Lea Campos, a primeira árbitra

Conheça Lea Campos, uma das personagens do Museu do Impedimento

Lea Campos com 6 meses de vida na cidade de Abaeté, Minas Gerais. (1946), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Origens

Nascida no ano de 1944, em Abaeté, no oeste do estado de Minas Gerais, Lea é filha mais velha de uma família de quatro irmãos, de Jahy Fornero de Campos e Isabel de Campos Álvares. Era também a filha mais velha de uma família com quatro irmãos: Francisco Henrique, Alysson, José Cristiano e Cybelle.

Lea aos 5 anos de idade. (1951), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Quando a Seleção Brasileira de futebol perdia a Copa do Mundo de 1950, no estádio do Maracanã (RJ), Lea já fazia inveja e intriga ao brincar com uma bola de meia feita pelo pai Jahy na pequena cidade mineira de Buenópolis, onde viveu a infância.

Lea e a família durante na formatura do irmão Francisco. (Década de 1960), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Para distraí-la do brinquedo então considerado inadequado, Lea frequentou concursos de canto, poesia e arte dramática desde os oito anos de idade. Por suas habilidades precoces em oratória, foi escolhida para falar em público durante a recepção a Juscelino Kubitschek, então Governador do Estado de Minas Gerais.

“Eu jogava no recreio da escola, e a diretora implicava que não podia, porque eu estava jogando com os meninos. Naquela época tinha aquela coisa: menina para lá, menino para cá” Lea Campos, durante entrevista concedida ao Museu do Futebol em 2015.

JK, já presidente do Brasil, concede uma bolsa de estudos para Lea para frequentar o Colégio Imaculada Conceição na cidade mineira de Montes Claros. Com a chegada da adolescência e seus 1,78 metros de altura, acabou se iniciando esportivamente no voleibol, representando diferentes equipes como o Sparta Voley Clube, de Belo Horizonte.

Lea Campos condecorada com o troféu de Rainha do Futebol Amador de Belo Horizonte. (Década de 1960), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Rainha

O preparo físico e a beleza de Lea Campos acabaram por chamar a atenção da imprensa esportiva e empresas publicitárias nos anos 1960. Durante a juventude, participou de dezenas de concursos de “Rainhas”, ganhando a maioria deles.

Lea como Rainha do Carnaval ao lado e da corte Real, Coleção Lea Campos, 1966, Da coleção de: Museu do Futebol
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Lea como Rainha do Carnaval no palco da Avenida Afonso Pena., Coleção Lea Campos, 1966, Da coleção de: Museu do Futebol
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Coroação de Lea como Rainha do Exército., Coleção Lea Campos, 1969, Da coleção de: Museu do Futebol
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Manchete do Jornal do Brasil sobre o desejo de Lea tornar-se árbitra de futebol. (1967), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Rainha do Carnaval de Belo Horizonte, Rainha do 1º Regimento de Infantaria do Exército, Rainha do Exército, Rainha do Cruzeiro, Rainha dos Estudantes, Miss Fotogenia e Rainha dos Ex-combatentes são alguns exemplos dos seus primeiros títulos.

Veio nessa época o título de Rainha do Futebol Amador, conquistado depois de representar como madrinha uma reconhecida equipe do futebol amador de então, o Juventus Futebol Clube.


Os concursos de beleza, na maioria das vezes, contavam com a participação do público de diferentes regiões de Belo Horizonte, com votos que dependiam de compradores do jornal que continha o cupom de votação das Rainhas.

Lea Campos durante a campanha política de Israel Pinheiro para o Governo de Minas Gerais. (1965), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Campanhas Políticas

Com o passar dos anos, Lea Campos se tornou uma pessoa que gozava de certa popularidade em Belo Horizonte, detalhe que chamou rapidamente a atenção não só do universo esportivo, como da classe política. Na eleição presidencial de 1960, Lea fez campanha para o ex-ministro da Guerra, Marechal Henrique Baptista Duffles T. Lott, candidato indicado pela coligação PTB/PSD e mais tarde para Israel Pinheiro, em 1965, ao Governo do estado. O novo ofício a fez circular em muitos locais na região de Belo Horizonte, expandindo ainda mais o seu rol de amizades e contatos - pessoas que seriam imprescindíveis num futuro próximo.

Tia Elisa, Lea e o irmão Alysson após a eleição da Rainha do Cruzeiro Esporte Clube. (Década de 1960), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

O Cruzeiro

Cruzeirense como a mãe, Lea Campos era uma assídua frequentadora dos jogos da raposa mineira, e fundou, junto com outras torcedoras, a T.O.C.A. : Torcida Organizada do Cruzeiro Acadêmico. Torcedores alvi-celeste a ajudavam na arrecadação de dinheiro que era investido em artigos para a festa azul e branca nas arquibancadas do Mineirão, em Belo Horizonte. O bom relacionamento de Lea com o clube lhe rendeu, na década de 1960, o cargo voluntarioso de relações públicas. Viajou acompanhando a equipe de jogadores e organizava as informações oficiais aos repórteres que cobriam os eventos esportivos.

