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PALIMPSESTO
A pintura de António Sena é erudita porque usa sinais crípticos, marcas da sua caligrafia macerada, textos apagados e escondidos que transformam cada obra num palimpsesto que compele à interpretação.
Desde os seus desenhos mais recuados, de meados da década de sessenta, quando rumou a Londres, a sua obra parte da caligrafia e da inscrição para produzir belíssimos novelos nos quais o desenho, a mancha oriunda da pintura e a marca da escrita se combinam de forma indiscernível, violando os códigos destas disciplinas.
Ao longo do seu percurso, a marca caligráfica e a rasura foram ocupando espaço, como se as suas telas pertencessem à família das lousas das salas de aula que acumulam anotações sobre marcas parcialmente apagadas de escritas anteriores.
Por vezes, sobretudo durante a década de oitenta, as linhas foram-se organizando em quase construções, criando tramas que parecem oriundas da sobreposição de estruturas, como quando se sobrepõem inúmeros acetatos que produzem transparências que, simultaneamente, funcionam como ocultações. É um percurso de progressiva obnubilação, de saturação da rasura. Nessas telas, a que pertence esta, está inscrita uma pintura complexa e contraditória, porque o processo de construção da pintura é convertido no seu estigma, porque o desenho se sobrepõe a qualquer definição de campo pictórico e o gesto é só uma ferramenta para o apagamento.

Delfim Sardo