Acervo em transformação

Vista da pinacoteca do MASP na avenida Paulista (1970), de Paolo GaspariniMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A COLEÇÃO DO MASP DE VOLTA AOS CAVALETES DE CRISTAL DE LINA BO BARDI

A volta dos radicais cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi à exposição do acervo, em dezembro de 2015, apresenta uma seleção de obras provenientes de diversas coleções do museu, abrangendo um arco temporal que vai do século 4 a.C. a 2008. Os cavaletes tiveram sua estreia na abertura da atual sede do museu em 1968 e foram removidos em 1996. O retorno dos cavaletes não é um gesto nostálgico ou fetichista em relação a uma expografia icônica, mas deve ser compreendido como uma revisão do programa museológico de Lina Bo Bardi com suas contribuições espaciais e conceituais. A dimensão política de suas propostas é sugerida pela galeria aberta, transparente, fluida e permeável, que oferece múltiplas possibilidades de acesso e leitura, elimina hierarquias, roteiros predeterminados e desafia narrativas canônicas da história da arte. O gesto de retirar as pinturas da parede e colocá-las nos cavaletes aponta para a dessacralização das obras, tornando-as mais familiares ao público. Ainda, por outro lado, as legendas informativas colocadas no verso das obras possibilita um primeiro encontro com elas livre de contextualizações da história da arte. Nesse sentido, a experiência do museu torna-se mais humanizada, plural e democrática. Na configuração original da exposição com cavaletes Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi organizaram as obras por escolas e regiões. Agora, elas serão posicionadas rigorosamente em ordem cronológica, dispostas em uma rota sinuosa, como numa resistência elétrica. Essa organização não coincide com a cronologia da história da arte, com suas escolas e seus movimentos, nem obriga o público a seguir seu percurso. A transparência espacial da planta livre e dos cavaletes convida os visitantes a construir seus próprios caminhos, permitindo justaposições inesperadas e diálogos entre arte asiática, africana, brasileira e europeia. 

Vista da pinacoteca do MASP (2015), de Eduardo OrtegaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

"Acervo em transformação" é uma exposição semipermanente da coleção, pois continuará aberta a frequentes mudanças, ajustes e modificações. Assim, a exposição evita a ossificação e a sedimentação típicas de mostras de coleções permanentes em museus. A exposição tem um foco na arte figurativa, o que reflete a história da coleção e os interesses de Lina e Pietro, que resistiram à hegemonia predominante da tradição abstrata no Brasil nas décadas de 1940 e 1950. Ambos preocupavam-se com os efeitos despolitizadores da abstração, durante a promoção da abstração geométrica realizada pelos Estados Unidos em sua “política de boa vizinhança” durante a Guerra Fria. A exposição inclui também obras de artistas frequentemente excluídos do cânone brasileiro da história da arte — como Agostinho Batista de Freitas, Djanira da Motta e Silva, José Antônio da Silva e Maria Auxiliadora da Silva —, evidenciando o compromisso do MASP com a diversidade e a multiplicidade. O último trabalho do século 21 na mostra, Tempo suspenso de um estado provisório (2008), de Marcelo Cidade, transforma o cavalete de cristal em um objeto de reflexão institucional. Sua presença também sinaliza o desejo do museu de retomar o diálogo com a arte contemporânea em nossa pinacoteca.

Estátua da deusa Higéia (século 4 d.C.), de UnknownMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A Estátua da deusa Higeia (século 4 a.C.) é parte da coleção de arqueologia do MASP. Esta peça, contudo, já era parte do acervo desde 1950. A coleção contempla diferentes culturas do mediterrâneo e obras do período entre a Antiguidade egípcia e a civilização helenística e romana.

Segundo a mitologia greco‑romana, Higeia era uma das filhas de Asclépio, deus da cura e da medicina. Seu nome tem a mesma raiz das palavras gregas correspondentes a “higiene” e “saúde”. Os romanos traduziram o seu nome para Salus, resgatando o culto à deusa e dedicando-lhe vários templos. Higeia é associada, sobretudo, à prevenção de doenças. Por isso, seus símbolos (a serpente e a taça) foram apropriados pelas ciências farmacêuticas.

A deusa foi representada vestida com uma túnica, o corpo envolvido por uma serpente que bebe diretamente de sua taça. Em muitas culturas da região do Mediterrâneo, a serpente simbolizava sabedoria e vida eterna.

Na obra do MASP, feita em mármore, Higeia carrega o deus Eros, ou Cupido, no braço esquerdo, segurando na mão uma tigela; a serpente envolve seu braço direito. A deusa não possuía atributos bem definidos na mitologia e foi representada em alguns casos, como este, em companhia de Eros à semelhança de Vênus/Afrodite.

Par de guardiões chineses Par de guardiões chineses (618/907), de DesconhecidoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Esse tipo de imagem é chamada de lokapala, termo sânscrito que designa os guardiões que protegem lugares sagrados dos maus espíritos e profanadores. A posição das duas figuras é complementar: apoiam as mãos na cintura e erguem os braços direito e esquerdo. Com expressão facial assustadora, olhar penetrante e penteado típico de guerra, ambos usam armaduras que cobrem as pernas até abaixo dos joelhos.

Os dois guardiões são do período da dinastia Tang, que unificou a China (618-907 d.C.). Trata-se do período da reforma do Estado inspirada no pensador Confúcio (551 a.C.-479 a.C.), quando ocorreram a centralização da administração, a expansão do território, o fortalecimento do Exército e a fundação das universidades e bibliotecas.

Virgem em majestade com o Menino e dois anjos (circa 1275), de Maestro del BigalloMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Maestro del Bigallo
Maestro del Bigallo é o nome consolidado pela historiografia de arte italiana para identificar um pintor anônimo do século 13. Bigallo era o abrigo de peregrinos e viajantes mantido pelos doze capitães que dirigiam a Compagnia Maggiore di S. Maria, órgão da Inquisição papal criado em 1244, em Florença. O nome também remete ao galo pintado pelo mesmo artista no crucifixo que se tornou emblema da Compagnia. Apenas no século 20 a pintura da coleção do MASP foi identificada como do artista pelos especialistas em arte italiana.

A obra do pintor revela a influência da cultura bizantina, que chegava à Itália do século 13 por meio das iluminuras — grafismos que ornamentavam os manuscritos medievais. A pintura apresenta características típicas da arte bizantina: composição com linhas rígidas, falta de profundidade, dureza na representação das figuras e uso de simbologias — como o lenço carregado pela figura feminina, que remete ao vestuário cerimonial das imperatrizes bizantinas, e o halo arredondado na parte superior da obra.

O aspecto gráfico das linhas que definem o drapeado das vestes é o responsável por dar certo volume e luz à pintura. A peça pertencia ao casal Lina Bo (1914-1992) e Pietro Maria Bardi (1900-1999), arquiteta e diretor fundador do museu, e foi doada por Bardi ao MASP no aniversário de 45 anos do museu, em 1992, como homenagem à memória de Lina.

Virgem com o Menino Jesus (1310 - 1320), de Maestro di San Martino alla PalmaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Maestro di San Martino alla Palma
Maestro di San Martino alla Palma é o nome atribuído pela historiografia de arte italiana a um pintor atuante em Florença no século 14. O nome remete à igreja da cidade de San Martino ala Palma, onde se conserva a obra que dá nome ao artista. Por muito tempo, a autoria desses trabalhos foi erroneamente vinculada ao nome de Bernardo Daddi (1280-1348), pintor sobre quem o Maestro teria exercido alguma influência. As obras do Maestro opõem-se à pintura monumental de Giotto (circa 1266-1337), estilo que dominava a arte italiana do século 14.

Sua pintura carregava valores góticos, caracterizados por composições lineares e por relações afetuosas e intimistas entre as personagens retratadas, com a presença de miniaturas. A obra do MASP, provavelmente feita para um altar — dado o formato superior de cúspide (acabamento angular que aponta para cima) —, mostra uma cena tradicional da iconografia cristã em que Maria e o menino Jesus trocam olhares, e reflete a introdução de elementos afetivos e humanos na representação religiosa.

São Jerônimo penitente no deserto (1448 - 1451), de Andrea MantegnaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Andrea Mantegna
Andrea Mantegna frequentou o ateliê do artista Francesco Squarcione (1397-1468) dos 12 aos 17 anos, quando se emancipou e pintou os famosos afrescos sobre a vida de são Tiago na Capela Ovetari, em Pádua (1448-57), parcialmente destruídos na Segunda Guerra Mundial. Cunhado do artista Giovanni Bellini (1430/ 35-1516), Mantegna foi pintor da corte dos Gonzaga de Mântua, na Itália.

A pintura do MASP, "São Jerônimo penitente no deserto" (1448-51), retrata o santo no deserto de Cálcis da Celessíria, na Síria, como exemplo do eremita que busca desenvolvimento intelectual e penitência na solidão. A cena apresenta alguns atributos tradicionais do santo, ao mesmo tempo asceta e erudito estudioso: o leão de cuja pata Jerônimo teria retirado um espinho, o chapéu vermelho de cardeal, a vela acesa na caverna diante de um crucifixo e a imersão na oração entre os livros fechados.

A autoria da pintura foi por muito tempo questionada, mas algumas características da obra se assemelham às de outros exemplos de Mantegna: a coruja, que se repete nos afrescos da Capela Ovetari, assim como os rochedos e a nuvem prateada, semelhantes aos pintados na Oração no horto, do acervo da National Gallery of Art, em Washington. O aspecto rochoso da figura de Jerônimo, que parece ser assimilado pelo cenário, obedece ao estilo de Mantegna, marcado pelo desenho expressivo e por formas inspiradas nas esculturas da Roma antiga.

A Virgem com o Menino de pé, abraçando a mãe (Madonna Willys) (1480 - 1490), de Giovanni BelliniMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Giovanni Bellini
Membro de uma família de artistas, Bellini colaborava com o pai, o pintor Jacopo Bellini (1396-1470), até começar a receber encomendas próprias. O artista assimilou de seu cunhado, o pintor Andrea Mantegna (circa 1431-1506), qualidades como o desenho rigoroso e a expressividade das figuras retratadas. Bellini desenvolveu um estilo pessoal no trato da luz. A partir de 1483, tornou-se pintor oficial da República de Veneza, onde comandava o maior ateliê da época, tendo Ticiano (1488/ 90-1576) e Giorgione (1477/78-1510) entre seus alunos.

Na pintura do MASP, "A Virgem com o Menino de pé, abraçando a mãe (Madonna Willys)" (1480-90), Bellini mostrou uma certa distância entre Maria e Jesus. Embora os corpos estejam próximos, as expressões faciais são melancólicas e Maria parece se esquivar; não há a mesma ternura presente nas outras madonas italianas do período. A pintura apresenta as duas figuras atrás de um parapeito, que separa o espectador da cena, enfatizando a transcendência do aspecto divino das personagens em relação à vida mundana. O parapeito pode sugerir, também, a mesa de um altar sobre o qual o menino é oferecido em sacrifício; o pano verde, no fundo, pode enfatizar esse sentido do corpo do menino na representação. Nessa obra, Bellini incorporou a espacialidade proposta pela pintura florentina, marcada pela profundidade do espaço, sem perder o simbolismo e certo rigor formal característico da tradição de origem bizantina.

A Virgem em lamentação, são João e as pias mulheres da Galiléia (1485 - 1490), de Hans MemlingMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Hans Memling
Memling foi aluno e colaborador de Roger van der Weyden (1400-1464), em Bruxelas. Em seguida, estabeleceu-se em Bruges onde dirigiu um ateliê muito numeroso e ativo. Dotado de extraordinária maestria técnica, reuniu em uma síntese original as características do seu mestre e de Jan van Eyck (1390-1441): o equilíbrio compositivo e a intensidade expressiva e cromática. Em "A Virgem em lamentação, são João e as pias mulheres da Galileia" (1485-90), vemos Maria à frente, são João Evangelista e as pias (piedosas ou devotas) mulheres presentes no Calvário, conforme o relato dos evangelhos: Maria Madalena, Maria de Cléofas e Salomé, esposa de Zebedeu.

O grupo de figuras, como o coro no teatro clássico, acompanha a ação principal, respondendo a ela em conjunto. A obra do MASP era parte de um retábulo formado por dois painéis. O segundo, hoje desaparecido, deveria representar uma deposição de Cristo da cruz, como vemos naquele pintado pelo mesmo Memling, na Capilla Real de Granada, na Espanha (1494). Em 2013, foi doado ao museu um quadro com esse tema, executado por um seguidor do mestre já na primeira metade do século 16, inspirado talvez no original perdido.

Virgem com o Menino e são João Batista criança (1490 - 1500), de Sandro Boticelli e ateliêMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Sandro Botticelli e ateliê
O nome Botticelli deriva da palavra battiloro, aprendiz de ourives em italiano, primeira ocupação do artista em Florença. Estudou no ateliê de Filippo Lippi (1406-1469) até 1467, quando se associou a Andrea del Verrocchio (1435-1488) para atender às encomendas de pintura que recebia. Em 1470, abriu seu próprio ateliê, onde trabalhava com a colaboração de aprendizes, prática comum no período. Logo depois, alcançou a posição de mestre e vinculou-se ao mecenato dos Médici, importante família de banqueiros que patrocinou grande parte da produção artística e arquitetônica da cidade.

A historiografia aponta a obra do MASP, "Virgem com o Menino e são João Batista criança" (1490-1500), como uma pintura feita pelo próprio Botticelli com alguns elementos executados pelos auxiliares de seu ateliê, como a figura de João Batista e a paisagem. A cena em formato circular possui várias características de Botticelli: olhares e gestos dos pés e das mãos apontando para várias direções, relações íntimas e harmoniosas entre as personagens, cores límpidas e contornos nítidos e precisos. A produção do artista foi bastante influenciada pela filosofia neoplatônica. A obra do MASP, no entanto, pertence à última fase da atividade do artista, influenciada pelos ideais religiosos de Girolamo Savonarola (1452-1498).

Ressurreição de Cristo (1499 - 1502), de Rafael (Raphael)MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Rafael Sanzio
Desde sua formação no ateliê de Pietro Perugino (1446-1524), Rafael Sanzio circulava na corte de Urbino, e aos 16 anos já recebia encomendas de pinturas. Em 1504, o artista mudou-se para Florença e, em seguida, para Roma, onde realizou a decoração dos apartamentos papais (1508-20) e entrou em contato com artistas como Leonardo da Vinci (1452-1519) e Michelangelo (1475-1564), influências importantes em seu amadurecimento.

