Notável retrato de personagem não identificada no círculo de relações do pintor, ele manifesta um dispositivo pictórico de grande elaboração oficinal e poética, visando fazer coincidir a beleza angelical da menina com a da natureza que a envolve.
António Carneiro elege a luz plena como agente de concretização dessa intenção, resolvendo as formas em manchas coloridas sombreadas, com uma pincelada ora redonda, ora alongada, que usa um azul-cinza para contaminar todas as outras cores que são rosas, verdes, ocres esmaecidos. É evidente a vontade de ultrapassar o sistema naturalista, através de um conhecimento, pessoalmente apreendido, da técnica impressionista de pintura. Mas se o que Carneiro capta é um momento lumínico, em que o retrato e a natureza coincidem como metáfora de beleza, a sua intenção é mais duradoira, propondo um tempo expectante que a expressão suspensa da menina aponta, como que sugerindo que a idade da pureza é um estado interior, não um acidente do ciclo da vida.
Raquel Henriques da Silva