Nós somos a soma do que desejamos com o que herdamos, mesmo que involuntariamente. No que se refere ao pensamento, nosso legado está repleto de reflexos atávicos da razão lógica cientificista, baseada em polaridades artificiais e em inúmeras relações de casualidade. Mesmo nos detalhes aparentemente inofensivos de nossa cultura, transparecemos as excessivas simplificações que fazem o nosso entendimento de mundo.
Dentre essas está o privilégio da visão como via de acesso na acepção do real e na elaboração de suas verdades. Essa preponderância do olhar, apesar de muitas vezes descreditada, ainda pauta e direciona a nossa apreensão do mundo e construção do pensamento, perpetuando a certeza de que as lentes - nossos dispositivos, técnicas e sistemas lógicos - funcionam e deverão sempre funcionar. Trata-se, claro, de uma ilusão. As coisas provavelmente irão colapsar mesmo se nossas teorias provarem que isso é impossível. A realidade é mais e menos do que nossas lentes permitem ver e é fundamental renovar a dúvida sobre nossas máquinas de certeza.
A exposição e se quebrarem as lentes empoeiradas? reúne artistas que desconstroem, promovem fissuras e suscitam interrogações em meio a convicções cientificistas. Cada um dos três artistas trinca suas próprias lentes e problematiza um certo dispositivo. Marcone Moreira, por procedimentos de apropriação e observação etnográfica, compara modelos de circulação de produtos e pessoas, assim como de ocupação do território. Thiago Rocha Pitta, por aderência e sinergia com o tectônico e mutável da natureza, reestabelece o protagonismo e devir próprio da paisagem,normalmente tida como meio indiferente e passivo. Eduardo Berliner atribui às imagens, aos suportes e à fatura artística escolhas e resistências, por insistência intuitiva e resiliente, deixando-lhes direcionar tanto o discurso quanto a forma dos trabalhos. Assim, os artistas - que apresentam desdobramentos mais recentes de suas respectivas pesquisas - propõem alternativas a formas estabelecidas do saber.
Núcleo de Pesquisa e Curadoria
Paulo Miyada, Carolina Mologni, Julia Lima, Priscyla Gomes and Olivia Ardui