A pintura do MASP, "Ressurreição de Cristo" (1499-1502), foi alvo de grande discussão entre os historiadores de arte, até ser, finalmente, atribuída à juventude de Rafael. O debate foi encerrado com a comparação entre a obra e seus esboços, encontrados no Ashmolean Museum, em Oxford, que revelaram o estudo compositivo dos corpos dos guardas presentes na pintura. A obra apresenta características que Rafael assimilou no ateliê de Perugino, como a rigorosa divisão dos eixos vertical e horizontal. Já a articulação simétrica entre os elementos centrais e periféricos das cenas era uma característica de Rafael, que em sua pintura procurava alcançar um ideal de beleza harmônico, derivado dos valores da Antiguidade clássica.

Os pés de Cristo marcam o centro do quadro, sobre o retângulo formado pelos quatro guardas, que gesticulam em diferentes direções. A tampa entreaberta do sarcófago, no centro dessa área, sugere volume e profundidade, assim como as colinas e os montes ao fundo. Os anjos ao lado de Cristo reiteram o gesto que aponta para cima, aludindo à crença em uma existência divina.

Tríptico: Cristo carregando a cruz, a crucificação e o sepultamento (Sem data/Undated), de Jan van DornickeMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jan van Dornicke
Jan van Dornicke era filho de um escultor e atuou na Antuérpia entre 1509 e 1527, sendo um dos mais importantes mestres da cidade na época. Estima-se que existam apenas 20 obras suas conservadas, uma delas doada ao MASP em 2004.

O retábulo, possivelmente realizado na década de 1520, é composto de três painéis figurando Cristo carregando a cruz, a crucificação e a deposição de Cristo no sepulcro. Há certo decoro nos gestos e nas expressões teatrais das personagens; as figuras em primeiro plano conformam núcleos independentes na cena, de modo que o olhar possa seguir diversas e conflitantes narrativas, em que a dor e a compaixão se mesclam com a violência mais brutal.

As cores das roupas das mulheres e dos ornamentos suntuosos dos guerreiros destacam os protagonistas desses contrastes dramáticos. As composições são inspiradas nas xilogravuras de Albrecht Dürer (1471-1528) e de Lucas Cranach, o Antigo (1472-1553). As partes laterais da obra podem ser fechadas ou abertas para ocultar ou revelar as pinturas internas, conforme as exigências do calendário litúrgico.

É possível que também o exterior de tais painéis apresentasse imagens hoje desaparecidas.

As tentações de santo Antão (circa 1500), de Hieronymus BoschMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

São Sebastião na coluna (1500 - 1510), de Pietro Perugino e ateliêMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Pietro Perugino e ateliê
Perugino, nascido como Pietro Vannucci, era pintor e desenhista e realizou trabalhos em várias cidades da Itália, principalmente em Perúgia, Florença e Roma. O pintor, que possivelmente foi discípulo de Piero della Francesca (1415/1420-1492) e de Andrea del Verrocchio (1435-1488), colaborou com diversos artistas da época, como Sandro Botticelli (1445-1510) e Domenico Ghirlandaio (1449-1494), com os quais trabalhou nos afrescos das laterais da Capela Sistina, no Vaticano. Embora seja hoje mais conhecido como o tutor de Rafael (1483-1520), Perugino deixou sua marca na história da arte italiana ao mesclar o modelo compositivo de Florença, caracterizado pela figuração bem delineada, com o estilo pictórico predominante na Úmbria, que se distinguia pela estruturação do espaço a partir da arquitetura.

Tais elementos podem ser observados na pintura do MASP, "São Sebastião na coluna" (1500-10), em que a figura humana, representada de forma clara e bem delineada, está centralizada e a profundidade é construída a partir da sobreposição de colunas, arcos e piso geometrizado. Segundo a tradição cristã, são Sebastião foi um oficial romano que, ao converter-se ao cristianismo, foi condenado à morte por flechadas. O corpo nu, sem pelos, e o rosto pintado com traços delicados sugeriram uma leitura da imagem do santo em termos homoeróticos em artistas do século 20, como Pierre & Gilles, Leonilson (1957-1993) e Derek Jarman (1942-1994).

Virgem com o menino, são João Batista criança e um anjo (1500 - 1510), de Piero di CosimoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Piero di Cosimo
O primeiro nome pelo qual o artista é conhecido remete a seu pai, Lorenzo di Piero d’Antonio, um ferreiro. O outro — Cosimo — é herança de sua filiação ao pintor Cosimo Rosselli (1439-1507), a quem auxiliou em vários trabalhos, como os afrescos da Capela Sistina. Depois dessa colaboração, Piero assumiu um papel central em Florença. O artista absorveu dois grandes modelos na sua produção madura: a riqueza de detalhes e a igualdade no tratamento entre objetos e pessoas das pinturas flamengas, e a expressão da paisagem não como fundo, mas como local do simbólico e do imaginário, como em Leonardo da Vinci (1452-1519).

Piero estudava meteorologia, e tinha interesse nas mudanças da luz durante o dia, com as variações do tom azulado da paisagem. As duas características são observáveis em "Virgem com o menino, são João Batista criança e um anjo" (1500-10). O cenário aberto lembra as panorâmicas flamengas e em muito difere das ruínas clássicas; a iconografia incomum da Virgem de pé é acompanhada de outros elementos, como a lagarta, o corvo e os brotos de planta, símbolos de morte e de ressurreição. A cena é observada com reverência por um jovem anjo que lhe oferece uma flor, símbolo do seu sacrifício. A obra do MASP passou por uma restauração recente, em colaboração com a Soprintendenza di Roma.

A Virgem amamentando o Menino e são João Batista criança em adoração (1500 - 1520), de GiampietrinoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

O casamento desigual (1525 - 1530), de Seguidor de Quentin MetsysMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Seguidor de Quentin Metsys
"O casamento desigual" (1525-30) representa o tema do “casamento grotesco” — o jovem que se casa com a velha interessado em sua riqueza —, comum na tradição popular medieval e nas comédias gregas e romanas. O tópico também aparece em textos de grande circulação, sobretudo na Europa setentrional, como o poema "A nau dos insensatos" (1494), de Sebastian Brant (1457-1521), e o "Elogio da loucura" (1511), de Erasmo de Roterdã (1466-1536).

A obra é atribuída a um seguidor de Quentin Metsys. Este tratou o assunto, embora de forma muito diferente, numa pintura pertencente à National Gallery de Washington, datável entre 1520 e 1525. Ao lado da proximidade com o mestre holandês, a crítica evidenciou também na obra do MASP uma forte dependência de invenções grotescas de Leonardo da Vinci (1452‑1519).

O casal ao centro da composição deriva de um desenho perdido do pintor italiano, conhecido apenas por uma cópia de circa 1602 (Albertina, Viena), atribuída a Jacob Hoefnagel (1575‑1630), e reproduzido numa gravura por Wenceslau Hollar (1607-1677) em 1646. Quatro das outras seis figuras procedem de outro desenho de Leonardo conservado em Windsor, chamado de "Cinco cabeças disformes". É possível que o quadro seja o produto do grande sucesso europeu dos desenhos cômicos de Leonardo, que certamente foram copiados e reproduzidos pelos seguidores e herdeiros do mestre ativos em Milão, até a segunda metade do século 16.

Retrato de jovem aristocrata - Um jovem noivo da família Rava (1539), de Lucas Cranach, o AntigoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Lucas Cranach, o Antigo
"O Retrato de jovem aristocrata — Um jovem noivo da família Rava" (1539) apresenta a figura com o brasão da família sobre o anel e com uma coroa de cravos vermelhos, código de noivado na época. Poderia, portanto, tratar-se de um quadro executado na ocasião de um casamento, quando famílias de alta posição trocavam retratos entre si. A barba rala demonstra a juventude do belo personagem; sua mão esquerda apoiada sobre o punhal pode indicar uma vocação militar. O fundo verde permite que os tons de vermelho se destaquem na joia em forma de coração sobre o peito, na pena da coroa, no colarinho abotoado e frisado.

Lucas Cranach foi um importante representante do renascimento germânico. O nome Cranach vem da cidade onde ele nasceu, Kronach, hoje território alemão. Estudou tanto no ateliê de gravura de seu pai como em suas viagens. Em 1501, estabeleceu-se em Viena. Na corte do imperador Maximiliano I, adquiriu renome, introduzindo na arte alemã um novo tipo de retrato de casal formado por dois painéis unificados por uma paisagem simbólica no fundo.

Em 1504, Cranach foi convidado em Wittenberg para ser o pintor oficial da corte do duque Federigo III da Saxônia, protetor do líder protestante Martinho Lutero (1483-1546). Cranach tornou-se íntimo amigo do reformador religioso e realizou vários retratos dele e de seus principais partidários. Ao tornar-se chefe de um grande ateliê, absorveu o modelo compositivo e intelectual da pintura italiana, renunciando à intensidade expressiva da sua primeira fase.

O poeta Henry Howard, conde de Surrey (circa 1542), de Hans Holbein, o JovemMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Hans Holbein, o Jovem
Filho do pintor Hans Holbein, o Velho, iniciou sua formação no ateliê do pai trabalhando com o irmão Ambrosius na Basileia (1516-17) e em Lucerna (1517-19), na Suíça. Nessa época, Holbein, o Jovem conheceu o grande humanista Erasmo de Roterdã (1466-1536), a quem retratou várias vezes e para quem ilustrou o clássico Elogio da loucura (1511). As primeiras obras do jovem pintor revelam também o estudo das obras renascentistas na Itália setentrional, em particular as de Leonardo da Vinci (1452-1519) e Andrea Mantegna (circa 1431-1506).

Holbein é conhecido como um dos mestres do retrato no renascimento, mas foi também renomado como gravador, desenhista de vitrais e de joias. Recomendado por Erasmo ao pensador Thomas More (1478-1535), Holbein esteve na Inglaterra uma primeira vez entre 1526 e 1528, estabelecendo-se definitivamente naquele país em 1531 e tornando-se retratista da realeza. "O poeta Henry Howard, conde de Surrey" (circa 1542) foi pintado nos últimos anos da atividade do artista. Henry Howard (1517-1547) é considerado um dos grandes poetas ingleses do renascimento por ter desenvolvido a forma do soneto adotada em seguida por Shakespeare (1564-1616) e por ter introduzido os modelos da lírica de Francesco Petrarca (1304-1374). A posição da família durante os anos de conflito entre o monarca e Roma o levaram de uma posição de grande prestígio na corte às acusações de traição que causaram sua execução, aos 31 anos.

Ecce Homo ou Pilatos apresenta Cristo à multidão (1546 - 1547), de Jacopo TintorettoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jacopo Tintoretto
Tudo indica que Tintoretto frequentou o ateliê de Ticiano (1488/90-1576), do qual teria sido afastado por conflitos com o mestre. Grande parte de suas pinturas pode ser encontrada em diversos locais na cidade de Veneza, com destaque para as que estão no Palácio do Doge e na Scuola Grande di San Marco.

O que distinguia Tintoretto de seus contemporâneos era o uso intenso da cor, reforçado por pinceladas rápidas e duras, marcadas por interrupções abruptas. Distorcia a perspectiva, desorganizava a anatomia e intensificava os contrastes das cores para dar vibração às sombras, buscando uma maior expressividade e dramaticidade.

Interessava-se mais pela dimensão emocional por trás de cada cena do que pela fidelidade na representação. O MASP tem em sua coleção duas pinturas bastante distintas de Tintoretto, uma de sua juventude e outra da maturidade. A obra "Ecce Homo ou Pilatos apresenta Cristo à multidão" (1546-47) alude à passagem bíblica em que Pilatos consulta a multidão sobre o destino de Cristo. Na composição piramidal, o público assiste à cena das personagens que decidem o destino de Cristo em gestos teatrais, como em um palco.

O cachorro dá um toque de displicência à cena e poderia ter sido pintado para resolver uma grande área vazia branca e cinza.

Retrato do cardeal Cristoforo Madruzzo (1552), de Ticiano [Titian]MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Ticiano
Nascido na região de Veneza, Ticiano Vecellio tornou-se durante sua vida um dos mais reconhecidos pintores da Renascença. Na juventude, frequentou os ateliês de Giovanni Bellini (circa 1430/35-1516) e Giorgione (1477-1510). Ticiano foi um dos primeiros pintores a utilizar preferencialmente a cor como elemento constitutivo da composição, substituindo o desenho pelas manchas cromáticas. Suas pinturas são marcadas pelos grandes formatos e por cenas de grande impacto emocional.

Na pintura do MASP, o cardeal Cristoforo Madruzzo (1512-1578) foi retratado em pé e sem suas vestes religiosas. Madruzzo era príncipe e bispo da cidade de Trento, quando esta foi sede do Concílio (1545-63), e participou ativamente das discussões que deram início à Contrarreforma, resposta da Igreja católica à Reforma protestante. O retrato foi pintado nessa época. O relógio sobre a mesa, à esquerda, é um elemento comum na iconografia política desse período, alusão à efemeridade e fugacidade do tempo e do poder, que deve ser um estímulo para a prudência do príncipe. O retrato passou por diversos restauros desde o século 19, que afetaram seu estado de conservação.

O banho de Diana (1559 - 1560), de François ClouetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

François Clouet
François Clouet começou a pintar com o pai, o pintor flamengo Jean Clouet (1480-1541), a quem sucedeu como pintor de corte. Manteve-se nesse cargo durante quatro reinados da dinastia Valois na França, alcançando grande renome pelos retratos e realizando pinturas históricas e mitológicas inspiradas nas criações dos artistas maneiristas italianos. A obra do MASP possui três outras versões, todas na França. "O banho de Diana" (1559-60) remete ao mito narrado na Teogonia, do poeta grego Hesíodo (circa 750-650 a.C.), e nas Metamorfoses de Ovídio (43 a.C.-18 d.C.).

No mito, Acteão é caçado pelos seus próprios cães, depois de ser transformado em cervo por Diana, deusa da lua e da natureza, enfurecida ao ser surpreendida nua em seu banho com as ninfas.

