Gilberto Gil, ministro da Cultura do Brasil

"Política" tem origem na palavra grega "Politikos", que significa "relativa ao cidadão ou ao estado". Gilberto Gil nasceu um ser político. 

Afrodescendente criado por um pai que se destacava por ser médico em um país onde negros nunca tiveram as mesmas oportunidades que os brancos, já em sua música abordava temas relativos aos cidadãos.

Durante o período em que o Brasil viveu sob um regime militar ditatorial, passou a expor seus sentimentos em relação ao Estado em suas composições. E pagou um preço alto por isso.

Acabou sendo preso, junto com Caetano Veloso, em 27 de dezembro de 1968 – após a decretação o Ato Institucional nº 5, que cerceava a liberdade de expressão.

Em julho de 1969, embarcaram para o exílio na Inglaterra e fixaram-se em Londres, no bairro de Chelsea. Na volta ao Brasil, em 1972, Gil não deixou de ser, estar e cantar o que pensava.

No dia 25 de janeiro de 1984, participou do primeiro grande comício da campanha Diretas Já, que reivindicava o retorno do voto direto nas eleições presidenciais, realizado na Praça da Sé, em São Paulo.

A vitória de Tancredo Neves nas eleições indiretas em 15 de janeiro de 1985 marcou o fim de mais de vinte anos de regime militar no Brasil. Com a abertura política, a classe artística sentiu pela primeira vez desde 1964 uma liberdade de ser. 

E Gil finalmente pôde desenvolver uma carreira paralela à de músico.

Gilberto Gil passou a flertar com a política no final dos anos 1970, ao assumir, em julho de 1979, o cargo de membro do Conselho de Cultura do Estado da Bahia – do qual Maria Bethânia também passou a fazer parte – compondo a chamada Câmara de Música. 

Ele foi o primeiro negro a fazer parte desta instituição. No ano de 1987, tomou posse na presidência da Fundação Gregório de Mattos, órgão que correspondia à Secretaria Municipal da Cultura de Salvador, para onde se mudou com a família.

Em 2 de março de 1988, lançou-se como pré-candidato à prefeitura da cidade de Salvador, mas em agosto decidiu disputar uma vaga na Câmara dos Vereadores pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Nas eleições de 15 de novembro, o artista foi eleito o vereador da capital baiana com o maior número de votos.

Em 2002, Gilberto Gil tornou público seu apoio ao então candidato à presidência Luís Inácio Lula da Silva.  Após a confirmação da vitória de Lula, em dezembro daquele ano, Gil aceitou o convite de Lula para assumir o cargo de ministro da Cultura a partir de 2003. 

Até 2008, o "ministrartista" cuidou do setor cultural do Brasil, dividindo-se entre a carreira política e a musical.

A política adotada na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura baseou-se na Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO, que apresentava três estratégias: 

Produção simbólica, com ações de estímulo à produção cultural; direito à cidadania, acentuando a dimensão social da Cultura em projetos de inclusão; e a economia, entendendo a função econômica da indústria criativa. 

O objetivo dessa política era a inversão de prioridades até então cristalizadas. O programa Cultura Viva, concebido em 2004, foi responsável pelos Pontos de Cultura, “uma rede de articulação, recepção e disseminação de iniciativas e vontades criativas”.

Uma ação de fomento que visava fortalecer grupos culturais já existentes, contribuindo para a manutenção e ampliação de suas ações.

Encantado com a possibilidade de usar sua imagem e seu real entendimento do que é viver de arte e representar a cultura do país para chamar atenção de estrangeiros e conseguir investimentos dentro do seu próprio país, Gil chegou buscando uma democracia plural e tolerante: 

"A política cultural deste Ministério, a política cultural do Governo Lula, a partir deste momento, deste instante, passa a ser vista como parte do projeto geral de construção de uma nova hegemonia em nosso País...

"... Como parte do projeto geral de construção de uma nação realmente democrática, plural e tolerante. Como parte e essência de um projeto consistente e criativo de radicalidade social. Como parte e essência da construção de um Brasil de todos."

O Brasil tem uma diversidade cultural enorme. E uma das regiões mais carentes de investimento sempre foi o Nordeste, justamente de onde Gilberto Gil saiu para trabalhar.

