FIGURA/FUNDO
A pintura de Jorge Martins é muito diversa e já muito extensa. Ao longo do seu percurso, Jorge Martins percorre um espectro quase enciclopédico da prática da pintura (e do desenho), alternando momentos de figuração com períodos nos quais o reconhecimento das formas é suplantado por uma clara preocupação formal.
Neste campo, desde 1967 que desenvolveu um conjunto amplo de telas sobre a luz, mergulhando na figuração e nos modelos lumínicos desde o Renascimento, partindo da matriz da metáfora da luz que configura muito do pensamento do racionalismo desde Descartes.
As obras que pertencem à Colecção da Caixa Geral de Depósitos pertencem a um outro domínio, no qual a colocação de problemas compositivos, de unidade da superfície pictórica e rítmicos, ocupa o centro do trabalho do artista.
Por vezes, na obra de Jorge Martins surge (sobretudo num conjunto de pinturas de meados da década de oitenta) uma literalização de uma das categorias principais da pintura, provavelmente aquela que mais tinta fez correr na dicotomia abstracção/figuração: a relação figura/fundo. Central no conjunto de pinturas construídas a partir de formas que se recortam sobre a tela, encontram-se “verticais”, que se estruturam como corpos e que, no seu interior, são fragmentos de uma outra pintura da qual parecem ter sido retiradas. As figuras que se desenham no fundo neutro da tela parecem equacionar uma interrogação sobre o seu estatuto de figura, ou de fundo que deixam entrever. Na sua escala e no carácter policromado quase esfuziante, parece surgir uma outra instância de significado, uma enorme caligrafia indecifrável que percorre, como uma ampliação de um fragmento, toda a tela.
Delfim Sardo