu regresso ao sul, Iberê prioriza a elaboração de serigrafias a partir de 1985. É o momento em que o artista se preocupa em anotar aspectos da vida cotidiana, como o rápido deslocamento dos transeuntes em seus passeios no Parque da Redenção. Registra também compulsivamente manequins, esses seres inertes que simulam a vida, que vivem enclausurados no interior das sedutoras vitrines das lojas da rua da Praia. Mas esses contatos de Iberê com os aspectos banais da vida assumem um lugar destacado na produção do artista, e incorporam o forte conteúdo de suas discussões existenciais.
[...] Nesse seguimento, o artista desenvolve a conhecida série de gravuras na mesma técnica, a Suíte manequins, dez gravuras elaboradas em 1986, por encomenda conjunta de Tina Zappoli [então marchande de Iberê em Porto Alegre] e Pedro Paulo Mendes da Silva.
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As obras da Suíte manequins compõem-se de figuras de manequins esboçadas de modo espontâneo, como se esses personagens interpelassem a existência. Contrastam com a tessitura obscura e espessa das gravuras da década de 1960. Todas, no entanto, são geradas na mesma angústia de Iberê, manifestada pelos diferentes caminhos que sua obra apresenta. Aquelas, se materializam em meio à densidade da matéria da gravura, tumultuadas ao fundo dos abismos negros das manchas; estas, por outro foco, remetem à revolta do artista em relação ao campo banalizado e solitário do cotidiano, ao vazio da vida e sua futilidade, à superficialidade do ser humano urdido no consumo que se alastra na sociedade. Essas personagens falam ainda da espessura desencarnada do homem, do 'arremedo da vida' e da falsidade que permeia as relações humanas. Mesmo em uma conformação aparentemente superficial e ilustrativa, essas obras gravadas são carregadas de forte conteúdo crítico. Vêem-se impregnadas também de profunda angústia, pois esses manequins são indicativos da recusa do artista a esses fatos que se tramam na vida social."
ZIELINSKY, Mônica. Iberê Camargo: catálogo raisonné. Cosac Naify: São Paulo, 2006. p. 103-104.