À FLOR DA PELE
Durante a década de sessenta, Évora foi o pólo de reunião de um grupo de artistas muito jovens que olhavam para a arte do seu tempo com uma grande atenção e procuravam, na multiplicidade de caminhos abertos entre a pop e o psicadelismo, novos rumos entre a figuração e a abstracção. Joaquim Bravo, Álvaro Lapa, António Palolo eram esses jovens artistas que abririam as portas a uma segunda geração formada por José Carvalho e José Conduto.
António Palolo começou o seu percurso muito cedo, com dezasseis anos, tendo realizado a sua primeira exposição individual em Lisboa em 1964, com dezoito anos, na Galeria 111, numa precocidade que era muito comum nos artistas da sua geração: Fernando Calhau começou o seu percurso artístico com dezoito anos, Vítor Pomar com dezasseis.
Já nesses anos de início se notava no trabalho de Palolo um cuidado com a estrutura da superfície da tela em composições que se aproximavam da pop – ou melhor, da versão da pop que conhecia mediada por António Areal, por vezes em hipotéticos diálogos com Warhol ou Rauschenberg. Os seus desenhos eram estruturas de linhas e planos, por vezes com incursões caligráficas, prefigurando a dicotomia que a sua obra pictórica sempre iria ter com longos períodos de domínio de construções geométricas – que vieram a dar lugar a construções formais de grande escala, reticuladas ou com planos de cor – e outros nos quais a forma humana (ou o corpo, numa acepção mais lata) foi o seu objecto de trabalho.
Seria, finalmente, a vertente mais geométrica a que prevaleceria no conjunto da sua obra, até porque viria a
servir de suporte para um trabalho muito subtil sobre a cor, a transparência e a epiderme da tela, numa conjugação rara em Portugal, onde os exemplos de pintores sofisticadamente coloristas são escassos. Essa qualidade de cintilação da cor na pintura da última fase da sua vida parece comprovar a tese de Almada Negreiros de que um grande pintor só pode melhorar com o tempo. As obras de Palolo, a partir do final da década de oitenta, reencontrando as formas geométricas que tinham estado presentes na década de sessenta – mas acrescentando-lhes um enorme rigor –, vão sendo construídas no sentido de uma progressiva secura, com uma escala precisa e grande, mantendo o diálogo com a história da pintura desde a década de cinquenta, com aflorações de Pollock, de Agnes Martin ou, na zona tardia da sua obra, de Sean Scully ou de Brice Marden. Este carácter culto da sua pintura nunca, no entanto, a deixa afundar numa mera teia de citações, porque a sensibilidade do trabalho cromático e o aveludado da superfície (obtido através do emulsionamento do acrílico em silicone) fazem de cada pintura um momento esteticamente preciso.
António Palolo foi um pintor raro porque na sua obra a citação e a referência são indiscerníveis da definição de uma poética própria. E essa não é uma qualidade teórica. É uma prática visível.
Delfim Sardo