JOGOS
São misteriosas e fascinantes as pinturas (ou as obras, para ser mais rigoroso, porque aqui se incluem desenhos e recortes) de José Escada a partir do léxico de formas que foi construindo desde 1965. São uma enorme colecção de signos, uns reconhecíveis, outros misteriosos, uns figurativos, outros abstractos, que surgem em construções visuais nas quais se articulam como num puzzle. Vem sempre à memória Georges Perec e a sua explanação sobre a natureza dos puzzles em A vida modo de usar, a sua hierarquia até ao puzzle mais difícil e complexo – aquele que, pela sua quase regularidade, parece poder multiplicar-se até ao infinito. O mesmo acontece com as tramas das construções das pinturas de Escada que glosam de uma forma infinda as possibilidades de articulação do seu simples e enorme léxico visual.
Em simultâneo com as pinturas, Escada começou, também, a realizar recortes em metal ou em papel a partir das mesmas figuras, agora transformadas em formas que se recortam para o exterior e o interior da superfície do plano pictórico. Por vezes, essas figuras surgem isoladas, numa escala maior, ou “umas-dentro-das-outras”, como labirintos de formas que se afundam em si mesmas.
A partir de 1960, com a ida para Paris (embora expusesse com João Vieira, Gonçalo Duarte e René Bertholo desde 1955), José Escada esteve ligado ao grupo KWY, um dos mais interessantes e arrojados projectos artísticos desse período, do qual também fizeram parte Lourdes Castro, Christo, Costa Pinheiro e Jan Voss. É no contexto deste grupo que os seus recortes surgem, sendo curioso observar as ligações com o desenvolvimento de léxicos visuais por João Vieira e Lourdes Castro – em relação a quem os recortes parecem dialogar de uma forma muito próxima.
Em muitos destes recortes existe um carácter lúdico, quase uma charada a resolver: compreender como foi planificado e dobrado o cavalo que esmaga o homem, como é convertida a volumetria da rã em bidimensionalidade, depois passada às três dimensões da dobra, parece ser a tarefa que o artista nos propõe.
As obras de Escada são jogos. Tão simples e eficazes que nos podem passar, injustamente, despercebidos.
Delfim Sardo