"No momento em que todos celebram o extraordinário virtuosismo da pintura de Iberê Camargo, nada mais oportuno do que a exposição de uma pequena série de guaches despojados para reatestar os valores básicos de sua poética. A intensidade emocional e o drama existencial que é capaz de investir em obras tão despretensiosas relembram prontamente o que o impacto de seus grandes óleos corre o risco de nos fazer esquecer: o empenho sempre renovado de uma profissão de artista que não cessa de interrogar o fenômeno plástico como meio de sustentação e transfiguração do real. A seu modo rápido, quase fulminante, esses guaches retomam a Cena Essencial – figura, coisa e espaço interagem sumariamente para reascender a perplexidade inicial do homem-no-mundo. E a volúpia desse traço nervoso mas infalível domina sabiamente a dinâmica da transfiguração: capta a fugacidade e fixa o peso da angústia inerentes à nossa finitude. Nesta série em particular – por isto a isolamos como um momento estético coeso – a extrema economia expressiva reduz muitas vezes a própria cor à condição de elemento discreto – um tom de fundo uniforme, ligeiramente nuançado é o que basta para difundir a essência da densidade fluida que distingue esses guaches singelos. Entre todos, singelo seria talvez um dos poucos adjetivos que a obra fervorosa de Iberê Camargo parece de imediato excluir. E, no entanto, impõe-se naturalmente a propósito do clima espiritual de cenas tão casuais quanto pungentes e que, apenas se apresentam, já dizem tudo.”
BRITO, Ronaldo. Iberê Camargo. DBA Artes Gráficas: [São Paulo], 1994. p. 97.