No entanto, a presença de dois sátiros na cena contraria essa intepretação, sugerindo uma outra da imagem, à luz de eventos da época: acredita-se que ela insinue a morte do rei Henrique II (1519-1559) (representado pelo cervo sendo comido no canto direito) e sua sucessão por Francisco II (1544-1560) (o cavaleiro que chega à esquerda).

Assim, a Diana vestida de vermelho seria a nova rainha, Maria Stuart (1542-1587), que substitui a mulher sentada, a rainha Catarina de Médici (1519-1589), com expressão de pesar. A terceira figura feminina poderia ser Diana de Poitiers, favorita do rei Henrique II.

Anunciação (circa 1600), de El GrecoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

El Greco
Domenikos Theotokopoulos, apelidado de “El Greco” na Espanha, teve sua primeira formação em Creta, dentro da tradição artística de origem bizantina. Antes de 1567 mudou-se para Veneza, onde admirou, sobretudo, as pinturas da fase final de Ticiano (1488/90‑‑1576) e os dramáticos efeitos de luz e espaço nas obras de Tintoretto (1518-1594). Em 1575, talvez esperando participar das obrasdo Escorial, transferiu-se definitivamente para a Espanha. Dois anos depois já estava em Toledo, antiga capital e grande centro intelectual, onde trabalhou especialmente em obras de temática religiosa.

Para muitos, foi ele quem melhor traduziu com seu estilo dramático na pintura a alma da cidade, orgulhosa de seu grande passado, mas então decadente depois de Felipe II fixar a capital em Madri. A obra "Anunciação" (circa 1600) é mencionada no inventário feito depois da morte de El Greco junto com outras seis versões quase idênticas, hoje distribuídas entre Cuba, Estados Unidos, Japão, Espanha e Hungria, todas datadas entre 1595-1605. Os corpos de Maria e do anjo Gabriel são exageradamente alongados, destacando sua tensão espiritual. O lírio branco simboliza a pureza e o arbusto queimando é a sarça ardente, por meio da qual Deus teria manifestado pela primeira vez sua presença a Moisés. O cenário fantasmagórico e sombrio, com a explosão de luz que representa o espírito santo — materializado na pomba — cria uma atmosfera arrebatadora e dramática.

Marte e Vênus com uma roda de cupidos e paisagem (1605 - 1610), de Carlo SaraceniMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Carlo Saraceni
Nascido em Veneza, Carlo Saraceni mudou-se aos 19 anos para Roma, onde estudou com Camillo Mariani (1556-1611). As obras que produziu em Roma até 1610 refletem a influência de diferentes pintores venezianos como Ticiano (1488/90-1576) e Tintoretto (1518-1594), mas o legado do pintor alemão Adam Elsheimer (1578-1610) é o que mais se aproxima de sua produção de juventude. Ambos criavam composições complexas, assimétricas, inclinadas, com diagonais marcadas e grande variação na escala das personagens e nos cenários ao fundo, como se pode ver na pintura do MASP, "Marte e Vênus, com uma roda de cupidos e paisagem" (1605-10). Saraceni adquiriu renome em Roma como autor de obras de pequeno formato sobre cobre.

Na obra do MASP, Marte, deus da guerra, é retratado desarmado e em cena íntima com Vênus, rodeados por cupidos, que usam a armadura de Marte como brinquedo.

As personagens destacam-se em primeiro plano, teatralmente separadas do pano de fundo da paisagem, aludindo às pinturas dos mestres renascentistas que influenciaram o artista. Há, porém, um forte jogo de luz e sombra que demonstra o impacto de Caravaggio (1571-1610) sobre Saraceni.

As cirandas de cupidos conferem grande movimento à pintura, suavizam os ângulos e as inclinações e trazem à composição um elemento lúdico, em oposição às simbologias da guerra que envolvem Marte.

O arquiduque Alberto VII da Áustria (1615 - 1632), de Peter Paul Rubens e ateliêMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Peter Paul Rubens e ateliê
Além de ser um dos mais relevantes artistas europeus do século 17, Rubens cumpria missões diplomáticas e políticas oficiais. Durante a Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), em que os calvinistas das Províncias Unidas do norte da Holanda lutaram contra os altos impostos da Espanha católica e conquistaram a independência, Rubens se manteve do lado católico. Sua família refugiou-se em Colônia, atual Alemanha, fugindo dos conflitos religiosos da época. Talvez por isso ele afirmasse buscar, especialmente na arte, uma linguagem pacificadora, humanista e universal. Pintava cenas religiosas e mitológicas, retratos e paisagens. Depois de passar oito anos na Itália estudando a Antiguidade e a Renascença, fundou um importante ateliê na Antuérpia e realizou missões artísticas na Espanha e na Inglaterra, além de formar artistas como Anthony van Dyck (1599-1641) e Diego Velázquez (1599-1660).

A obra do MASP, "O arquiduque Alberto VII da Áustria (1615-32), foi encomendada por Alberto VII (1559-1621) e tinha um par, a imagem de sua esposa, infanta Isabel (1566-1633), filha do rei Felipe II da Espanha (1527-1598). Depois de ser vice-rei de Portugal entre 1581-85 e 1595, o arquiduque governou os Países Baixos até 1621 e, durante os últimos doze anos, conseguiu suspender o conflito. Graças a ele, Rubens recebeu suas primeiras encomendas públicas e foi nomeado pintor da corte de Bruxelas em 1609. Não há consenso sobre a autoria da obra, encontrada em seu ateliê depois de sua morte. Possivelmente, era usada como modelo para réplicas de seus pupilos.

Retrato do conde-duque de Olivares (1624), de Diego VelázquezMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Diego Velázquez
Velázquez foi aluno em Sevilha do pintor e teórico Francisco Pacheco (1564-1644), que se tornaria seu sogro e mentor. Suas primeiras obras foram cenas de vida popular e religiosas inspiradas no vigoroso realismo de Caravaggio (1571-1610). O apoio de Don Gaspar de Guzmán (1581-1645), conde-duque de Olivares, poderoso primeiro-ministro do rei Felipe IV (1605-1665), retratado no quadro do MASP, proporcionou a Velázquez a nomeação a pintor de corte, com apenas 25 anos de idade. O retrato do MASP representa, portanto, um momento particularmente importante no caminho do artista que transformou o gosto artístico da corte espanhola e a pintura europeia do seu tempo.

No quadro, Olivares exibe numerosos símbolos de poder: a grande chave, as duas esporas na cintura, a longa corrente de ouro, que eram o distintivo dos cargos de Sumiller de Corps e de Caballerizo Mayor, recebidos pelo ministro desde 1622, que lhe davam acesso irrestrito aos aposentos do rei; a cruz vermelha da Ordem de Alcântara no peito é símbolo de pertencimento à mais alta nobreza castelhana; o bigode opulento e a barba bem-feita são sinais de cuidado pessoal e afirmação de masculinidade. Velázquez representa no seu patrono a figura ideal do “Valido del Rey”, o braço direito do monarca, verdadeiro dono do reino.

Aparição do menino Jesus a santo Antônio de Pádua (?) (1627 - 1630), de Francisco de ZurbaránMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Francisco de Zurbarán
Desde 1614, foi colocado pelo pai no ateliê do pintor Pedro Diaz de Villanueva (1564-1654) em Sevilha. Três anos depois já atuava como mestre em Llerena na Extremadura, onde viveu durante mais de dez anos, enviando numerosas obras para importantes instituições religiosas da cidade andaluza. Ali se estabeleceu em 1629 a convite da municipalidade, a serviço das poderosas congregações monásticas sevilhanas, tornando-se o intérprete de sua espiritualidade dramática. Suas imagens severas, embora inspiradas no realismo de Caravaggio (1571-1610), representam a iluminação do êxtase e da visão mística; as figuras são frequentemente isoladas num espaço indeterminado que as torna mais impactantes e intensas pelo enérgico relevo das formas cinzeladas sobre o fundo escuro por violentos contrastes de luz.

"Aparição do menino Jesus a santo Antônio de Pádua" (1627-30) é um exemplar do estilo tenebrista de Zurbarán: um único foco ilumina a cena sombria. Não há consenso sobre qual seja o santo retratado, já que alguns atributos da figura poderiam indicar são Francisco, outros, santo Antônio de Pádua. O livro aberto sugere que o santo, que era um intelectual, foi interrompido pela visão divina do menino Jesus surgindo entre as nuvens. O lírio branco, símbolo da pureza, demonstra a vocação espiritual de suas leituras.

Adoração dos pastores (1630 - 1635), de Bartolomeo Passante ou Mestre da Anunciação aos PastoresMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Bartolomeo Passante
Há divergências sobre a autoria da obra do MASP, "Adoração dos pastores" (circa 1630-35). Quando entrou para a coleção do museu, na década de 1950, foi atribuída ao pintor espanhol José de Ribera (1591-1652). Porém, após troca de correspondência entre Pietro Maria Bardi, então diretor do museu, e especialistas em arte italiana e espanhola, a autoria foi atribuída a Bartolomeo Passante, um colaborador napolitano de Ribera. Divergindo dessa hipótese, alguns historiadores acreditavam que parte do conjunto de obras atribuído originalmente a Passante fora criada por um pintor anônimo de Nápoles, o Mestre da Anunciação aos Pastores, e o apontaram como autor da pintura do MASP. Em 1969, Roberto Longhi (1890-1970), historiador de arte italiana, escreveu um artigo no qual afirmava que o conjunto todo pertence a Passante, mas a questão ainda permanece em aberto.

A obra do MASP é considerada uma das pinturas de maior qualidade do artista, em que fez uso do tenebrismo, técnica do período barroco, na qual se utilizava apenas uma fonte de luz para destacar as sombras e agregar drama e tensão às pinturas, dominadas por tons escuros.

Apesar da seriedade e gravidade da composição, a leveza dos anjos em torno de Jesus confere um ambiente íntimo e familiar à obra, que aproxima a cena de tema sacro do âmbito da vida cotidiana.

Retrato de jovem com corrente de ouro (Autorretrato com corrente de ouro) (circa 1635), de Rembrandt van Rijn e ateliêMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Rembrandt van Rijn e ateliê
Depois de manter um ateliê em Leiden por cinco anos, Rembrandt mudou-se para Amsterdã, onde fez fama e fortuna pintando especialmente retratos para coleções particulares. O sucesso que alcançou como pintor foi tão grande que, em torno de 1633, comandava um dos maiores ateliês da Europa, em um palácio de quatro andares no centro de Amsterdã. Na década de 1640, uma série de infortúnios pessoais e profissionais levaram Rembrandt a uma decadência gradual. Ele então abandonou o acabamento e a correção de seu primeiro estilo para se dedicar a um estudo profundo da luz, que resultou em uma sublime intensidade emotiva das pinturas e das gravuras.

"O Retrato de jovem com corrente de ouro (Autorretrato com corrente de ouro)" (circa 1635) é tradicionalmente apontado como um autorretrato, embora a crítica contemporânea tenda a contestar essa hipótese. Não obstante a opinião de especialistas de que a obra seja de autoria do “círculo” do mestre holandês, a atribuição a Rembrandt é antiga e amparada por diversos documentos, réplicas e registros gráficos que remontam ao século 17. A presença de uma assinatura visível apenas à luz infravermelha e de um pentimento (correção) à altura do peito podem reforçar a ideia de uma intervenção direta do pintor.

O capitão Andries van Hoorn (1638 - 1638), de Frans HalsMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Frans Hals
As primeiras notícias sobre a vida de Frans Hals contam que sua família se mudou da Antuérpia para Haarlem, na Holanda, em 1585, fugindo da ocupação espanhola e das ferozes perseguições aos protestantes por parte dos católicos. Hals entrou para a guilda de artistas da cidade em 1610 e, rapidamente, conquistou reconhecimento e uma numerosa clientela entre os burgueses abastados. Sua vocação naturalista se manifestava na representação de cenas cotidianas e nos retratos individuais e coletivos, sua especialidade, executados por encomenda, ou motivados apenas pelo interesse no caráter e na fisionomia dos modelos.

A técnica de Hals visa traduzir o tema de forma imediata e viva, com pinceladas rápidas e irregulares, deixando emergir por meio do toque a condição emotiva do artista. Tal procedimento pictórico foi um importante legado para o realismo moderno, do século 19. Os retratos O capitão Andries van Hoorn e Maria Pietersdochter Olycan, sua segunda esposa, foram realizados por ocasião do casamento, em 1638. Ambos pertenciam a ricas famílias de produtores de cerveja de Haarlem.

Maria Pietersdochter Olycan (1638 - 1638), de Frans HalsMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Nos retratos, há precisão nos detalhes e também certa informalidade na apresentação das personagens, que em nada compromete a evidência de sua posição social. O capitão Andries foi retratado por Hals também na tela representando o banquete dos oficiais da milícia de santo Adriano (1633), eleitos entre os notáveis da cidade de Haarlem, e foi prefeito da cidade em 1655.

Retrato de um desconhecido (William Howard, visconde de Stafford?) (1638 - 1640), de Anthony van DyckMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Anthony van Dyck
Talento muito precoce, já com 16 anos Van Dyck abriu seu próprio ateliê; em 1618 era mestre na guilda de Antuérpia e colaborador de Rubens (1577-1640), o mais renomado pintor da época. Depois de uma rápida passagem pela Inglaterra (1620), foi para a Itália, onde permaneceu de 1621 a 1627 e estudou especialmente as obras de Ticiano (1488/90-1576). Tornou-se um dos retratistas preferidos pela aristocracia de Gênova, mas trabalhou também em Roma, Florença e Palermo. Depois de voltar para a Antuérpia (1628), foi pintor da arquiduquesa Isabel, competindo com Rubens, seu antigo mentor. Em 1632, Van Dyck foi convidado por Charles I, rei da Inglaterra, para ser o pintor da corte. Permaneceu até a morte naquele país, onde deixou um grande legado e fundou uma nova tradição retratística.

Não há consenso sobre quem seria o modelo da obra do MASP. Acredita-se que seja William Howard, visconde de Stafford (1614-1680), com base numa réplica do retrato conservada na coleção do Castelo de Cardiff e numa gravura de 1833 com a inscrição “William Howard viscount Stafford, from the original of Van Dyck in the collection of Marquis of Bute” [William Howard, visconde de Stafford, do original de Van Dyck na coleção do marquês de Bute].

