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Tudo te é falso e inútil I

Iberê Camargo1992

Fundação Iberê

Fundação Iberê
Porto Alegre, Brasil

"As últimas telas de Iberê Camargo assustam e encantam, ao mesmo tempo. Assustam pela sobriedade terrível com que põem em evidência o drama do sujeito moderno, aparentemente no estágio final de dissolução; encantam pela qualidade da matéria pictórica que resistiria, paradoxalmente, a todas as violências e degradações. Diante do presente incerto e conturbado, frente à dúvida 'nuclear' quanto ao futuro do mundo, a resposta do artista é urgente: os seus gestos decididos e abruptos se precipitam e incrustam imediatamente na superfície da tela e criam espaço denso, calcinado, intensamente pessoal e singular. Massa de energia, quantum imponderável de real, em meio à diluição generalizada. A rigor, essas pinturas não se oferecem à contemplação e sim à absorção. A começar pela escala enorme, elas existem para serem experimentadas, pelos poros, com o corpo todo.
Mas a atualidade premente das telas – o seu impacto quase brutal – deriva também do caráter lento e destilado da técnica de Iberê, da tradição moderna que resgata e repotencializa. A exuberante matéria pictórica garantiria assim, no cotidiano instável e anódino, uma identidade transcendental. E reafirmaria aquilo que a volátil sociedade de consumo prefere ignorar: a ação inteligente do tempo, o peso de verdade do tempo, a rotina de trabalho capaz de tornar atraentes e pulsantes essas tintas, capaz de assegurar a gestos tão intempestivos a certeza de não errar, não conseguir mais errar."
BRITO, Ronaldo. Iberê Camargo. DBA Artes Gráficas: [São Paulo], 1994. p. 17.

"Tudo te é falso e inútil é o nome de uma série de obras dos anos 90 que toma seu título e inspiração de um poema de Fernando Pessoa. Vem, noite antiquíssima e idêntica, é o poema em que a noite, sábia e eterna, que viu nascer os deuses, sorri porque tudo lhe é falso e inútil. Da imagem desse verso tomam a sua atitude as protagonistas, mulheres como a noite, desta série e de outra relacionada à mesma, a das Idiotas. Também a paleta responde à cor simbólica da noite, o azul e os branco-prateados da luz lunar. Crepúsculo do dia, crepúsculo da vida, as obras aludem a uma indiferença existencial que o pintor encarna em seres abatidos que sorriem com a ingenuidade do primeiro dia do mundo. No seu sorriso não está a sabedoria da noite, mas com o gesto impávido do alienado."
HERRERA, María José. Iberê Camargo: um ensaio visual. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2009. p. 18.

"Podemos constatar que as paisagens e os corpos que vão se desmaterializando, chegando a formas transparentes e que parecem gerar-se mutuamente, eram uma característica nos anos 90. A série Tudo te e falso e inútil tem basicamente a mesma estrutura: uma figura humana feminina de grandes proporções atravessa verticalmente a tela em seu lado direito. Seu corpo e esquematizado; como em Solidão, os rostos concentram um maior número de linhas e de tons, sendo focos privilegiados dentro do espaço. As pinturas são azuis, quase monocromáticas, embora se possa adivinhar uma cor mais quente abaixo da superfície, que aflora por momentos. Junto dos corpos, encontram-se alguns elementos que diferenciam uma tela da outra: uma bicicleta, talvez uma cadeira, apenas sugerida, e algumas formas não identificáveis. As figuras humanas presentes continuam, por sua vez, com características semelhantes às telas com o tema As idiotas. É como se os próprios corpos gerassem os que os sucederam; ou como se um único e mesmo corpo migrasse de uma tela à outra, provocando mutações na paisagem, criando-a, a cada vez, à sua medida."
CATTANI, Icleia Borsa. Paisagens de dentro: as últimas pinturas de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2009. p. 24.

"[...] Especialmente nas últimas telas, a matéria freqüentemente surgiria lassa, desamparando as personagens; as cores, em sobreposições indecisas quanto a serem quentes ou frias, sujavam-se e aniquilavam-se reciprocamente e o gesto mostrava-se destituído da eloqüência que marcara a produção precedente. Eram, não se pode esquecer, tempos de celebração da 'volta à pintura', da qual o artista jamais havia saído, não por opção, mas por aquela necessidade interna, que o levava a testar continuamente a plasticidade da matéria e a resistir à empiria.
O preço de sua perseveração na pintura até aquele final do século XX fora justamente a perda da plasticidade, do movimento e da temporalidade da matéria, cujos signos haviam sido, por excelência, os elementos motrizes que povoaram toda a trajetória do pintor: carretéis, dados, bicicletas. Ora, àquela altura, as obras já não podiam experimentar esses objetos / acontecimentos em sua dimensão fenomenológica, visto que era dessa impossibilidade da experiência que tratava a interminável 'morte da pintura' à que o artista se dispusera, e que terminara por conduzi-lo àquele ponto irrevogável. Entretanto, as obras teatralizavam aqueles acontecimentos sem ressaibos de paródia, sem tematizá-los; expunham-nos num cenário minimalista, a narrativa e a retórica ausentes, as personagens não particularizadas por qualquer psicologia individual. Aí estavam, afinal, traços essencialmente anti-heróicos da obra de Iberê, testemunhando, a despeito da imagem romântica que dela se cristalizou, uma inesperada dimensão realista – um realismo que não seria, evidentemente, demonstrativo nem filho das luzes, mas exasperadamente visionário."
SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 56-57.

“O azul desmaterializa os corpos, iguala-os ao céu, ao ar. A linha de horizonte desaparece: não há mais terra nem concretude, o vazio do lugar é o vazio do fim. O título das obras corrobora o que é expresso formalmente: o artista prepara-se para a última etapa de sua vida. Mesmo lutando como sempre lutou, mesmo continuando a pintar, sente o que se aproxima. O fundo invade as figuras, predomina sobre ela, torna-se, ele próprio, a figura: o ‘lugar’ que permanece após a nossa partida. Os corpos assemelham-se a fantasmas de passagem.”
CATTANI, Icleia Borsa; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 91-92.

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  • Título: Tudo te é falso e inútil I
  • Criador: Iberê Camargo
  • Data de criação: 1992
  • Local de criação: Porto Alegre, RS
  • Dimensões físicas: 200 x 249,5 cm
  • Direitos: © Fundação Iberê Camargo
  • Meio: Óleo sobre tela
  • Registro: P086
  • Coleção: Acervo Fundação Iberê
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