Para lá ele voltou muitas vezes durante seu mandato para conhecer melhor a cultura de cada local e poder selecionar pontos de atenção. Em 2004, o ministro da Cultura visitou o estado de Pernambuco em um evento que contou com apresentação de maracatus:

Grupos especializados em um ritmo musical, dança e ritual de sincretismo religioso local - e ganhou uma rabeca, um instrumento de arco precursor do violino construído de forma bastante rústica.

O presente foi entregue pelo Mestre Salu, apelido de Manuel Salustiano Soares, ator, músico, compositor e artesão brasileiro que, em recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2007

Em 2005, ministro da Cultura visitou o Cariri para conhecer a cultura local. Três anos depois, em 2008, a região do Ceará sediaria pela primeira vez o Encontro de Mestres do Mundo, um evento realizado por meio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Cultura do Estado.

Um dos principais desafios de Gilberto Gil à frente do ministério foi obter mais recursos para sua administração: conseguiu aumentar a verba do MinC em cerca de 130%.

No início do primeiro mandato de Lula, em 2003, os recursos destinados à Cultura representavam 0,2% do orçamento da União – girando em torno de 706 milhões de reais; chegaram a 0,6% em 2006 e foram mantidos nesse patamar em 2007 – alcançando mais de 1,6 bilhão de reais.

Com esses recursos, o Ministério da Cultura investiu na área de circo, manifestação artística então esquecida pelo poder público. Criou a Caravana de Circulação de Espetáculos, que levou companhias de teatro e dança para mais de 500 cidades. 

Trouxe de volta à cena o projeto Pixinguinha, evento cultural que tem por objetivo difundir a música popular brasileira em todo o país. 

Apoiou a criação dos Pontos de Cultura, projetos financiados pelo Ministério da Cultura do Brasil e implementados por entidades governamentais ou não governamentais que visavam realizar ações de impacto sociocultural nas comunidades menos privilegiadas.

O ministrartista também conseguiu a promoção do samba-de-roda do Recôncavo baiano a Patrimônio Cultural da Humanidade.

No ano em que deixou o Ministério da Cultura do Brasil, Gil criou, em maio de 2008, o Plano Nacional de Cultura (PNC). O programa tinha por finalidade o planejamento e implementação de políticas públicas para promover a diversidade cultural, artística e étnica. 

Outro aspecto positivo no comando da pasta foi o reconhecimento como Patrimônio Cultural Brasileiro de elementos da cultura regional como a capoeira, o frevo, o samba de roda e a pintura corporal dos índios. 

O MinC também criou um programa direcionado à população afro-brasileira, com ações direcionadas ao desenvolvimento das comunidades de tradição, inclusive as remanescentes de quilombos e os terreiros.

Capoeiristas do Brasil todo ficaram agradecidos.

Com essas ações, Gilberto Gil fez jus ao que falou em seu discurso de posse: "Que quero o Ministério presente em todos os cantos e recantos de nosso País. Que quero que esta aqui seja a casa de todos os que pensam e fazem o Brasil... 

"... Que seja, realmente, a casa da cultura brasileira. E o que entendo por cultura vai muito além do âmbito restrito e restritivo das concepções acadêmicas, ou dos ritos e da liturgia de uma suposta 'classe artística e intelectual'."

O cantor sempre fez questão de dizer, numa alusão a um antigo integrante do primeiro escalão do governo, que “estava ministro da Cultura”, pois era um artista ocupando o cargo. 

No entanto, jamais um ministro divulgou tanto a cultura brasileira fora do país. Durante um encontro da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, em 2003, Gil cantou e tocou violão com o então secretário-geral, Kofi Annan. 

O ministro também foi o “garoto-propaganda” do Ano do Brasil na França, em 2005, com impacto na área cultural, comercial e turística. Chegaram a chamar aquele de o “Ano BraGil”.

Desde 2003 na pasta, ano do primeiro mandato de Lula, Gil ensaiou, por mais de uma vez, deixar o ministério. A última tentativa foi no final de 2007, quando sofria problemas com sua voz, mas acabou ficando após pedidos do presidente da República e da classe artística. 

Deixou a função no dia 30 de julho de 2008. Foi substituído pelo conterrâneo Juca Ferreira, que até então desempenhava o cargo de secretário-executivo do ministério.

O anúncio da saída foi feito a Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, e o próprio Gil admitiu que o presidente ficou “triste”. 

Ao sair, Gil exaltou o Presidente da República usando o nome de uma música sua, Refazenda, para definir sua gestão: “O governo de Lula significa uma refazenda extraordinária no país”.