"Cabelo duro é preciso": as cabeleiras de Gilberto Gil

Símbolo de empoderamento negro, o cabelo serviu como uma bandeira e uma forma de comunicação para o músico em sua carreira.

Do Instituto Gilberto Gil

Redação: Ricardo Schott, escritor, jornalista e pesquisador musical

Gilberto Gil em apresentação no início da carreira (1966)Instituto Gilberto Gil

Sarara Miolo, do álbum Realce, de 1979
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Cabelo e História     

Se durante um período da história, o cabelo era apenas um adorno para o rosto, ao longo do tempo ele foi se tornando um símbolo de força para os homens e de sedução para as mulheres. 

Gilberto Gil e seu violão na década de 1960 (Década de 1960)Instituto Gilberto Gil

Os deuses gregos Sansão - que era forte por causa de seus cabelos - e Afrodite - que cobria a nudez com as madeixas - foram usados como símbolos dessa diferença. Seguindo a moda black power, Gilberto Gil colaborou para a conquista desse mesmo poder pelas mulheres.

Gilberto Gil na década de 1960 (1967)Instituto Gilberto Gil

E, principalmente, pela população afrodescendente brasileira. Símbolos de empoderamento negro, os cabelos serviram como uma bandeira e como uma forma de comunicação para Gil em praticamente todos os momentos de sua carreira.

Também serviram de tema para o compositor em músicas que ajudaram muitos afrodescendentes a recuperarem sua autoestima no Brasil, entre elas Sarará Miolo, que fala:

Cabelo duro é preciso 
Que é pra ser você, crioulo

Gilberto Gil no III Festival da Música Popular Brasileira (1967)Instituto Gilberto Gil

Do cabelo curto ao black power     

No começo, quando Gil gravou o álbum Louvação, em 1967, o visual do cantor era bastante comportado, com os cabelos crespos cortados bem curtos. Gil ainda trabalhava como administrador, como funcionário da Gessy Lever, e aos poucos foi se dedicando cada vez mais à música.

Gilberto Gil no III Festival da Música Popular Brasileira (1967)Instituto Gilberto Gil

O cantor e compositor poderia ser visto de barba no III Festival de MPB da Record, com os cabelos um pouco maiores, mais ainda assim curtos. Só que ele foi deixando a cabeleira ganhar um ar black power e a barba acompanhou o crescimento: 

Gilberto Gil durante o período da Tropicália (1968)Instituto Gilberto Gil

O bigode ganhou fios retorcidos e costumava ser classificado por amigos como “diabólico” ou “mefistofélico”.

Era esse visual mais hippie, e mais aparentado aos roqueiros negros dos EUA e Europa, que Gil usava em aparições no programa Divino Maravilhoso (TV Bandeirantes, 1968). 

Gilberto Gil durante o período da Tropicália (1968)Instituto Gilberto Gil

Também foi visto assim pelo público no III Festival Internacional da Canção, quando defendeu Questão de Ordem, em 1968.

Gilberto Gil em apresentação na década de 1960 (1968)Instituto Gilberto Gil

Ensaio da música Alegria, Alegria por Caetano Veloso e Gilberto Gil para o show Tropicália 2
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Cabelos que incomodam     

Tanto o cabelo de Gil quanto o de Caetano Veloso incomodava – tanto que o autor de Alegria Alegria recebia pentes pelo correio, de “presente”, na época de suas aparições no programa Esta Noite Se Improvisa.

Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa (1967)Instituto Gilberto Gil

O programa recebia artistas famosos da época adivinhando canções. Não foi por acaso que, presos 14 dias após à promulgação do Ato Institucional nº 5, em 1968, Gil e Caetano tiveram suas cabeças raspadas no cárcere, pelos militares.

Caetano Veloso e Gilberto Gil em apresentação na época do movimento Tropicália (1968)Instituto Gilberto Gil

Do Tropicalismo ao exílio     

Na época do Tropicalismo, os baianos hastearam seus cabelos, como propunham os amigos dos Mutantes na canção A Hora E A Vez do Cabelo Nascer, que teria um trecho censurado pela ditadura militar, em 1972. 

Gilberto Gil e o Conjunto Folclórico Viva Bahia no show Barra 69, apresentado com Caetano Veloso antes do exílio (1969-07-20)Instituto Gilberto Gil

Até a partida para o exílio, contando a apresentação no show Barra 69, os dois estavam com as madeixas curtas e sem barba.

Gilberto Gil em ensaio para capa do álbum de 1971 (1971)Instituto Gilberto Gil

Durante os quase três anos em que ficaram exilados, nem Gilberto Gil e Caetano Veloso nem seus cabelos incomodavam qualquer pessoa ou governo. 

