Fotografias de costumes brasileiros

O negro olhar por trás dos retratos de Christiano Junior

Escrava Africana – MinaMuseu Histórico Nacional

Christiano Junior, o fotógrafo

Christiano Junior nasce nos Açores em 1832. Em 1855, o fotógrafo já está no Nordeste do Brasil e, em 1862, anuncia a produção de fotografias em Maceió. No mesmo ano, no Rio de Janeiro, oferece retratos às famílias. Em 1864, torna-se um dos proprietários da Photographia do Commercio, na Rua de São Pedro, estúdio que no ano seguinte seria transferido para a Rua da Quitanda.
Em 1865, Christiano Junior participa da Exposição Internacional do Porto com os retratos dos escravizados africanos que se encontram no acervo do Museu Histórico Nacional (MHN). Posteriormente, expõe seu trabalho em outras mostras internacionais.

Em 1867, abre ateliê de fotografia em Florianópolis e em Mercedes, no Uruguai. Um pouco mais tarde, inaugura também estúdio fotográfico em Buenos Aires, onde se especializa em fotografias de crianças. Entre 1873 e 1875, produz mais de 4 mil retratos em Buenos Aires. Entre 1879 e 1883, viaja pelo interior da Argentina, fotografando tipos populares.

Depois dessa jornada pela Argentina, Christiano Junior deixa a fotografia para se dedicar ao comércio de vinho. Ele falece em 1902 em Assunção, no Paraguai.

Mapa arquitetural da cidade do Rio de Janeiro (1874), de João da Rocha FragosoMuseu Histórico Nacional

Christiano Junior estabeleceu-se em diferentes endereços no Rio de Janeiro. Desde 1862, oferecia seus serviços de fotógrafo em anúncios nos jornais da cidade, dedicando-se "a tirar retratos por qualquer systema photographico".

Mapa arquitetural da cidade do Rio de Janeiro: Rua São Pedro (1874), de João da Rocha FragosoMuseu Histórico Nacional

Em 1864, tornou-se um dos proprietários do estúdio Photographia do Commercio na Rua de São Pedro, 69. Seu sócio era Fernando Antônio de Miranda. O número 69 da Rua de São Pedro ficava no mesmo quarteirão que a Igreja de São Pedro dos Clérigos. Igreja e rua desapareceram para a abertura da Avenida Presidente Vargas no início dos anos 1940.

Mapa arquitetural da cidade do Rio de Janeiro: Rua da Quitanda (1874), de João da Rocha FragosoMuseu Histórico Nacional

Em 1865, Christiano Junior abriu sozinho um estúdio fotográfico na Rua da Quitanda, 45. A Rua da Quitanda existe ainda hoje com diversos estabelecimentos comerciais.

Panorama da Lapa (1890/1899), de Juan GutierrezMuseu Histórico Nacional

O Rio de Janeiro encontrado por Christiano Junior

O Rio de Janeiro que Christiano Junior encontrou era uma cidade portuguesa e africana. A cidade portuguesa é reconhecida quando é fotografada inteira, de longe, a partir dos seus diversos mirantes, como por exemplo, o Morro do Castelo ou o Morro de Santo Antônio, bem como a Ilha das Cobras. Aí, é possível ver um Rio de Janeiro ainda meio português, com as torres de suas igrejas e outeiros que dominavam a paisagem. O Aqueduto da Carioca, hoje conhecido como Arcos da Lapa, compõe a moldura portuguesa da cidade e leva água para os diversos chafarizes onde a população de origem africana vai encher seus potes e lavar roupa.

[Rua do Rezende] (1890/1899), de Juan GutierrezMuseu Histórico Nacional

Vista de parte da cidade e do grande aqueduto do Rio de Janeiro (1820/1829), de Jean Baptiste RévilleMuseu Histórico Nacional

Toque para explorar

[Arsenal da Marinha de Guerra e Mosteiro de São Bento] (1890/1899), de Juan GutierrezMuseu Histórico Nacional

O Rio africano encontramos na população que perambulava pelas ruas e mercados da cidade. É possível quase sentir o cheiro e ouvir o burburinho do mercado de peixe com os barcos ancorados depois de trazer mercadorias do fundo da Baía de Guanabara.

[Mercado da Praia do Peixe] (1890/1899), de Juan GutierrezMuseu Histórico Nacional

Os balaios, os panos usados pelas negras, os quais tomamos como turbantes, mas que serviam para acomodar a cesta de mercadoria sobre a cabeça, os quiosques, que viriam a ser retirados da paisagem carioca, revelam um componente importante na vida cotidiana do trabalhador.

[Mercado da Praia do Peixe] (1890/1899), de Juan GutierrezMuseu Histórico Nacional

[Mercado da Praia do Peixe] (1890/1899), de Juan GutierrezMuseu Histórico Nacional

Escrava de ganho – vendedoraMuseu Histórico Nacional

Penca de balangandãs (1880), de DesconhecidoMuseu Histórico Nacional

Balangandãs

Adornos e joias usados por quitandeiras africanas e suas descendentes, cativas ou libertas, e, por isso, também conhecidos como “joias de crioula”, os balangandãs eram adereços confeccionados em ouro e prata ou, ainda, em coral, marfim, contas de vidro, madeira e outros materiais. Atados aos quadris dessas vendedoras em pencas e correntes, essa joalheria era composta por miniaturas de frutas, animais, moedas, figas, instrumentos musicais, pingentes de atributos das religiões dos orixás e católica e outros objetos mais ao gosto de sua proprietária. O nome balangandã originou-se do som produzido pelo tilintar da combinação das peças metálicas dessas negociantes negras ao se movimentar pelas ruas e mercados das cidades.

