Das primeiras obras realizadas em Paris esta Luva cinzenta retrata a irmã mais velha do pintor, Maria Augusta. O claro-escuro regressa à pintura de Columbano. A luz é distribuída por três zonas distintas e separadas por negros em sombra, cuja densidade apaga os meios tons e separa os fragmentos iluminados. A construção da figura faz-se por linhas oblíquas paralelas, que criam uma postura dinâmica do modelo e definem uma instantaneidade que pode ter como referência um interesse pelo trabalho de Degas sobre o movimento e a composição. O retrato é encontrado numa aproximação à figura, que bem poderia constituir uma pintura de género, pois que esta calça ou descalça uma luva como momento de uma toilette. No entanto o enquadramento mais fechado sobre a figura, tornando-a perfeitamente reconhecível e o seu dinamismo, próprio de uma situação surpreendida, provocam uma hibridação de género. O título segue a ênfase que a luva cinzenta tem visualmente. É o adereço que se torna o pretexto da pintura, uma mancha cromática de valores surdos e de apontamento sintético que é jogada na composição como signo pictórico fetichista por excelência, em torno do qual se articula a própria pintura. O contraste com o naturalismo do rosto e sombras que o definem é flagrante. Assim, em muitas destas pinturas de Paris o motivo pictórico dominante é um adereço do vestuário. O naturalismo então plenamente assumido pela sua pintura nas representações dos rostos fazia um contraponto a estes elementos que escapavam a essa codificação e traziam um primado da mancha para o cerne da pintura. (Pedro Lapa)