Paisagem fluvial com balsa transportando animais (circa 1650), de Salomon van RuysdaelMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Salomon van Ruysdael
Salomon van Ruysdael foi um dos pioneiros da paisagem naturalista na Holanda da primeira metade do século 17. Especializou-se em cenas de rios, de estuários e de marinhas compostas a partir de elementos reais, típicos da paisagem do país, repudiando as convenções anteriores bem como as composições artificiosas dos paisagistas clássicos italianos e franceses. As pinturas de Ruysdael são povoadas de pescadores, camponeses e comerciantes.

Em "Paisagem fluvial com balsa transportando animais" (circa 1650), um barco transporta um grupo de sete pessoas e cinco vacas, enquanto, à esquerda, um homem segue pela trilha que acompanha o rio.

Ao fundo, vê-se o que parece ser uma cidade, com uma torre e um conjunto de barcos. A árvore tortuosa, na beira do rio e com o tronco refletido na água, organiza a composição da pintura, sua linha em zigue-zague deixando-a mais dinâmica. A árvore, em primeiro plano, serve também como referência para se compreender a profundidade da paisagem. A paleta de cores — em azul, cinza, marrom e amarelo — torna-se mais escura no canto inferior esquerdo e mais clara à medida que se aproxima do canto direito, onde o céu e a água se mesclam e se confundem no infinito.

Paisagem com jiboia (circa 1660), de Frans PostMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Frans Post
Frans Post nasceu em uma família de artistas e foi pintor, desenhista e gravador. Chegou ao Brasil em 1637, aos 25 anos, integrando a comitiva de Maurício de Nassau durante a ocupação holandesa em Pernambuco (1630-54). Morou no Recife até 1644, período em que produziu dezoito paisagens, sendo que hoje se conhece a localização de apenas sete delas. Foi, portanto, o primeiro pintor europeu a representar a paisagem brasileira com base naobservação da realidade. Após sua volta à Holanda, Post continuou realizando pinturas de temas brasileiros a partir de esboços e desenhos feitos no país. O MASP possui cinco obras do artista, entre elas "Paisagem com jiboia" (circa 1660).

Na cena, a serpente foi pintada à direita, como se estivesse à espera de uma presa; a igreja destelhada lembra a destruição dos edifícios religiosos católicos da cidade pelos holandeses.

Esta pintura é um dos melhores exemplos do cuidado de Post ao retratar aspectos da vida na colônia, da fauna e da flora do Brasil.

Diana adormecida (1690 - 1700), de Giuseppe MazzuoliMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Giuseppe Mazzuoli
Membro de uma família de artistas e arquitetos, Giuseppe Mazzuoli foi iniciado na escultura pelo irmão, Giovan Antonio, em Siena. No início da juventude, mudou-se para Roma, onde complementou sua formação no ateliê de Ercole Ferrata (1610-1686). Sua primeira encomenda, o Cristo morto (1671) do altar da igreja de Santa Maria della Scala, em Siena, chamou a atenção de Gian Lorenzo Bernini (1598‑‑1680), com quem trabalhou posteriormente em diversos projetos em Roma. Dentre os escultores associados a essa fase do barroco italiano, Mazzuoli foi o que mais assimilou as características de Bernini, em especial a figuração do movimento e da dramaticidade nas vestes. A escultura do MASP, que chegou a ser atribuída a Bernini por alguns historiadores, foi produzida na maturidade de Mazzuoli para o Palácio Barberini, em Roma.

"A Diana adormecida" (1690-1700) é uma variação de antigas imagens que mostravam uma ninfa adormecida ao lado de uma fonte, figura da mitologia greco-romana associada à inspiração e às artes.

Seu primeiro precedente seria a escultura Ariadne adormecida (1512), associada a um sarcófago que servia como fonte no Belvedere do Vaticano. A marca da meia-lua, o arco e a flecha nas costas, presentes na escultura, acompanham toda a iconografia de Diana, divindade romana da caça e da lua.

Paisagem com pastores (1710 - 1730), de Alessandro MagnascoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Alessandro Magnasco
Alessandro Magnasco, também conhecido como Il Lissandrino, formou-se em Gênova, Milão e em Florença onde viveu na corte dos Médici. O contato com as representações de temas populares e teatrais dos artistas nórdicos ativos na Itália inspirou o caráter extravagante e quase caricatural de suas típicas figuras desengonçadas de frades, saltimbancos, brigantes no meio de paisagens tempestuosas ou de ruínas.

A obra "Paisagem com pastores" (1710‑30), da coleção do MASP, foi feita com pinceladas rápidas, indicando um processo intuitivo, e nela se veem poucas variações entre os tons de verde e marrom, em oposição ao contraste das cores do céu com as da vegetação. A árvore inclinada no centro da pintura agrega drama e movimento à natureza; domina a cena e relega o grupo de pessoas no entorno ao papel de coadjuvantes.
O desenho dos galhos e das folhas da árvore mistura-se com o traçado das nuvens, que por sua vez se funde com os contornos das montanhas ao fundo. Magnasco inovou ao tratar a natureza como elemento central da pintura, não apenas como um fundo distante e subordinado às narrativas humanas, e parece antecipar a noção de sublime, presente no romantismo do século 19, que buscava o belo na grandiosidade e na violência da natureza.

Reunião num parque (1719 - 1720), de Jean-Baptiste PaterMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Baptiste Pater
Pater foi o aluno predileto do mais renomado pintor do rococó francês, Antoine Watteau (1684-1721), continuando seu estilo e seus temas, em particular as chamadas “festas galantes”. Depois da morte do rei Luís XIV (1638-1715), a aristocracia francesa, cansada do luxo e do rígido cerimonial da corte, procurou na literatura pastoral um novo ideal de comportamento menos afetado e pomposo, mas não menos sofisticado. Ao lado das grandes residências são construídos parques e vilas, inspirados na vida do campo, onde se organizavam festas campestres, divertimentos elegantes dentro de cenários inspirados na Arcádia mitológica, com pavilhões e templos dedicados às divindades do amor. Como seu mestre Watteau, Pater destacou-se por representar esses temas e foi admitido na Académie Royale em 1728. Além de grande desenhista colorista, Pater foi famoso pelos retratos.

A obra do MASP, "Reunião num parque" (1719-20), é um exemplar do modelo de fantasia arcadista, com exaltação da natureza, tão presente na obra de Pater. A composição é triangular e tem na sua base o grupo de mulheres e rapazes vestidos com requinte, distraídos com seus pequenos prazeres.

Embora a luz na paisagem seja difusa, o grupo em primeiro plano tem um foco quase teatral, as roupas coloridas e brilhantes encontram-se em destaque. É um dos raros quadros assinados de Pater, em meio à grande produção de seu ateliê, frequentemente repetitiva.

Retrato de Auguste Gabriel Godefroy (1741), de Jean-Baptiste-Siméon ChardinMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Baptiste-Siméon Chardin
Chardin foi um dos grandes nomes da pintura francesa do século 18, tratando de forma profunda e poética temas da vida cotidiana. Em 1728, ganhou o título de pintor de naturezas-mortas na Académie Royale de Paris. Com o tempo, o artista passou a produzir pinturas de gênero, feitas para as casas de nobres e burgueses — retratos, cenas domésticas, crianças ou casais enamorados. O menino em "Retrato de Auguste Gabriel Godefroy" (1741) era filho de um joalheiro e banqueiro para quem Chardin fez muitos outros trabalhos.

Na cena, ele observa o pião girar, distraindo-se dos estudos e deixando de lado os livros, o tinteiro e o pergaminho sobre a escrivaninha. A luz extraordinária que recai sobre o garoto traça uma linha diagonal na parede ao fundo, conferindo volume à composição.

A gaveta entreaberta em primeiro plano, com um prolongador de giz, confere profundidade ao móvel. O tema da educação infantil era recorrente na pintura francesa do período.

O pião é entendido como símbolo da inconstância do caráter infantil e da sorte, do equilíbrio instável entre as várias forças que governam o destino humano perfeitamente representado na brincadeira da criança.

Drinkstone Park (O Bosque de Cornard) (1747), de Thomas GainsboroughMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Madame Louise-Elisabeth, Duquesa de Parma - A terra (1750), de Jean-Marc NattierMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Marc Nattier
Desde os 15 anos, Nattier já era premiado como artista e atendia a muitas encomendas privadas. Em 1718, após retratar Catarina, a Grande (1729‑1796), imperatriz da Rússia, recusou o convite para se estabelecer na corte em São Petersburgo. Foi então aceito como pintor de temas históricos na Académie Royale de Paris. Nattier é um dos maiores retratistas de sua geração, caracterizada pela renovação da imagem da mulher, dada sua crescente importância na vida intelectual e cultural francesa no século 18.

Seus retratos reiteram o ideal da nobreza, através de simbolismos e da ostentação da riqueza, evidenciada pelos tecidos como o veludo e o cetim coloridos, que eram muito custosos e demarcavam papéis sociais.

Madame Anne-Henriette de France - O fogo (1751), de Jean-Marc NattierMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

As pinturas do MASP reúnem quatro das filhas do rei Luís XV. Cada uma delas é associada a um dos quatro elementos, identificados pelos atributos do globo, do fogareiro, do pavão e da ânfora. A mais velha, Louise-Elisabeth, é associada à terra; Anne-Henriette, ao fogo; Marie‑Adelaide, ao ar; Marie-Louise-Thérèse-Victoire, à água.

Madame Marie-Adélaïde de France - O ar (1751), de Jean-Marc NattierMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

As obras decoravam uma sala no Palácio de Versalhes, residência da corte francesa à época da riqueza, evidenciada pelos tecidos como o veludo e o cetim coloridos, que eram muito custosos e demarcavam papéis sociais.

Madame Marie-Louise-Thérèse-Victoire de France - A água (1751), de Jean-Marc NattierMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A educação faz tudo (1775 - 1780), de Jean-Honoré FragonardMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Honoré Fragonard
Fragonard foi aluno de Chardin (1699-1779), que o inspirou especialmente para a pintura de temas cotidianos. Apesar de participar de vários salões de arte, não conseguiu ser aceito como artista oficial. Preferia temas da vida cotidiana: casais enamorados, cenas domésticas e crianças, um tipo de pintura que se tornou comum no século seguinte. Após a Revolução Francesa (1789), Fragonard abandonou o trabalho na Asemblée Nationale para fugir do clima político em Paris. As duas obras do MASP são anteriores a essa época.

Em "A educação faz tudo" (1775-80), o artista dá um tratamento mais informal que Chardin para o tema da educação. Na parte central e iluminada da cena, uma jovem brinca com dois cães para divertir as crianças. Um dos cães usa um manto vermelho e equilibra uma palha de milho entre as patas, enquanto o outro usa um chapéu negro de abas largas, como se ridicularizassem os hábitos ostentosos da aristocracia contra a qual a França se levantaria anos depois.

Retrato de uma dama com livro junto a uma fonte (1785), de Antonie VestierMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Antoine Vestier
Enviado a Paris para estudar no ateliê do pintor Jean-Baptiste Pierre (1714-1789), casou-se com a filha do miniaturista em esmalte Antoine Reverend e, durante algum tempo, continuou a atividade do sogro. Em 1776, fez uma viagem a Londres, onde provavelmente conheceu as obras de retratistas como Thomas Gainsborough (1727-1788). De volta a Paris, destacou-se na miniatura e na pintura de retratos. Foi admitido na Académie Royale em 1785 e, no ano seguinte, foi nomeado pintor do rei. Contudo, as mudanças de gosto provocadas pela Revolução deixaram o artista à margem da vida artística da capital.

"Retrato de uma dama com livro junto a uma fonte" (circa 1785) exemplifica o gosto da época pelo retrato inserido na paisagem, a busca por simplicidade e naturalidade na representação da distinção e do privilégio social — o livro indica a educação, e a pele branca, pouco exposta ao sol, é um sintoma do ócio, ambos símbolos das classes dominantes da época.

Retrato da condessa de Casa Flores (1790 - 1797), de Francisco Goya y LucientesMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Retrato de Fernando VII (1808), de Francisco Goya y LucientesMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A Virgem do véu azul (1827), de Jean-Auguste-Dominique IngresMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Auguste-Dominique Ingres
Ingres foi aluno de Jacques-Louis David (1748-1825), figura central do neoclassicismo francês. Ainda jovem, afirmou-se recebendo importantes encomendas oficiais do regime napoleônico. Em 1806, viajou a Roma, onde permaneceu até 1820, quando se mudou para Florença. Na Itália, tornou-se um dos retratistas mais requisitados. Voltando a Paris em 1824, consagrou‑se líder da escola clássica francesa. Eleito membro da academia, abriu um ateliê muito concorrido e, durante a vida, foi considerado pelo meio oficial o maior artista francês. Seus inúmeros desenhos mostram como Ingres possuía uma enorme erudição que se estendia da pintura dos vasos gregos à arte maneirista. Soube reunir todas essas referências em suas composições por meio do desenho, pensado de forma puramente decorativa, ou seja, em função do equilíbrio formal e sem preocupações naturalistas.

Duas das obras de Ingres do MASP, "Cristo abençoador" (1834) e "A Virgem do véu azul" (1827), representam temas religiosos. Historicamente, os gestos dessas figuras remontam a narrativas bíblicas específicas, mas também têm a função de orientar os fiéis à devoção.

Cristo abençoador (1834), de Jean-Auguste-Dominique IngresMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

As mãos de Cristo, abertas e voltadas para cima, eram assim retratadas nos primórdios do cristianismo; era como ele ensinava a rezar o pai-nosso. Já as mãos de Maria, juntas, seguem a tradição medieval e manifestam humildade e submissão.

Zélie Courbet (1847), de Gustave CourbetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Gustave Courbet
Courbet foi a mais forte referência do realismo na pintura francesa do século 19. Pintava temas sociais, o trabalho no campo, retratos crus, brutos, não idealizados. Rechaçava a pintura classicista, inspirada em modelos estéticos da Antiguidade. Também recusava o imaginário dramático do romantismo, que refletia os modos de vida e as aspirações da burguesia. Courbet participou ativamente dos movimentos revolucionários democráticos de 1848 e da Comuna de Paris (1871), primeira tentativa de governo socialista realizada depois da derrota da França na guerra contra a Prússia (1869-70). Alinhadas aos seus ideais, suas pinturas passaram a refletir um posicionamento permanente contra a situação política e a arte proposta nos Salões oficiais, a ponto de, em 1858, o artista organizar uma mostra com seus trabalhos recusados, o Pavillon du Réalisme. Além da obra exposta, "Zélie Courbet" (1847), o MASP possui a pintura "Juliette Courbet" (1873-74). As modelos eram irmãs do pintor, pintadas com quase trinta anos de intervalo. A pintura mantém as superfícies escuras típicas do artista, com predominância de cinzas, sépias e poucos detalhes coloridos que destacam as figuras do fundo. A expressão da menina é informal e afetiva, sem a tradicional idealização da beleza.