Gilberto Gil em Londres durante o exílio (1971)Instituto Gilberto Gil

Na Inglaterra, influenciado pela nova onda rock'n'roll que passou a acompanhar de perto, Gil pôde deixar seu black power ganhar ares psicodélicos e a barba, livre. 

Gilberto Gil em cena do filme O Demiurgo (1971)Instituto Gilberto Gil

Aos poucos, ano após ano, tudo foi crescendo e, em 1971, seu visual já era bem diferente do que o Brasil estava acostumado a ver.

Gilberto Gil durante show da época da turnê Expresso 2222 (1973)Instituto Gilberto Gil

Back in Bahia, do álbum Expresso 2222, de 1972
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Os anos 1970     

No começo dos anos 1970, depois de voltar do exílio, Gilberto Gil poderia ser visto com um cabelo black power nos palcos – era o visual da época de discos como Expresso 2222 (1972).

Gilberto Gil em apresentação à época do álbum Refavela (1977)Instituto Gilberto Gil

Uma viagem à Nigéria fez com que o artista vivesse uma nova experiência e olhasse o estilo africano com outros olhos.

Os Doces Bárbaros em entrevista coletiva (1976)Instituto Gilberto Gil

Os Mais Doces Bárbaros, por Maria Bethânia e Gilberto Gil no 37º Festival de Jazz de Montreux
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Trancinhas discretas, com lenços, viraram marca de Gil tanto na época da turnê Doces Bárbaros (1976), como preparação para o visual quase rastafári que ele apresentou quando lançou o disco Refavela (1977), em que aparecia de tranças e gorro colorido. 

Gilberto Gil em apresentação de divulgação do álbum Refavela (1977)Instituto Gilberto Gil

Em Refavela, Gil assume tranças, ainda bagunçadas, e gorro.

Gilberto Gil em ensaio fotográfico do álbum Realce (1979)Instituto Gilberto Gil

Não Chore Mais (No Woman no Cry), do álbum Realce, de 1979
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Na época do disco Realce (1979), miçangas foram acrescentadas às tranças, e a influência do rastafarianismo passou a ficar mais clara no look e na obra de Gil.

Gilberto Gil em fotos de divulgação do álbum Realce (1979)Instituto Gilberto Gil

Gilberto Gil em fotos de divulgação do álbum Realce (1979)Instituto Gilberto Gil

Gilberto Gil em show da turnê Refazenda (1975)Instituto Gilberto Gil

Quando lançou o álbum Refazenda (1975), Gil passou a um estágio intermediário, em que o cabelo era grande - não tanto quanto nos tempos londrinos - e não usava mais barba e bigode.

Gilberto Gil em turnê do álbum Luar (1981)Instituto Gilberto Gil

Cabelos anos 1980     

Em 1981, época do disco Luar (A Gente Precisa Ver o Luar), Gil voltou aos cabelos curtos, só que com um detalhe que chamou bastante atenção: ele descoloriu dois pedacinhos do cabelo desenhando uma Lua Crescente do lado direito... 

Gilberto Gil nos bastidores da turnê Luar (1981)Instituto Gilberto Gil

Morena, do álbum Luar (A Gente Precisa Ver o Luar), de 1981
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...e, do esquerdo, uma estrela de cinco pontas.

Gilberto Gil em show da turnê Luar (1981)Instituto Gilberto Gil

Assim era o visual de Gil durante a turnê do disco Luar (A Gente Precisa Ver o Luar)

Gilberto Gil nos bastidores do show da turnê do álbum Um Banda Um (1982)Instituto Gilberto Gil

Para as turnês dos álbuns Um Banda Um (1982), Extra (1983) e Raça Humana (1984), Gil "apagou" o símbolo da renovação da vida e da natureza, e aos poucos foi deixando o cabelo crescer e desenhando um topete.

Gilberto Gil em ensaio fotográfico para o encarte do álbum Extra (1983)Instituto Gilberto Gil

Na turnê do álbum Extra, um black power começa a se formar.

Gilberto Gil em show da turnê do álbum Raça Humana (1984)Instituto Gilberto Gil

A turnê de Raça Humana ganhou um topete.

Gilberto Gil em apresentação no Rock in Rio (1985-01)Instituto Gilberto Gil

Em 1985, ele adotaria um black power com topo de formato quadrado, além de um pequeno topete, para sua aparição no Rock In Rio. 

