Esta obra, talvez inacabada, pertence a uma série com o mesmo tema que foi muito do agrado do pintor, bem como de outros da mesma escola naturalista, portuguesa ou internacional. A sua razão entende-se: o artista deambulava à procura de sítios para pintar sobre o motivo e a presença do labor antiquíssimo da lavadeira no rio possui uma carga poética e erótica cativante, sendo marca da humanização da paisagem e do seu uso produtivo sem gerar perturbação, antes um convívio orgânico.
O estilo inconfundível de Silva Porto manifesta-se na recriação da vegetação em manchas soltas e imprecisas, aqui e ali riscadas de castanhos enegrecidos que ora são ramos de árvores, ora pedras e caminhos de rio ou a sugestão de vegetação rala. Esta economia de procedimento, rápido e gesticulante, garante a unidade à composição e proclama que, para a pintura, as coisas se equivalem: são manchas coloridas, esgarçadas pela luz que se difunde, numa fluidez expressiva, a partir do céu toldado. O vulto esboçado da lavadeira é uma forma branca, riscada de castanho e de forte vermelho. Confundimos o corpo da mulher e o objecto do seu trabalho, numa fusão pictórica atrevida que manifesta quanto Silva Porto não ignorou as vias mais modernas da pintura do seu tempo que amam a incompletude e fazem dela um estratagema plástico. Por isso, obras incompletas como esta contam-se entre as mais belas do artista e são indispensáveis para o valorizar, em confronto com as obras acabadas que, muitas vezes, visavam mais o agrado do público comprador do que o sentimento do seu criador.
Raquel Henriques da Silva