Cachoeira de Paulo Afonso (1850), de E.F.SchuteMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

E. F. Schute
A obra do MASP deriva possivelmente de uma fotografia de August Riedel (1799-1883), publicada no álbum Viagem de SS. AA. Reaes
Duque de Saxe e seu irmão Dom Luis Philippe ao interior do Brasil no ano de 1868.

Não há notícias biográficas do pintor, talvez um amador. A influência do romantismo alemão pode ser percebida em sua pintura com forte preocupação em relação aos aspectos sublimes e majestosos da natureza.

A primavera - Eurídice colhendo flores é mordida por uma cobra (A morte de Eurídice) - As Quatro Estações de Hartmann (1856 - 1863), de Eugène DelacroixMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Eugène Delacroix
Estudioso dos clássicos, Delacroix escreveu sobre sua obra e de outros artistas ao longo da vida, o que contribuiu para que se tornasse um modelo intelectual da pintura romântica. Viajou para conhecer pessoalmente o pintor John Constable (1776-1837), na Inglaterra, e a obra de Francisco Goya y Lucientes (1746-1828), na Espanha. Essas referências foram fundamentais para que Delacroix se desprendesse do rigor tradicional da pintura francesa, buscando
sugerir sensações mais que ser fiel à representação. As obras do MASP foram encomendadas pelo industrial francês Jacques-Frédéric Hartmann (1822‑1880) para decorar sua residência.

Nelas, Delacroix associa o tema das quatro estações a mitos grecoromanos. As pinceladas largas são as mesmas para os cenários e para as personagens, e o movimento não está apenas nos gestos e na interação, mas no ritmo da própria pincelada.

O inverno - Juno implora a Eolo a destruição da frota de Eneas (1856 - 1863), de Eugène DelacroixMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

As curvas das rochas, as nuvens agitadas, a vegetação e as águas parecem acompanhar a sinuosidade dos corpos, conferindo tensão ao conjunto.

O outono - Baco e Ariadne (1856 - 1863), de Eugène DelacroixMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

De longe, as telas de grande formato destacam as cenas em sua totalidade, com grande riqueza de detalhes.

De perto, cada trecho funciona com independência, destacando-se os blocos de cor, em especial, as massas de ocre e vermelho, e de verde e azul.

O verão - Diana surpreendida por Acteão (1856 - 1863), de Eugène DelacroixMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Duas cabeças (1858 - 1862), de Honoré DaumierMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Honoré Daumier
Apesar da formação de artista que recebeu na Académie Suisse, em Paris, foi com os jornais republicanos La Caricature e Le Charivari, na década de 1830, que Daumier se consagrou com seus desenhos satíricos sobre política e costumes. Sua obra coincide com a radical mudança do gosto causada pelas transformações sociais na França, resultado do fortalecimento da burguesia e da imprensa como meio de difusão de imagens e informação. Em 1860, abandonou os jornais para se dedicar à pintura. Daumier era um interlocutor próximo dos artistas realistas e costumava retirar temas da literatura.

"Duas cabeças" (1858-62) fez parte de uma mostra de 98 trabalhos de Daumier, organizada em 1878 pelo escritor Victor Hugo (1802-1885), para ajudar o artista em um período de dificuldades financeiras. A pintura parece ser um fragmento, recorte de uma cena dramática que se completaria fora da tela. As duas personagens olham para o canto direito, anunciando um fato ou um terceiro elemento do qual só vemos uma mancha. Somente o rosto de uma das figuras é visível, com a expressão exacerbada por pinceladas rápidas e marcadas, enquanto a outra é vista apenas de perfil.

Angélica acorrentada (1859), de Jean-Auguste Dominique IngresMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Auguste-Dominique Ingres
Ingres foi aluno de Jacques-Louis David (1748-1825), figura central do neoclassicismo francês. Ainda jovem, afirmou-se recebendo importantes encomendas oficiais do regime napoleônico. Em 1806, viajou a Roma, onde permaneceu até 1820, quando se mudou para Florença. Na Itália, tornou-se um dos retratistas mais requisitados. Voltando a Paris em 1824, consagrou‑se líder da escola clássica francesa. Eleito membro da academia, abriu um ateliê muito concorrido e, durante a vida, foi considerado pelo meio oficial o maior artista francês. Seus inúmeros desenhos mostram como Ingres possuía uma enorme erudição que se estendia da pintura dos vasos gregos à arte maneirista. Soube reunir todas essas referências em suas composições por meio do desenho, pensado de forma puramente decorativa, ou seja, em função do equilíbrio formal e sem preocupações naturalistas.

É o caso de "Angélica acorrentada" (1859), em que o artista modifica as proporções e os volumes do corpo para alcançar o efeito dramático desejado. A obra remonta ao poema épico Orlando furioso (1516), em que a heroína é salva por Ruggiero do monstro marinho ao qual foi oferecida em sacrifício.

O monstro é cegado pelo raio de luz que sai do escudo mágico do herói. O cavaleiro pagão que salva Angélica ganha, então, o seu amor.

Moema (1866), de Victor MeirellesMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Victor Meirelles
Victor Meirelles foi um dos responsáveis pela consolidação da pintura histórica no Brasil durante o reinado de dom Pedro II (1841‑1889) e teve como alunos artistas como Eliseu Visconti (1866‑1944) e Almeida Júnior (1850‑1899). Matriculou‑se na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1847, e conquistou o prêmio de viagem à Europa em 1853, estudando em Roma, Florença e Paris.

"Moema" (1866) apresenta a personagem do poema épico Caramuru, de frei Durão (1722‑1784), morta na praia, depois de afogar‑se enquanto seguia a nado o navio de Diogo Álvares, sua paixão que retornava a Portugal. Moema era um tema de grande sucesso na arte, na literatura e na música da época.

O assunto é próprio do romantismo indianista, que busca valorizar os temas nativos, na história nacional, dentro de uma visão idealizada que escondia a barbárie da colonização. Em Moema, representada como uma Vênus índia, Meirelles retomou o tema europeu do nu feminino na paisagem em uma dimensão trágica.

A pintura aponta para o conflito entre a imagem do indígena como herói da nação, construída durante o Império, e a violência praticada contra as populações nativas e suas culturas.

O negro Cipião (1866 - 1868), de Paul CézanneMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Paul Cézanne
Filho de um banqueiro, Cézanne estudou direito em Aix, mas após sua primeira viagem a Paris, em 1861, resolveu dedicar-se à pintura, depois de conhecer as obras clássicas do Louvre, Courbet (1819-1877) e Manet (1832-1883). Até a década de 1880, sua produção possuía traços românticos, inspirada sobretudo pelo lirismo e pela técnica pictórica de Eugène Delacroix (1798-1863), artista que admirou ao longo de toda a vida. Participou, sem sucesso, das exposições do grupo impressionista em 1874 e 1877, para depois se retirar na Provença. Cézanne foi muito admirado por um restrito grupo de jovens artistas, ainda que ignorado pelo público e rejeitado nas exposições oficiais. De 1899 até depois de sua morte, o interesse em sua obra foi crescendo, sendo considerada uma das bases de todo o desenvolvimento da arte moderna.

O modelo do "O negro Cipião" (1866-68) era um dos poucos profissionais negros nos ateliês de Paris. Intérpretes da obra associam-na aos debates abolicionistas da segunda metade do século 19 e comparam-na à conhecida fotografia americana The Scourged Back.

Paul Alexis lê um manuscrito a Zola (1869 - 1870), de Paul CézanneMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A banhista e o cão griffon - Lise à beira do Sena (1870), de Pierre-Auguste RenoirMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Pierre-Auguste Renoir
Renoir conheceu Claude Monet (1840-1926) ainda na juventude, quando frequentava ateliês e estudava na École des Beaux-Arts de Paris. Com Camille Pissarro (1830-1903) e Alfred Sisley (1839-1899), eles formaram o primeiro núcleo dos impressionistas, que renovaram a técnica e os temas da pintura da época. No grupo, Renoir ficou conhecido por suas cenas dos cafés e bares da capital, e por nus femininos. Interessava-se pela representação da figura humana, diferentemente dos outros, mais preocupados em captar a sensação visual produzida pelo motivo ao ar livre. As doze pinturas de Renoir na coleção do MASP cobrem quase toda a carreira do artista, da juventude à velhice. Entre as obras do começo da carreira de Renoir na coleção está "A banhista e o cão griffon — Lise à beira do Sena" (1870).

Anterior à primeira exposição impressionista (1874), a pintura antecipa recursos como o uso de cores puras para criar luz e sombra ou as pinceladas soltas da grama e das árvores.

Percebe-se a inspiração nos nus femininos de Courbet (1819-1877) bem como na pintura de temas modernos de Manet (1832-1883). A modelo é Lise, primeira namorada do pintor, que posou para várias de suas obras.

A amazona - Retrato de Marie Lefébure (1870 - 1875), de Edouard ManetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Édouard Manet
Nascido em uma família abastada da burguesia, Manet iniciou os estudos literários e a carreira de oficial da Marinha. Depois de uma viagem ao Rio de Janeiro embarcado num navio mercantil, persuadiu a família de sua vocação artística. Convencido de que a renovação da pintura deveria basear-se no estudo da tradição, copiou as grandes obras do Louvre e viajou pela Espanha, Itália, Holanda e Áustria. Precursor do impressionismo, Manet foi uma figura essencial na passagem entre a arte acadêmica e a arte moderna. Foi um grande mobilizador da cena artística na segunda metade do século 19 em Paris, interlocutor de escritores e poetas como Émile Zola (1840-1902) e Charles Baudelaire (1821-1867).

Suas personagens encaram duramente o espectador e parecem desafiar a tradição e a crítica. Em "A amazona — Retrato de Marie Lefébure" (1870-75), há um forte contraste entre os verdes diluídos, esmaecidos, do fundo e a roupa da mulher, e o volume compacto da roupa, com seu preto. O cavalo se volta para o fundo da tela, como se fosse penetrá-la.

A amazona olha para fora, enquanto cavalga e balança uma varinha. O objeto em sua mão parece ter sido pintado duas vezes — um pentimento (“arrependimento” em italiano). Em geral, tais correções são escondidas, mas Manet tentou agregar uma sensação de movimento à composição.

Cigana com bandolim (1874), de Jean-Baptiste-Camille CorotMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Jean-Baptiste-Camille Corot
A vida de Corot foi marcada por uma intensa produção e por viagens que alimentaram sua pintura, em constante transformação e sem adesão rígida a qualquer estilo específico. O MASP possui cinco obras do artista: três retratos, uma paisagem e uma natureza-morta.

Em "Cigana com bandolim" (1874), retrato da soprano sueca Kristina Nilsson (1843-1921), os ocres e vermelhos revelam uma sobriedade calculada.

O artista - Retrato de Marcellin Desboutin (1875), de Edouard ManetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Bailarina de catorze anos (1880), de Edgar DegasMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Rosa e azul - As meninas Cahen d´Anvers (1881), de Pierre-Auguste RenoirMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Pierre-Auguste Renoir
Renoir conheceu Claude Monet (1840-1926) ainda na juventude, quando frequentava ateliês e estudava na École des Beaux-Arts de Paris. Com Camille Pissarro (1830-1903) e Alfred Sisley (1839-1899), eles formaram o primeiro núcleo dos impressionistas que renovaram a técnica e os temas da pintura da época. No grupo, Renoir ficou conhecido por suas cenas dos cafés e bares da capital, e por nus femininos. Interessava-se pela representação da figura humana, diferentemente dos outros, mais preocupados em captar a sensação visual produzida pelo motivo ao ar livre. As doze pinturas de Renoir na coleção do MASP cobrem quase toda a carreira do artista, da juventude à velhice. "Rosa e azul — As meninas Cahen d’Anvers" (1881) retrata as meninas da família Cahen d’Anvers.

Durante a exposição da obra na Fondation Pierre Gianadda, na Suíça, em 1987, revelou-se o destino cruel de Elisabeth, a garota de azul. Enquanto visitava a mostra, um sobrinho seu a reconheceu e escreveu ao MASP contando que, em 1944, ela havia morrido em um trem a caminho do campo de concentração de Auschwitz, aos 69 anos.

A pintura destaca-se, no conjunto, pelo detalhamento excepcional dos vestidos, pelos relevos em branco que formam os babados e pelo cetim reluzente.

O senhor Eugène Pertuiset, caçador de leões (1881), de Edouard ManetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Édouard Manet
Nascido em uma família abastada da burguesia, Manet iniciou os estudos literários e a carreira de oficial da Marinha. Depois de uma viagem ao Rio de Janeiro embarcado num navio mercantil, persuadiu a família de sua vocação artística. Convencido de que a renovação da pintura deveria basear-se no estudo da tradição, copiou as grandes obras do Louvre e viajou pela Espanha, Itália, Holanda e Áustria. Precursor do impressionismo, Manet foi uma figura essencial na passagem entre a arte acadêmica e a arte moderna. Foi um grande mobilizador da cena artística na segunda metade do século 19 em Paris, interlocutor de escritores e poetas como Émile Zola (1840-1902) e Charles Baudelaire (1821-1867). Suas personagens encaram duramente o espectador e parecem desafiar a tradição e a crítica.

"O senhor Eugène Pertuiset, caçador de leões" (1881), uma das telas de maior formato pintadas por Manet, foi restaurada recentemente. O homem ajoelhado com a arma na mão era um amigo pessoal do artista, colecionador e comerciante de arte e de armas, amante da noite e da caça. A obra é uma paródia dos heróis românticos, antítese das lutas ferozes entre homens e animais pintadas por Eugène Delacroix (1798-1863). Há também uma sátira aos gestos decorosos e artificiais da pintura dos salões.

