CRIATURAS
Uma parada de insectos, uma formiga que se prepara para devorar um galo, um rapaz de cara azul que luta ou brinca com uma espécie de escaravelho, uma abelha (tirada de uma banda desenhada), uma rapariga-com-olhos-de-Bette-Davis, um macaco e um golfinho, tudo e outros mais em torno de uma (Ah!) Madonna disfarçada de geisha que amamenta uma criança negra. Neste novelo de personagens, criaturas metamórficas, inocentes e perversas, gera-se o mundo que preenchia as telas de Paula Rego em 1984.
Muito próximas desta “casa do mosquito” são as pinturas em torno das Vivian Girls.
A História das Vivian Girls é um manuscrito de mais de dezanove mil páginas escrito pelo americano Henry Joseph Darger, só descoberto após a sua morte em 1973. Henry Darger foi uma personagem complexa e conturbada que deixou milhares de desenhos e colagens a partir de um gigantesco arquivo de recortes de jornais e revistas. Em conjunto com os seus textos, o material encontrado contava a história moral, estranha e perversa das Vivian Girls em luta pela justiça num planeta de que a Terra seria um satélite. Não poderia haver material mais poderoso e melhor fonte para Paula Rego. A mesma complexidade de um mundo caótico povoado de seres estranhos é a matéria da sua pintura durante estes anos de 1984-1985, nos quais foi passando das enormes composições entrelaçadas para uma galeria de personagens que se transformariam, mais tarde, em personagens do seu teatro perverso e fascinante.
A obra de Paula Rego foi construindo mundos, microcosmos de relações afectivas, de perversões explícitas, de caracteres dúbios, preenchido por uma galeria de animais e de seres metamórficos que compõem, em cada imagem, uma fábula.
Delfim Sardo