O X MARCA O LUGAR, 2
O MAPA DA NOITE
A partir de 1998, Fernando Calhau começou a pintar telas que tinham modulações de negro, primeiro pintadas a pincel e posteriormente voltando ao uso do compressor, como tinha feito na primeira metade da década de setenta.
Agora, no entanto, são céus nocturnos que surgem nas suas telas, inevitavelmente tomados como românticos. Costumava ele dizer que gostava de pintar como se uma campânula de noite envolvesse o espectador. São telas muito exigentes, quer para o seu autor como para o espectador. Para o autor porque são o resultado do desenvolvimento de uma técnica bastante aturada a partir de pressupostos muito estreitos e definidos: o formato quadrado, a subtileza dos matizes de negro e cinza, a marcação dos vincos em trompe-l’oeil; para o espectador porque são pinturas nas quais se vê pouco, que fazem esforçar o olhar, aguçar a visão. Não se dão, têm de ser conquistadas.
São, por isso, sedutoras.
Mas são-no também porque convocam um imaginário sobre a noite, a orientação; há nelas uma épica de câmara, para usar um evidente paradoxo. À semelhança do que tinha acontecido em 1976 com as suas obras sobre o mar, a escolha de Calhau recaiu, nos últimos anos da sua vida, sobre esse campo de profundidade que é visto por nós como uma superfície e que é o céu nocturno.
Nesses céus, Calhau assinalava vincos, divisões da tela, sobreposições de planos que marcavam a sua peculiar visão sobre a profundidade como uma nitzshiana ruga de superfície. Assinalava lugares nesse breu em que se converteu a sua pintura, monocromática, trágica e íntima.
São pinturas para ver sozinho.
Delfim Sardo
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