Rochedos em L´Estaque (1882 - 1885), de Paul CézanneMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Quatro bailarinas em cena (1885 - 1890), de Edgar DegasMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Edgar Degas
As primeiras referências de Degas foram Ingres (1780-1867) e Edouard Manet (1832-1883), que orientou sua pintura em direção à representação de temas modernos. Depois da derrota da França na guerra contra a Prússia (1870-71) e dos eventos da Comuna de Paris (1871), viajou a Nova Orleans, cidade natal de sua mãe. Voltou a Paris em 1873 e, decepcionado com os Salões oficiais, juntou‑se ao grupo de jovens artistas que passaram a ser conhecidos como impressionistas. Degas teve um papel importante na organização das oito exposições do grupo, realizadas entre 1874 e 1886. Ele não prezava pela pintura ao ar livre, preferia estudar o movimento da figura humana e dos animais, utilizando também, de forma pioneira, os recursos ópticos da fotografia.

Esse é o caso de "Quatro bailarinas em cena" (1885-90): no braço da bailarina central, a sombra é feita com marcas azuis;

as manchas roxas do tutu permitem que o rosa se destaque e adquira, por contraste, mais luz;

parte do rosto é verde, o que desfoca a expressão da face e destaca o gesto.

Uma salva em dia de grande gala na baía do Rio de Janeiro (1887), de João Batista CastagnetoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

João Batista Castagneto
Castagneto seguiu a profissão de marinheiro do pai, com quem foi viver no Rio de Janeiro, em 1874. Estudou com Victor Meirelles (1832-1903) e Georg Grimm (1846-1887) na Academia Imperial de Belas Artes, onde ingressou em 1876, burlando a regra da idade máxima para inscrição na escola. Referia‑se a si mesmo como um mero “pintor de botes”, pintando paisagens marinhas, muitas vezes a partir de um ateliê improvisado em um barco.

Suas pinturas eram feitas pelo empastamento da tinta óleo espalhada de forma ágil em largas pinceladas, em telas ou suportes rígidos, frequentemente tampas de caixas de charuto. Essa produção representou uma atitude renovadora na pintura brasileira, introduzindo uma paisagem mais sensível, intuitiva e moderna. A obra "Uma salva em dia de grande gala na baía do Rio de Janeiro" (1887) foi centro de uma das polêmicas que marcaram sua relação conturbada com a Academia.

Trata-se de um dos projetos mais ambiciosos do artista, o que não o livrou, porém, de ter seu ingresso recusado na coleção da Escola Nacional de Belas Artes, por desrespeitar os valores difundidos pelos acadêmicos.

Menina com as espigas (1888), de Pierre-Auguste RenoirMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Moça com livro (Sem data/Undated), de José Ferraz de Almeida JuniorMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

José Ferraz de Almeida Júnior
Almeida Júnior foi autodidata até os 19 anos. Posteriormente estudou na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde foi aluno de Victor Meirelles (1832-1903) e Jules Le Chevreul (1810-1872). Suas pinturas chamaram a atenção do imperador dom Pedro II (1825-1891), que custeou seus estudos em Paris. Destacou-se na Academia de Belas Artes parisiense, onde teve aulas com Alexandre Cabanel (1823-1889). Almeida Júnior produziu retratos, paisagens e marinhas. Suas obras mais conhecidas são as que registraram o cotidiano e a vida no campo. As influências de Gustave Courbet (1819-1877) e de Millet (1814‑1875) contribuíram para a valorização do realismo na representação da natureza e dos homens.

A obra de Almeida Júnior destaca-se no panorama da cultura brasileira do século 19 pela representação de cenas rurais que descrevem tipos humanos especificamente brasileiros. A obra do MASP destaca-se no conjunto de sua produção junto com "Caipira picando fumo" (1893) e "Amolação interrompida" (1894), ambas da Pinacoteca do Estado de São Paulo. O título da obra, "Moça com livro" (sem data), é provavelmente equivocado. O corte de cabelo e a camisa aberta no peito sugerem tratar-se de adolescente do sexo masculino imerso em fantasia durante a leitura.

O escolar (O filho do carteiro – Gamin au Képi) (1888), de Vincent van GoghMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Vincent van Gogh
Van Gogh adquiriu interesse pela pintura trabalhando para o marchand Goupi, na Holanda e em Londres. Posteriormente, dedicou-se à carreira religiosa entre os mineiros pobres da Bélgica, até ser demitido por apoiar as lutas dos trabalhadores. Lá, começou a pintar e fez sua primeira obra notável, "Os comedores de batatas" (1885). No ano seguinte, em Paris, iniciou estudos da técnica impressionista e das estampas japonesas. Em seguida, mudou-se para Arles, no sul da França, onde iniciou uma série de trabalhos de luminosidade esplêndida e cores vibrantes. Nessa época, sofreu transtornos psíquicos e internações compulsórias, que culminaram em seu suicídio em 1890. Suas cartas são documentos fundamentais para a compreensão da obra, especialmente aquelas endereçadas ao irmão Theo van Gogh (1857-1891).

O modelo de "O escolar" (O filho do carteiro — Gamin au Képi) (1888) é, como comprova o estudo das cartas do artista, Camille, o filho do carteiro Joseph Roulin. Vários membros da família Roulin posaram para Van Gogh em Arles.

O mesmo fundo amarelo e vermelho foi utilizado em outras obras dessa fase, incluindo seus autorretratos. As cores vibrantes e saturadas deixam as marcas das pinceladas mais evidentes.

Banco de pedra no asilo de Saint-Remy (1890), de Vincent van GoghMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Passeio ao crepúsculo (1889 - 1890), de Vincent van GoghMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Monsieur Fourcade (1889), de Henri de Toulouse-LautrecMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Henri de Toulouse-Lautrec
Nascido de uma família da nobreza, dois graves acidentes e uma doença durante a adolescência prejudicaram o seu desenvolvimento físico e sua vida social. Resolveu então dedicar-se à pintura, estudando as obras de Edgar Degas (1834-1917) e o uso da cor nos impressionistas. O estudo das estampas japonesas foi muito importante para o artista, que admirava a construção do espaço por meio de linhas curvas e de campos de cor compactos. Assim como os membros do grupo dos nabis e de La Revue Blanche, participou do clima do modernismo. Escolheu, porém, representar os tipos sociais da boemia nos cabarés, nos teatros, nos bordéis do bairro de Montmartre, os quais frequentava e figurava com simpatia, ironia e, às vezes, desencanto.

A figura em primeiro plano na obra "Monsieur Fourcade" (1889), nomeada no canto superior direito da obra, era um banqueiro de Paris. O elegante personagem foi retratada em um momento de descontração em uma festa ou um bar, como sugerem os trajes das mulheres no canto esquerdo. Os volumes do rosto de Fourcade e as roupas pretas se destacam na cena, enquanto o entorno é feito por pinceladas rápidas, longas, que acentuam a profundidade do espaço. As manchas paralelas do teto divergem da textura do piso, no qual a própria cor e marcas do cartão prevalecem. Esta obra foi apresentada por Toulouse‑Lautrec no Salon des Indépendants no ano em que foi pintada.

A canoa sobre o Epte (circa 1890), de Claude MonetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Claude Monet
Monet foi direcionado para a pintura de paisagens marinhas ao ar livre por Eugène Boudin (1824-1898). Nos anos seguintes, aproximou-se de um grupo de jovens artistas, entusiasmados com a pintura da Escola de Barbizon, de Manet (1832-1883) e de Courbet (1819-1877). Nas paisagens pintadas na década de 1860, Monet iniciou suas experimentações sobre a representação dos reflexos da luz na água, que levaram à formulação de uma nova relação entre pintura e natureza, da qual derivou o impressionismo.

Foi justamente um quadro de Monet, "Impressão, sol nascente", exposto na primeira mostra do grupo, em 1874, que deu origem ao nome do movimento. As duas obras do MASP foram pintadas em Giverny, para onde Monet se mudou em 1883.

Madame Cézanne em vermelho (1890 - 1894), de Paul CézanneMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A arlesiana (1890), de Vincent van GoghMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

O vestido estampado (1891), de Edouard VuillardMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Edouard Vuillard
Desde os 18 anos, Vuillard frequentava ateliês de artistas. Foi amigo de Pierre Bonnard (1867-1947), com quem participou, em 1891, da primeira mostra dos nabis, grupo que refutava tanto a tradição acadêmica quanto as experiências impressionistas. Os nabis eram influenciados pelo grafismo das gravuras japonesas, de cores fortes. Vuillard preferia cenas intimistas, e suas pinturas adotam soluções decorativas e cromáticas que antecipariam o expressionismo dos fauves.

"O vestido estampado" (1891) mostra um tema recorrente em suas primeiras obras: o ateliê de costura de sua mãe. Há três delimitações espaciais na sala: o fundo com a lareira, as paredes em linhas verticais e o espelho que reflete a mulher em primeiro plano.

A cena é envolta pelos tons de verde, ocre e lilás acinzentado, mas o destaque está na estampa do vestido. Com isso, Vuillard criou uma atmosfera da qual não emergem identidades (os rostos estão todos apagados), mas aparências criadas pelas manchas e pelos motivos das roupas e do local.

A roda (1893), de Henri de Toulouse-LautrecMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

O grande pinheiro (1890 - 1896), de Paul CézanneMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Pobre pescador (1896), de Paul GauguinMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Paul Gauguin
Viveu seus primeiros anos em Lima, no Peru. Depois de voltar à França, integrou a Marinha entre 1865 e 1871. Foi agente de câmbio e, ao mesmo tempo, começou a pintar como amador. Entre 1880 e 1886, participou de mostras do grupo impressionista, decidido a se dedicar exclusivamente à pintura. Iniciou, assim, um período de dificuldades materiais e familiares que o levaram a buscar uma alternativa à dura realidade da metrópole moderna. Primeiro, foi estudar nos campos da Bretanha. Depois, passou uma temporada com Van Gogh na Provença, onde ocorreu a dramática ruptura entre os dois artistas. De 1895 até sua morte, morou no Taiti e nas Ilhas Marquesas, de onde absorveu as referências estéticas que reorientaram seu estilo. Essa mudança estilística não deve ser lida como uma fuga em direção ao exótico, mas sim como uma busca consciente de valores formais alternativos à arte ocidental, procurados em inúmeras fontes e reelaborados com grande habilidade compositiva.

É o caso de "Pobre pescador" (1896), em que um sujeito nu e reclinado sobre uma canoa bebe em uma cuia e observa o mar e as nuvens turvas. A pose pode derivar de um relevo egípcio do Templo de Abidos, cuja fotografia pertencia à coleção de Gauguin.

Autorretrato (perto do Gólgota) (1896), de Paul GauguinMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A eterna primavera (circa 1897), de Auguste RodinMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Auguste Rodin
Rodin foi o primeiro escultor a testar as novidades que marcam a passagem entre escultura acadêmica e moderna, como: a abolição dos pedestais; a preferência por formas sugestivas, sem exata definição dos detalhes; a mescla entre áreas acabadas e brutas, visando obter nas superfícies efeitos de luz próximos aos da pintura impressionista. Após sua primeira viagem de estudos à Itália, em 1876, expôs a escultura "L’Âge d’airain [A idade do bronze]", que gerou um intenso debate nos jornais: pelo inédito e impressionante realismo da obra, o artista foi acusado de ter usado moldes retirados diretamente do corpo de um modelo-vivo. Em 1880, Rodin idealizou o conjunto de esculturas da Porta do inferno, inspirado pela Divina comédia de Dante Alighieri (1265-1321). "A meditação" (após 1897) deriva de uma figura criada para integrar o acabamento superior de tal obra. Foi sucessivamente reutilizada para o sepulcro do poeta Victor Hugo (1802-1885) e reelaborada em formato maior com o título de A voz interior.

A peça do MASP é parte de uma série de doze réplicas em bronze realizada pela Fundição Alexis Rudier. A outra escultura, "A eterna primavera" (após 1897), já foi chamada de Zéfiro (deus do vento oeste na mitologia grega) e de Cupido e Psiquê. Em razão do grande sucesso, a obra foi replicada em mármore e em bronze. Em 1898, Rodin vendeu as maquetes e os direitos de reprodução desta escultura à Fundição Ferdinand Barbedienne.

A meditação (após 1897 - após 1897), de Auguste RodinMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Retrato de Suzanne Bloch (1904), de Pablo PicassoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Pablo Picasso
A obra de Picasso é considerada crucial para a arte do século 20. Formou-se na Academia de Belas Artes de Barcelona em 1895. Participou do movimento modernista catalão. Em 1904 mudou‑se definitivamente para Paris. Seu ateliê na rua Ravignan tornou-se ponto de encontro de artistas e intelectuais da época. Nas obras do primeiro período parisiense, dividido entre fase azul e fase rosa, o artista tratou principalmente a vida dos pobres e dos marginalizados com formas simplificadas e construções espaciais ousadas e inspiradas em Cézanne (1839-1906), Gauguin (1848-1903) e Toulouse‑Lautrec (1864-1901). Por meio desses exemplos e da referência à escultura dos povos da África e da Oceania, Picasso desenvolveu uma original síntese formal entre objeto e ambiente, que culminaria na criação do cubismo, com a obra "Les Demoiselles d’Avignon" (1907).

"O Retrato de Suzanne Bloch" (1904) faz parte da chamada fase azul, dos primeiros anos de Picasso em Paris. Com grande sobriedade no uso dos tons, ele procurava fundir figura e fundo. Essa unidade se tornou um dos motivos dominantes no cubismo. A modelo era uma cantora lírica nascida em uma família de grandes músicos. Frequentava os círculos artísticos de Paris e o ateliê de Picasso. Entre as últimas pinturas da fase azul, o retrato foi antecipado por um desenho a bico de pena e guache, conservado na Coleção Neubury Coray, em Ascona, Suíça.

Iracema (1909), de Antonio ParreirasMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Antonio Parreiras
Ainda menino, Antonio Parreiras foi matriculado como interno no Liceu Popular de (1829-1877). Iracema, a heroína indígena, aparece sofrendo ao ser abandonada por seu amante europeu. A figura deriva das imagens da Madalena penitente no deserto Niterói por sua família, que não via com bons olhos sua vocação artística. Em 1882, após a morte do pai, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Dois anos mais tarde, largou a Academia para ser aluno do curso livre de pintura de Georg Grimm (1846-1887), em Niterói. Realizou sua primeira exposição em 1886. Frequentou a Accademia di Belle Arti em Veneza, retornando ao Brasil como professor de paisagem da Escola Nacional de Belas Artes, cargo do qual se afastou posteriormente para fundar a Escola do Ar Livre. Conhecido como pintor de paisagens, tendo como principais temas o campo, as florestas tropicais e marinhas, Parreiras também desenvolveu um repertório de retratos, nus e cenas históricas, como é o caso de "Iracema" (1909), que pertence ao MASP.

