O X MARCA O LUGAR, I
Há muito poucos artistas que tenham desenvolvido um percurso tão coerente e determinado nas suas escolhas como Fernando Calhau, quer no contexto português, quer a nível internacional. Ao longo da sua carreira a opção pela pintura monocromática orientou as suas opções desde o tempo em que estudou, entre o final da década de sessenta e o início da década seguinte, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.
A sua primeira produção pictórica, a que pertencem estas obras, foi desenvolvida entre 1972 e 1975, tendo-lhe seguido um período de luto da pintura, em sintonia com o vento do seu tempo, durante o qual Fernando Calhau realizou trabalhos fotográficos e em filme super 8, tendo ainda efectuado algumas experiências em vídeo (hoje infelizmente perdidos porque o suporte técnico que usava está obsoleto e descontinuado). A série de pinturas verdes, que o artista efectuou em três dimensões distintas, oriunda dos trabalhos paisagísticos que realizou ainda no tempo de estudante, obedece sempre à mesma estrutura e ao mesmo processo produtivo: são telas quadradas pintadas a acrílico projectado por compressor que definem uma cruz que se inscreve no seu centro. Em alguns (poucos) casos as margens laterais das pinturas são marcadas por barras com origem em – como as cruzes – modulações de tonalidades de verde.
São, assim, pinturas muito simples, efectuadas com uma enorme mestria técnica, que revelavam a paixão de Fernando Calhau pelo minimal, apagando voluntariamente qualquer marca da mão em favor de uma aparência acetinada e uniforme.
Este interesse do artista pela redução da expressão, a sua atenção ao pormenor do acabamento – por vezes de uma forma quase obsessiva – derivava do enorme cuidado com que olhava.
Há pessoas que possuem um ouvido particularmente treinado, que ouvem o que nós não ouvimos. Calhau possuía uma visão treinada e atenta: via mais do que a maior parte de nós, não por acuidade de visão, mas por sofisticação da atenção. Bastava-lhe, por isso, a secura e o rigor com que construiu a sua obra, tendo mesmo prescindido do verde que preenchia as suas telas do início da década de setenta em favor do negro que ocupou toda a sua obra posterior.
No início do seu percurso, no entanto, o fulgor deste verde juvenil e aberto cobria a superfície das suas telas, abrindo uma era.
Aos poucos, a cruz iria desvanecer-se até a superfície ser ocupada por uma só cor. Calhau tinha chegado ao osso da pintura.
Só lhe restaria parar para depois recomeçar, mais sombrio e radical.
Delfim Sardo
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