Pulseira (c. 1820 - c. 1840), de DesconhecidoMuseu Histórico Nacional

Produzidos desde o século XVIII na Bahia, os balangandãs  eram comercializados no Rio de Janeiro em princípios do século XIX. Além de adornos presentes na indumentária das quitandeiras da Praça do Mercado da Praia do Peixe (atual Praça XV), seus usos e significados não eram somente estéticos; eles também indicavam a proteção espiritual, a prosperidade e o prestígio social de suas portadoras.

Chafariz do largo do Paço Imperial (1840/1849), de Louis Pierre Alphonse BicheboisMuseu Histórico Nacional

Vestígio desse tempo, o chafariz que ainda hoje está na Praça XV era um ponto de encontro dos aguadeiros.

Toque para explorar

Escravo de ganho tecendo fios de sisalMuseu Histórico Nacional

Os escravizados retratados

Do sistema escravista originaram-se grandes fortunas. Lembramos sempre do tráfico negreiro e da mão de obra nos latifúndios. O que muitas vezes esquecemos é que da escravidão também advinham recursos indiretos: o comprador de escravizados pagava imposto ao município referente àquela compra; o senhor que gastou dinheiro para adquirir escravizados possuía uma apólice de seguro que garantia o investimento de seu capital; finalmente, devemos lembrar as imagens produzidas por artistas e fotógrafos e vendidas para os estrangeiros de passagem pelo Rio de Janeiro.

Escrava de ganhoMuseu Histórico Nacional

A pessoa retratada não recebia por direito de imagem, mas seu retrato, vendido como souvenir dos trópicos, respondia à demanda pelo consumo do exótico e enriquecia algumas pessoas.

Escravos de ganhoMuseu Histórico Nacional

Christiano Junior aproveitou esse filão e produziu “variada coleção de costumes e tipos de pretos, coisa muito própria para quem se retira para a Europa”, como saiu em anúncio no Almanaque Laemmert (1866). As fotografias tomadas no estúdio de Christiano Junior, feitas para os estrangeiros, não mostram a paisagem, nem a cidade, nem as estradas. Exibem os escravizados.

Escrava de ganho – vendedoraMuseu Histórico Nacional

Em 1865, Christiano Junior apresenta 24 “Photographias de costumes brazileiros” na Exposição Internacional do Porto. Essas imagens foram, depois de expostas, oferecidas pelo fotógrafo a dom Fernando, rei de Portugal.

Moldura usada para fotografias (1865), de José Christiano de Freitas Henriques JuniorMuseu Histórico Nacional

Escravo de ganho – barbeiroMuseu Histórico Nacional

Das 24 fotografias, 12 são retratos de rostos africanos e as outras 12 são de trabalhadores de ganho. São cenas de trabalho recriadas no ateliê do fotógrafo, cujo objetivo era mostrar a atividade, não representar o indivíduo. Deste modo, encontramos cesteiros, quitandeiras, barbeiros, carregadores, vendedores de frutas, vendedores de cadeira.

Escravo de ganho carregando cadeirasMuseu Histórico Nacional

Escravo de ganho com cesto vazioMuseu Histórico Nacional

Escravo de ganho com caixa em cima da cabeçaMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano - CabindaMuseu Histórico Nacional

Quanto aos “tipos”, as fotos, do mesmo modo, não buscavam representar a pessoa em si, mas sua origem: Christiano Junior escreveu, sob cada rosto, a nação ou o porto africano que os embarcou para o Brasil: Mina Nagô, Cabinda, Angola, Moçambique, Monjolo, Congo.

Moldura usada para fotografias (1865), de José Christiano de Freitas Henriques JuniorMuseu Histórico Nacional

Escravo – Crioulo, Da coleção de: Museu Histórico Nacional
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Escravo Africano – AngolaMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano - NagôMuseu Histórico Nacional

Escrava Africana – Mina, Da coleção de: Museu Histórico Nacional
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Escravo Africano – Nação MoçambiqueMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano – Nação CongoMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano – MonjoloMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano – Nação [Quelimane]Museu Histórico Nacional

Escrava de ganho – vendedoraMuseu Histórico Nacional

Ao ampliarmos a imagem, notamos que um só indivíduo representava muitos desses personagens para compor a foto. Notamos também o olhar dessas pessoas. Olhar duro que parecia querer denunciar a opressão a que estavam submetidos.

Escrava de ganho – vendedora de frutasMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano – Nação InhambaneMuseu Histórico Nacional

Escravo Africano – MinaMuseu Histórico Nacional

Escravos de ganho com cestos vaziosMuseu Histórico Nacional

Escrava – CrioulaMuseu Histórico Nacional

Escrava de ganho – vendedoraMuseu Histórico Nacional

Assinatura de Christiano Júnior (1860/1870), de José Christiano de Freitas Henriques JuniorMuseu Histórico Nacional

Créditos: história

Curadoria
Adriana Bandeira Cordeiro
Daniella Gomes dos Santos
Maria Isabel Ribeiro Lenzi
Maria De Simone Ferreira

Agradecimentos
Cliff Korman
Jaime Acioli

Créditos: todas as mídias
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