Nessa pintura, o artista retratou o desfecho da obra literária de mesmo nome, escrita em 1865 por José de Alencar e não apresenta feições indígenas. A escolha desses modelos indica o caráter trágico e violento do choque entre o colonizador e o colonizado na formação do Brasil.

Busto de homem (O atleta) (1909), de Pablo PicassoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A estudante (1915 - 1916), de Anita MalfattiMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Anita Malfatti
Anita Malfatti foi uma entre as poucas artistas mulheres a ocupar papel central no modernismo brasileiro. Estudou pintura em Berlim (1910-14) com Lovis Corinth (1858-1925) e em Nova York (1915-16) com Homer Boss (1882-1956). A matriz alemã de sua formação e o contato com a radical figuração expressionista permitiram que a artista usasse as cores de um modo mais intuitivo e ousado, destacando-se entre tantos artistas brasileiros que se formaram no modelo do cubismo parisiense. Ao regressar a São Paulo, fez duas das primeiras exposições de pintura moderna, despertando tanto o entusiasmo de alguns como duras críticas contidas especialmente no artigo Paranoia ou mistificação, de Monteiro Lobato (1882-1948). Apesar do impacto que o texto teve em sua produção, Malfatti foi uma das criadoras e mais destacadas participantes da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, marco inaugural do modernismo no Brasil.

Em "A estudante" (1915-16), obra do MASP, as pinceladas são largas e marcadas. Os tons de verde e roxo, mais frios, contrastam com o vermelho e amarelo da pele e da camisa. O caimento e as dobras do tecido parecem intensificar a curvatura do corpo, o que reforça a expressão de relaxamento e distração da personagem.

A técnica da artista com pinceladas rápidas e tintas diluídas e dissonantes tanto na figura como no fundo faz da obra uma das mais significativas e inovadoras no panorama da arte brasileira da época.

Retrato de Leopold Zborowski (1916 - 1919), de Amedeo ModiglianiMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Amedeo Modigliani
Antes de se mudar para Paris em 1906, Modigliani estudou nas academias de Florença e Veneza. Na capital francesa, morou em Montmartre, bairro onde se reuniam artistas como Pablo Picasso (1881-1973), de quem Modigliani se tornou amigo. Em 1909, conheceu o escultor romeno Constantin Brancusi (1876-1957), influência que o levou a dedicar-se exclusivamente à escultura até 1914, quando voltou a pintar. Modigliani era alcoólatra e vivia na penúria; morreu aos 36 anos de meningite tuberculosa. No contexto da Escola de Paris, desenvolveu um estilo que remete ao cubismo, com figuras que tendem à estilização geométrica, como nas faces das máscaras africanas. Suas personagens carregam também uma melancolia que lembra a das madonas italianas do renascimento.

Seus retratos e nus são pintados sobre fundos quase monocromáticos, neutros, embora marcados pela pincelada. Os pescoços são alongados; as faces, elípticas e de traços delicados.

Lunia Czechowska (circa 1918), de Amedeo ModiglianiMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

As seis pinturas do MASP, todas realizadas entre 1915 e 1919, entraram para a coleção do museu de 1950 a 1952. Entre as obras está o "Retrato de Leopold Zborowski" (1916-19), poeta polonês que se mudou para Paris e que, mais tarde, tornou-se amigo e marchand de Modigliani.

O torso de gesso (1919), de Henri MatisseMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Henri Matisse
Matisse passou por várias academias de arte em Paris, mas encontrou seu estilo a partir de 1895, com o grupo de pintores que ficou conhecido como fauves (feras em francês) — a denominação foi dada graças a uma crítica negativa ao trabalho do artista no Salon d’Automne de 1905. A pintura fauvista é caracterizada pela utilização de temas do cotidiano, a estilização e simplificação das formas, a ruptura com a perspectiva clássica, a ausência de gradação entre matizes e o uso de cores vibrantes.

Em "O torso de gesso" (1919), há um diálogo entre os objetos em primeiro plano e os que estão ao fundo: o torso sobre a mesa tem a mesma posição da mulher no quadro da parede; a cortina em azul e branco dá continuidade ao motivo do arranjo de flores; a mesa, que confere um senso de profundidade ao ambiente, opõe-se à cadeira à esquerda.

Assim, todos os elementos em cena parecem se fundir num movimento sinuoso em busca de um equilíbrio compositivo e cromático.

Nus (1919), de Suzane ValadonMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Suzanne Valadon
Aos 15 anos, além de garçonete nos bares de Montmartre, Suzanne Valadon tornou-se modelo para artistas como Toulouse-Lautrec (1864-1901) e Pierre-Auguste Renoir (1841-1919). Este último a introduziu na cena artística, depois de conhecer seus desenhos. Começou a desenhar aos 17 anos, quando teve seu filho, o pintor Maurice Utrillo (1883-1955), de paternidade desconhecida. Foi a primeira mulher a exibir seus trabalhos no Salon des Beaux-Arts de Paris, em 1894. Na ocasião, o pintor Edgar Degas (1834-1917) comprou alguns de seus trabalhos e a incentivou a investir na gravura, abrindo-lhe as portas de seu próprio ateliê. Após quinze anos improdutivos em sua carreira, que coincidem com seu primeiro casamento, Valadon voltou à ativa em 1909. Manteve as cores saturadas de seus desenhos em pastel, tomando emprestado de Degas temas como banhistas e nus reclinados. Em 1924, participou de exposições que reuniram mulheres artistas em Paris, recolocando seu trabalho em evidência.

Na obra do MASP, "Nus" (1919), uma mulher lê, deitada de bruços sobre a grama, enquanto a outra, sentada, arruma os cabelos e insinua o tamanco amarelo entre as pernas da primeira.

Os tons rosados e alaranjados de seus corpos, bem como as linhas que os contornam, projetam-nas para o primeiro plano, sobre as massas de verde da grama, da vegetação e dos tijolos da mureta.

Interior de indigentes (1920), de Lasar SegallMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Lasar Segall
Segall foi muito influenciado pelo expressionismo alemão. Em 1913, teve uma rápida passagem pelo Brasil, realizando a primeira exposição de pintura de vanguarda em São Paulo, recebida de maneira positiva pela crítica. Em 1923, mudou-se definitivamente para essa cidade. A casa onde morou com sua esposa, Jenny Klabin (1899-1967), hoje abriga o Museu Lasar Segall, na Vila Mariana. Nascidas num período atormentado por guerras e perseguições religiosas e raciais, suas obras representam o sofrimento das pessoas humildes, vítimas dos conflitos históricos.

A pintura "Interior de indigentes" (1921) retrata com tons sombrios as condições miseráveis de uma das tantas famílias de camponeses e operários, logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-18). No primeiro plano, uma mulher carrega um bebê; ao fundo, um homem está sentado a uma mesa.

A luz é azulada, noturna. Como na pintura de Marc Chagall (1887‑1985), outro artista de cultura judaica, a decomposição geometrizada da forma é utilizada para descrever a condição humana. As faces são grandes, como para enfatizar a expressão da agonia presente em toda a cena. Um dos lados da mãe lembra uma velha: as rugas caem sobre o olho e os cabelos são brancos.

A ponte japonesa sobre a lagoa das ninfeias em Giverny (1920 - 1924), de Claude MonetMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Menino nu e tartaruga (1923), de Vicente do Rego MonteiroMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Vicente do Rego Monteiro
Vicente do Rego Monteiro iniciou sua formação na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Depois de morar em Paris entre 1911 e 1914, retornou ao Rio, fugindo da Primeira Guerra Mundial (1914‑18). Da Europa, trouxe a referência da arte cubista, com o interesse em sintetizar as formas e articular figuração e geometria. Monteiro encontrou a correspondência a esse interesse na arte marajoara, dos indígenas que habitaram a Ilha de Marajó, na foz do Amazonas, no período pré-colonial brasileiro. Para tanto, pesquisou a fundo as coleções do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Esses estudos foram fundamentais no seu trabalho mais além das artes plásticas: o artista escreveu "Lendas, crenças e talismãs dos índios do Amazonas" (1921) e fez as máscaras e os figurinos do balé "Legendes indiennes de l’Amazonie" [Lendas indígenas da Amazônia] (1923).

Na pintura "Menino nu e tartaruga" (1923), o desenho estilizado da face das duas personagens faz lembrar uma cerâmica em alto-relevo. Da mesma maneira, os tons de marrom correspondem aos vários tons da argila.

Em algumas partes da pintura, Monteiro transformou o que seria sombra em luz, para manter as linhas marcadas pelo contraste entre claro e escuro. A mescla entre a herança das vanguardas e a matriz indígena brasileira faz do trabalho de Monteiro um prelúdio do movimento antropofágico no Brasil, além de inscrever na história do modernismo uma poética inspirada na cultura da Amazônia.

A compoteira de peras (1923), de Fernand LégerMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Fernand Léger
De origem humilde, Léger foi aprendiz em um escritório de arquitetura antes de estudar na École des Arts Décoratifs e na Académie Julian, em Paris. Participou do período de maior efervescência cultural de Montparnasse, onde se beneficiou da proximidade de artistas como Robert Delaunay (1885-1941) e Marc Chagall (1887-1985), além do poeta Blaise Cendrars (1887-1961) que, em 1919, lhe dedicou o poema Construction. O cubismo de Léger foi marcado por linhas fortes que delineiam os objetos, preenchidos por áreas monocromáticas e pelo sombreamento que lhes confere volume. Esses fundamentos foram difundidos pelos seus textos, entre eles, L’esthétique de la machine [A estética da máquina] (1923). Além de suas incursões no teatro, Léger produziu, em 1924, o Ballet mécanique [Balé mecânico], primeiro filme abstrato da história do cinema, dirigido em parceria com Dudley Murphy (1897-1968), com a colaboração de Man Ray (1890‑1976).

"A compoteira de peras" (1923), obra do MASP, dialoga com suas experiências nessas várias linguagens, ao referir-se a temas do cotidiano com um tratamento geométrico, dinâmico, que dilui, na vida comum, a estética e as cores da indústria.

Os contornos grossos e as áreas de cor uniformes e sombreadas são influências reconhecíveis na obra da brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973), sua aluna em Paris nos anos 1920.

Cinco moças de Guaratinguetá (1930), de Emiliano Di CavalcantiMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Emiliano Di Cavalcanti
Na juventude, Di Cavalcanti frequentou ateliês e tornou-se ilustrador e editor de arte em periódicos como a revista Panoplia (1917). Seus desenhos revelam o conhecimento das ilustrações satíricas dos expressionistas alemães. Foi um dos principais idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, marco inaugural do modernismo no Brasil. No ano seguinte, mudou-se para Paris como correspondente do Correio da Manhã (1901-74) e lá conheceu os cubistas Fernand Léger (1881-1955) e Georges Braque (1882-1963), deixando-se influenciar pelo desenho estilizado e a construção geométrica das cenas. De volta ao Brasil e filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB), Di foi um dos principais agitadores do debate artístico e intelectual de São Paulo, em especial por sua atuação no Clube dos Artistas Modernos (CAM), que ajudou a fundar em 1932. Ele defendia o sentido político e histórico da figuração, que via como ferramenta para representar temas e personagens brasileiros.

"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930), da coleção do MASP, é uma de suas obras mais importantes. As cinco figuras aprumadas, com tons de pele e vestidos de diferentes cores, ocupam todos os planos da pintura, cada qual com seu caráter.

As áreas de cor em cada corpo e no cenário são bastante marcadas, com gradações que dão volume e profundidade. Anônimas, as moças interioranas demonstram como o imaginário popular ocupava um lugar central na arte brasileira durante o modernismo.

Nu feminino deitado (1932), de Flávio de CarvalhoMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Flávio de Carvalho
Flávio de Carvalho estudou na França e na Inglaterra, onde se diplomou em engenharia e em belas artes em Newcastle. Sua poética aparta-se da busca de uma identidade nacional que guiava então muitos artistas, para inspirar-se nos escritos de Sigmund Freud (1856‑1939) e do antropólogo James Frazer (1854-1941). Carvalho foi desenhista, pintor, escultor, cenógrafo, escritor, agitador cultural, engenheiro e arquiteto. Foi também um dos fundadores do Clube de Artistas Modernos (CAM), um importante espaço de discussão e difusão da arte moderna no início dos anos 1930 em São Paulo, organizando também exposições de obras produzidas por crianças e pacientes psiquiátricos. Nas ações nomeadas como Experiências, antecipou em muitos aspectos a performance das décadas de 1960 e 1970: em uma delas, desfilou publicamente com um conjunto de saia, mangas curtas e chapéu de abas largas, que seria uma roupa de trabalho masculina adaptada ao clima tropical; em outra, atravessou uma procissão religiosa na contramão e com um chapéu, desafiando os tradicionais hábitos católicos.

"Em Nu feminino deitado" (1932), a construção da forma é realizada com manchas de cores puras, algumas bem diluídas, quase transparentes, organizando o quadro em planos geométricos, cada um com uma textura própria. Somente o corpo tem linhas curvas, no quadril, na barriga avermelhada, nas bochechas.

Guitarrista e duas figuras femininas (1934), de Marie LaurencinMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Marie Laurencin
Marie Laurencin ingressou na Académie Humbert, em Paris, em 1905, interessada na pintura de porcelanas. Lá, estudou com Georges Braque (1882‑1963), que a levou ao ateliê de Pablo Picasso (1881‑1973), na rua Ravignan, com o intuito de incentivá-la a ampliar as possibilidades de sua pintura. Frequentou o espaço durante alguns anos, onde teve contato com discussões sobre temas como a superação do fauvismo pelo cubismo, em especial depois de o poeta Guillaume Apollinaire (1880-1918) apresentar‑lhe o livro "Les Peintres cubistes: méditations esthétiques" [Pintores cubistas: meditações estéticas], de 1913. No entanto, Laurencin jamais assimilou o espírito cubista; ao contrário, sua pintura é leve e fluida. Obteve reconhecimento como ilustradora: são dela as litogravuras da versão de "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll, publicada em 1930 na França.