Gilberto Gil, Flora Gil e Bem Gil em ensaio fotográfico para a capa do álbum Dia Dorim Noite Neon (1985)Instituto Gilberto Gil

No mesmo ano, já com o filho Bem Gil recém-nascido e o álbum Dia Dorim Noite Neon lançado, subiria ao palco e posaria para fotos com um visual quase parecido, mas com um topete menos evidente. Maturidade e empoderamento caminhavam juntos.

Gilberto Gil no show da turnê do álbum Quanta, no Canecão (1997)Instituto Gilberto Gil

Surgem os cabelos brancos     

Nos anos 1990, com a chegada aos 50 anos, Gil , já com o branco tomando espaço nos cabelos, adotou um visual mais sóbrio. A cabeleira permaneceu curta a maior parte do tempo.

Gilberto Gil em show da turnê Eu, Tu, Eles (2000)Instituto Gilberto Gil

Na década seguinte, no período em que foi ministro da Cultura, no governo Lula, Gil voltou a deixar os cabelos crescerem. Primeiro, quando gravou a trilha sonora do filme homônimo As Canções de Eu, Tu, Eles (2000), o cabelo voltou ao seu lugar de origem, só que grisalho. 

Gilberto Gil em sessão de fotos para o álbum Kaya N'Gan Daya (2001)Instituto Gilberto Gil

E assim continuou durante a turnê do disco Kaya N'Gan Daya (2002).

Gilberto Gil em ensaio fotográfico para a revista IstoéInstituto Gilberto Gil

Um cabelo político     

No ano seguinte, ao assumir o Ministério da Cultura do Brasil, Gilberto Gil retoma com força total sua verve política e resolve usar o cabelo para ocupar espaço no Congresso Nacional e em todos os lugares do mundo em que representaria o Brasil como ministro.

Ministro Gilberto Gil em Portugal (2003)Instituto Gilberto Gil

Agora em uma posição de poder, o artista volta a deixar o cabelo se africanizar, com tranças rastafári, que começaram discretas e ficaram bem grandes até sua saída do cargo.

Gilberto Gil e Danilo Santos de Miranda na cerimônia de assinatura do Protocolo de Intenções (2006-08-07)Instituto Gilberto Gil

Um visual que perdurou por alguns anos, com os dreadlocks quase sempre presos em um elástico.

Ministro Gilberto Gil e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2000)Instituto Gilberto Gil

Ao pedir demissão do ministério, em 2008, seguiu a turnê de Banda Larga Cordel com as tranças presas. 

Gilberto Gil pelas lentes do fotógrafo Luiz Garrido (Agosto de 2008)Instituto Gilberto Gil

Ao lado da autoestima, o cabelo pode ser um aliado quando se trata de valorização racial e identitária, e foi isso que Gilberto Gil sempre quis mostrar fazendo com o seu o que bem quis.

Gilberto Gil pelas lentes do fotógrafo Luiz Garrido (Agosto de 2008)Instituto Gilberto Gil

Gilberto Gil pelas lentes do fotógrafo Luiz Garrido (Agosto de 2008)Instituto Gilberto Gil

Gilberto Gil pelas lentes do fotógrafo Luiz Garrido (Agosto de 2008)Instituto Gilberto Gil

Créditos: história

Pesquisa e redação: Ricardo Schott
Montagem: Chris Fuscaldo

Créditos gerais 


Edição e curadoria: Chris Fuscaldo / Garota FM Edições
Pesquisa do conteúdo musical: Ceci Alves, Chris Fuscaldo, Laura Zandonadi e Ricardo Schott 
Pesquisa do conteúdo MinC: Carla Peixoto, Ceci Alves e Chris Fuscaldo
Legendas das fotos: Anna Durão, Carla Peixoto, Chris Fuscaldo, Daniel Malafaia, Fernanda Pimentel, Gilberto Porcidonio, Kamille Viola, Laura Zandonadi, Lucas Vieira, Luciana Azevedo, Patrícia Sá Rêgo, Pedro Felitte, Ricardo Schott, Roni Filgueiras e Tito Guedes
Edição de dados: Isabela Marinho e Marco Konopacki
Revisão Gege Produções: Cristina Doria
Agradecimentos: Gege Produções, Gilberto Gil, Flora Gil, Gilda Mattoso, Fafá Giordano, Maria Gil, Meny Lopes, Nelci Frangipani, Cristina Doria, Daniella Bartolini e todos os autores das fotos e personagens da história
Todas as mídias: Instituto Gilberto Gil
 
*Todos os esforços foram feitos para creditar as imagens, áudios e vídeos e contar corretamente os episódios narrados nas exposições. Caso encontre erros e/ou omissões, favor entrar em contato pelo e-mail atendimentogil@gege.com.br

Créditos: todas as mídias
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