Uma destas duas pinturas da coleção do museu terão sido realizadas sobre o motivo, durante uma visita a Paris, certamente saudosa do período em que o artista ali estudou, trinta anos atrás. Em 1906, o meio da capital das artes era agitado pela primeira exposição retrospetiva dedicada a Paul Cézanne, recentemente falecido, que foi fundamental para a formação dos jovens Braque e Picasso, os fundadores do cubismo. Marques d’Oliveira, no entanto, permanece fiel à sua formação naturalista, aqui nimbada de um halo de irrealidade, propiciado pela atmosfera nevoenta da cidade.
A metáfora musical adequa-se à apreciação destes quadros que utilizam o mesmo dispositivo pictural para descrever o casario, a ponte, os muros, os vultos da gente, meras manchas sem individualidade. Notáveis exercícios de composição, centrados no corpo baço do rio e alargando-se para a evocação da cidade, eles manifestam ainda a influência de Corot pelo modo como a imagem de Paris é construída enquanto irradiação natural das arquitecturas. Os dominantes tons cinza nimbam-se de acordes róseos e dourados tímbricos que não aquecem os motivos mas aprofundam a sua velada tristeza, representando desse modo a intemporalidade de uma pintura que não visa confrontar o real, antes imergir nele numa atitude de silencioso apagamento. Raquel Henriques da Silva