"Guitarrista e duas figuras femininas" (1934) é um exemplo fiel de sua paleta de cores suaves, marcada por tons de rosa e azul, com linhas tênues entre cada campo de cor.

A cena do encontro musical ao ar livre remete a pinturas já consagradas, de Giorgione (circa 1477-1510) a Edouard Manet (1832-1883), o que revela a presença de temas acadêmicos no vocabulário de Laurencin.

Composição - Interior com figuras femininas (1936), de André LhoteMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

André Lhote
Depois de frequentar o curso de escultura decorativa em Bordéus, Lhote dedicou-se à pintura e mudou-se para Paris. Expôs no Salon des Indépendants em 1906 e no Salon d’Automne de 1907, aproximando‑se da poética de Cézanne (1839-1906). Em 1912 participou do grupo La Section d’Or [A Secção Áurea], assimilando, sobretudo, o rigor construtivo e geométrico do cubismo. Publicou numerosos escritos históricos e teóricos: "Tratado sobre a paisagem" (1938), "Antes a pintura" (1942), "Tratado sobre a figura" (1950). Reuniu escritos de artistas em Da paleta ao escritório (1946). Abriu sua própria escola, na rua d’Odessa, em Paris, onde se formaram os brasileiros Tarsila do Amaral (1886-1973), Francisco Brennand e Antonio Gomide (1895-1967). Sua influência no Brasil é perceptível também nas obras públicas de Di Cavalcanti (1897-1976) e Candido Portinari (1903-1962).

"Composição — Interior com figuras femininas" (1936) evoca a temática das cenas de interior de harém tratada pelo orientalismo do século 19, nomeadamente por Delacroix (1798-1863) nas "Mulheres de Argel" (1834), à luz das banhistas de Cézanne e das experiências cubistas.

O brasileiro O brasileiro (1938), de Ernesto de FioriMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Ernesto De Fiori
Ernesto De Fiori iniciou sua formação artística em Roma e em Munique, onde estudou desenho na Königliche Akademie der Bildenden Künste a partir de 1903. Entre 1911 e 1914 morou em Paris, onde fez suas primeiras obras. Alistou-se no Exército alemão em 1916 e, após lutar como soldado na Primeira Guerra Mundial (1914-18) e atuar como correspondente de um jornal italiano na Alemanha, mudou-se para Zurique em 1918. Em 1936, De Fiori emigrou para o Brasil, fugindo da ascensão do nazifascismo. Retomou as colaborações com jornais daqui e do exterior. Suas primeiras pinturas realizadas no país representavam as paisagens locais, cenas das matas, fazendas, rios e queimadas. A partir de 1940, interessou-se pelas vistas urbanas. Já nas esculturas, privilegiou figuras humanas numa modelagem áspera.

O brasileiroMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Exu ExuMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Produzida provavelmente no século 20, a escultura de Exu, da Nigéria, região de Oyo, faz parte da coleção de 55 obras doadas ao MASP pelos professores Cecil e Manoel Robilotta em 2012. Destas, 49 foram exibidas pela primeira vez na exposição Do coração da África, no museu, em 2014. As peças foram esculpidas em países de cultura Iorubá. Atualmente a Nigéria e parte do Benin, Gana e Togo conservam essa mesma matriz, que sobreviveu aos recortes geográficos feitos pela colonização europeia no século 19. Quando os africanos escravizados chegavam ao Brasil nos navios negreiros, eram separados e misturados entre grupos de origens diferentes, para desmobilizá-los. Apesar disso, a cultura Iorubá foi mantida e se enraizou em diversas expressões culturais brasileiras, como a culinária, o vocabulário e as religiões de matriz africana, como a umbanda.

ExuMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

A escultura de Exu, feita de madeira e conchas, representa um dos arquétipos dessa divindade: um homem tocando flauta, com um penteado fálico que termina como a cabeça de uma serpente — seu axé (força vital). Na cosmogonia Iorubá, Exu é um dos caminhos entre aiê, o nosso mundo, e orun, mundo dos ancestrais e espíritos. Nos rituais, primeiro se evoca Exu, para que ele busque os outros Orixás; ele é o mensageiro, que guarda as casas e as cidades.

O lavrador de café (1934), de Candido PortinariMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Os retirantes (1944), de Candido PortinariMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Bryce Canion Translation (1946), de Max ErnstMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Colheita de algodão (1948), de José Antônio da SilvaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

José Antônio da Silva
José Antônio da Silva foi um artista autodidata. Aos 22 anos, mudou-se para São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Lá, participou, em 1946, da exposição de inauguração da Casa de Cultura da cidade, espaço que hoje leva seu nome — Museu de Arte Primitivista José Antônio da Silva. Pietro Maria Bardi (1900-1999), diretor fundador do MASP, conheceu seu trabalho em uma exposição na galeria Domus, onde adquiriu obras para a coleção do museu. As pinturas de José Antônio da Silva foram premiadas na 1a Bienal de São Paulo (1951) e estiveram na 33a Bienal de Veneza (1966). Embora também tenha pintado autorretratos e cenas religiosas, seus grandes temas são relacionados ao campo — a lavoura, os animais, os trabalhadores, as casas, frequentemente inseridos na paisagem.

Em "Colheita de algodão" (1948), da coleção do MASP, seis personagens em primeiro plano trabalham como se estivessem num palco de teatro, organizando os montes de algodão.

Ao fundo, o branco da plantação traça diagonais que chegam ao horizonte, dissipando-se no céu. A maior parte da cena é ocupada pela lavoura e árvores secas; o trabalho na roça parece oprimir os horizontes.

Presságio (Angélica Arenal de Siqueiros) (1950), de David Alfaro SiqueirosMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

David Alfaro Siqueiros
Desde o início de sua formação, Siqueiros engajou‑se ativamente na vida política, participando do movimento de Emiliano Zapata. Em 1919, enviado a Paris como adido militar, tomou conhecimento da arte de vanguarda e estreitou amizade com Diego Rivera (1886-1957), com o qual concebeu a ideia de uma nova pintura monumental e heroica, ligada às tradições pré-colombianas e folclóricas do México. Voltando ao México em 1922, com Rivera e Orozco (1883-1949), foi do movimento muralista, desenvolvendo um realismo épico de grande apelo popular. Teve interesse particular pelo uso de materiais e técnicas industriais — aerógrafo, cinema, colagem fotográfica — e pelo aspecto propagandístico da arte, em função das suas convicções stalinistas, o que marca sua oposição aos temas populares de Rivera.

"Angústia" (A mãe do artista) e "Presságio (Angélica Arenal de Siqueiros)", retrato da última esposa do pintor, de 1950, são estudos para o mural Monumento a Cuauhtémoc, pintado no Palacio de Bellas Artes da Cidade do México. As duas obras têm um corte inspirado nos primeiros planos do diretor de cinema russo Sergei Eisenstein (1898-1948), que posicionava a câmera muito perto das personagens para destacar com força as expressões dos sentimentos. O uso de uma gama limitada de cores acentua o volume escultórico das formas.

Angústia (A mãe do artista) (1950), de David Alfaro SiqueirosMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Nega Fulô (1954), de Aberlardo da HoraMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Os semeadores (1947), de Diego RiveraMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Diego Rivera
Nos anos passados em Paris (1907-1921), Rivera aproximou-se do cubismo de Pablo Picasso (1881‑1973) e de Juan Gris (1887-1927), e da pintura de Cézanne (1839-1906) e de Modigliani (1884-1920). Voltou ao México em 1921 e começou a pesquisar e colecionar objetos populares e pre‑colombianos. Nessas bases, concebeu uma pintura épica e popular, destinada a grandes superfícies e para a fruição de massa. A partir de 1922, com o apoio do Ministério da Educação, realizou pinturas murais em numerosos edifícios públicos da Cidade do México, Cuernavaca e Chapingo. Em 1932-33, trabalhou nos Estados Unidos, para o Detroit Institute of Arts e o Rockefeller Center de Nova York. O mural Trabalho industrial e trabalho agrícola, realizado nesse local, foi destruído por representar a figura de Lenin. Em 1929, Rivera casou-se com a pintora Frida Kahlo (1907-1954). Aproximou-se do movimento surrealista e das posições ideológicas de Lev Trotski, que seria assassinado quando era hóspede da casa do pintor em Coyacan (1940).

A obra "Os semeadores" (1947) faz parte de uma série de telas pequenas, todas da mesma época, em que Rivera utiliza nas figuras os mesmos tons de terra que marcam a paisagem mexicana. O movimento arqueado do corpo do camponês acompanha a curva das colinas que ele semeia, como se fossem uma coisa só.

Fachada com bandeiras (1959), de Alfredo VolpiMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Alfredo Volpi
Volpi é um artista de origem humilde, autodidata. Imigrou para o Brasil em 1897 e concluiu sua formação operária na Escola Profissional Masculina do Brás, em São Paulo. Foi pintor de paredes e decorador, antes de se dedicar à atividade artística. Em 1935, juntou-se ao Grupo Santa Helena, ao lado de Mário Zanini (1907-1971) e Aldo Bonadei (1906-1974), entre outros. Volpi pintou retratos e paisagens até meados da década de 1940, quando adotou o tema da fachada na série de pinturas de Itanhaém, inspirado pela capacidade de síntese que via nos trabalhos do pintor Emygdio de Souza (1868-1949). Em 1950, viajou para a Europa, onde se interessou pelo efeito da têmpera, tinta à base de clara de ovo, nos afrescos de Giotto (circa 1267-1337).

A partir de então, começou a pintar com essa técnica e adotou uma linguagem geométrica. Em 1954, pintou as primeiras telas com o tema das bandeirinhas, referência às festas populares que dialoga formalmente com a linguagem abstrata dos artistas concretistas brasileiros do período.

MASP (1971), de Agostinho Batista da SilvaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Agostinho Batista de Freitas
Pintor autodidata e eletricista de profissão, Agostinho Batista de Freitas trabalhou no campo até os 11 anos, quando veio para São Paulo. No começo da década de 1950, enquanto vendia seus desenhos no centro da cidade, conheceu o então diretor do MASP, Pietro Maria Bardi (1900‑1999), que mais tarde escreveu vários textos sobre o artista. Na ocasião, Bardi encomendou-lhe uma tela que retratasse a cidade a partir do alto do edifício do Banco do Estado de São Paulo (Banespa). Suas vistas paulistanas são numerosas e bastante conhecidas, como as do Museu do Ipiranga, do Theatro Municipal de São Paulo, da Catedral da Sé e do Edifício Itália.

Ao longo dos anos, fez diversas pinturas do MASP na avenida Paulista, de diferentes ângulos, e uma delas, "MASP" (1971), pertence à coleção do museu. Também pintou cenas rurais, favelas e festas populares. Fez sua primeira exposição individual no MASP, em 1952. Batista de Freitas participou da 33a Bienal de Veneza (1966), representando o Brasil ao lado de artistas já renomados na época, como Arthur Luiz Piza e Sérgio Camargo (1930-1990).

Ar - Cartilha do Superlativo (1967 - 1972), de Rubens GerchmanMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Velório da noiva (1974), de Maria Auxiliadora SilvaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Maria Auxiliadora da Silva
Maria Auxiliadora mudou-se para São Paulo ainda criança. Interrompeu os estudos para trabalhar como empregada doméstica e complementar a renda da família de dezoito irmãos. Sua mãe era artesã, e foi com ela que Maria Auxiliadora teve contato com a arte. Aos 32 anos, começou a pintar figuras que, com o tempo, ganharam volumes de tinta, feitos com uma pasta caseira ou uma mistura de cabelos em óleo. Auxiliadora retratava festas populares, cenas de rituais e festas religiosas do catolicismo ou do candomblé. Frequentemente representava mulheres com curvas acentuadas, dando relevo aos corpos. Auxiliadora aproximou-se, na década de 1970, das discussões sobre cultura afro e resistência do grupo do poeta Solano Trindade (1908-1974), em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Sua primeira exposição individual no Instituto Brasil-Estados Unidos, em 1970, foi consequência de sua participação no Salão de São Bernardo do Campo, São Paulo, no mesmo ano. A partir de 1973, passou a representar seu sofrimento com o câncer, que a levaria a uma morte precoce, aos 39 anos, inclusive numa série de autorretratos em que aparece sendo velada vestida de noiva. Mesmo com uma carreira curta, a artista expôs em países como Estados Unidos, França, Alemanha e Suíça. O MASP organizou uma exposição de Auxiliadora em 1981.

A partir de 1973, passou a representar seu sofrimento com o câncer, que a levaria a uma morte precoce, aos 39 anos, inclusive numa série de autorretratos em que aparece sendo velada vestida de noiva.

Mesmo com uma carreira curta, a artista expôs em países como Estados Unidos, França, Alemanha e Suíça. O MASP organizou uma exposição de Auxiliadora em 1981.

Vendedora de flores (1947), de Djanira da Motta e SilvaMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Tempo suspenso de um estado provisório (2011 - 2015), de Marcelo CidadeMASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Marcelo Cidade
A rua e a cidade são os temas do trabalho de Marcelo Cidade, que utiliza materiais como concreto, metal, tinta spray, vidro e tapume. Suas obras lidam com as relações frequentemente violentas entre o público e o privado, os ricos e os pobres.

Em "Tempo suspenso de um estado provisório" (2011-15), o cavalete projetado por Lina Bo Bardi (1914-92) para a sede do MASP na avenida Paulista, inaugurada em 1968, tem o cristal substituído por um vidro triplo blindado que, por sua vez, foi atingido por dois tiros de revólver. O cavalete de Lina é uma forma radical de expor obras de arte, deixando-as suspensas, retirando-as da parede, humanizando-as e aproximando-as do público. Medindo 1,82 m, o cavalete de Cidade é mais baixo que o original, porém, ganha a altura de um homem — pode representar, portanto, um sujeito atingido, talvez fatalmente, no peito e na perna. O trabalho de Cidade coloca o cavalete como objeto de reflexão institucional: exposto na pinacoteca do MASP, é uma obra que tem como tema seu contexto; trata da história do espaço onde ele se encontra; é, ao mesmo tempo, homenagem ao projeto de Lina e registro da memória de seu violento afastamento, ou suspensão, entre 1996 e 2015.

Créditos: história

ACERVO EM TRANSFORMAÇÃO
A Coleção do MASP de volta aos cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi
Diretor artístico: Adriano Pedrosa

Créditos: todas as mídias
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes. Portanto, ela pode não representar as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.
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