Lea Campos no programa da Rádio Nacional. (Década de 1960), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Jornalismo Esportivo 

Lea Campos escolheu o jornalismo como primeira opção de carreira profissional. Estudou e trabalhou em Brasília, cidade onde residia seu irmão, época em que começou a escrever e memorizar temas relacionados com esportes, principalmente os nomes dos integrantes dos clubes do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Durante as narrações esportivas da Rádio Mulher. (Década de 1960), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

De volta à Belo Horizonte, trabalhou na Rádio Jornal e oportunamente tomou parte da equipe esportiva da emissora, atuando como uma das primeiras repórteres de campo do país. O jogador Piazza foi o seu primeiro entrevistado durante a sua estreia no campo do Mineirão. Em meados dos anos 1970, compôs a equipe da Rádio Mulher, que naquela ocasião possuía uma equipe formada exclusivamente por mulheres. Ao lado de Zuleide Ranieri, Jurema Yara, Germana Garilli e Claudete Troiano, Lea envolvia-se ainda mais com o jornalismo esportivo e praticava os seus comentários sobre arbitragem sobre os jogos masculinos transmitidos no rádio.

Manchete do Jornal do Brasil sobre o desejo de Lea tornar-se árbitra de futebol. (1967), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Arbitragem

“Qualquer profissão é ariscada e não vejo motivos para desistir do meu ideal” - Lea Campos, Jornal do Brasil, 14 de junho de 1967.

Apesar da trajetória como modelo e jornalista percorrida na década de 1960, Lea Campos frequentou cursos de arbitragem para o boxe e futebol. Algo impensável para a maioria das mulheres da época.

Repercussão na imprensa. (1967), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Em uma ocasião, ao fazer uma crítica dura a um árbitro durante uma partida de futebol, Lea foi surpreendida pelo colegiado de árbitros e o público que manifestaram-se dizendo que era fácil criticar quando não se estava dentro do campo. Para alguém competitiva e obstinada como ela, o desafio estava posto: ela iria se tornar juíza de futebol.

Manchete publicada pelo jornal A Luta Democrática. (1967), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Em pouco tempo já estava matriculada no curso de arbitragem da Federação Mineira de Futebol, onde inicialmente teve a companhia de Cesarina Rodrigues. Duração os oito meses da formação, treinava pelas manhãs em companhia dos soldados do batalhão policial para se apresentar em perfeitas condições físicas no dia do exame de admissão.

Desenho do cartunista Henfil sobre Lea., Coleção Lea Campos, Década de 1970, Da coleção de: Museu do Futebol
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Os esforços da mineira chamou a atenção da imprensa, mas também de mulheres que voluntariamente recolhiam assinaturas na tentativa de impedí-la de alcançar seu objetivo.

Desenho do cartunista Edgard sobre Lea., Coleção Lea Campos, Década de 1970, Da coleção de: Museu do Futebol
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Desenho do cartunista Henfil sobre Lea., Coleção Lea Campos, Década de 1970, Da coleção de: Museu do Futebol
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Lea Campos durante partida realizada com a Associação Mineira dos Cronistas Esportivos. (Década de 1970), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Ela não vai apitar!
O exame prático de Lea, também chamado prova de campo, foi uma partida entre jornalistas e árbitros, alguns deles avaliadores da sua nota final, durante o Terceiro Encontro Nacional dos Professores de Educação Física. Apesar de suas excelentes notas e qualificação unânime, a Federação Mineira de Futebol não autorizou a expedição do seu diploma de árbitra. A decisão a impedia de apitar jogos da primeira ou segunda divisão. Mas Lea logo fez a notícia chegar à imprensa esportiva, pressionando a Federação. Esta, então, consultou a Confederação Brasileira de Desportos – CBD (atual CBF).

Placa do Lions Club oferecida à Lea Campos. (Década de 1970), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

A entidade máxima do futebol brasileiro exigiu de Lea Campos diversos exames médicos, que por vezes eram desconsiderados, obrigando-a a refazê-los em locais credenciados pela entidade.
Quando esteve com o então presidente da CBD, João Havelange, ele admitiu que os resultados não eram suficientes e alegou que a estrutura óssea feminina era inferior à do homem e por essa razão não outorgaria o diploma de árbitro à Lea.
Por iniciativa própria, Lea se submeteu a mais uma bateria de exames, agora com médicos prestigiados do Brasil, que certificaram que a estrutura óssea feminina era igual a masculina.

Lea em companhia dos diretores do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, em Porto Alegre. (1970), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Por fim, Havelange apelou para o artigo 54 do Decreto-lei 3.199 de 1941, que proibia às brasileiras a participação em esportes “inapropriados à sua natureza”. Mas... Lea argumentou ao cartola que o decreto não previa o impedimento legal para mulheres árbitras do futebol.
Não convencido, Havelange ainda expôs a menstruação como atributo feminino passível de prejudicar a mulher em campo e encerrou a reunião dizendo que enquanto estivesse à frente da entidade, nenhuma mulher apitaria ou jogaria futebol.

Matéria realizada durante o período da liberação do certificado de árbitra de Lea Campos. (1971), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

O Presidente

Após ser convidada, em 1971, para apitar o II Campeonato Mundial de Futebol Feminino no México, Lea iniciou uma campanha para recuperar seu diploma oficial de árbitra. Por quatro anos recolheu assinaturas, deu entrevistas, estudou legislações e usou de sua rede de contatos.

Certificado de conclusão do curso de arbitragem. (1972), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Ainda sob o regime militar, Lea Campos aproveitou a estadia do então Presidente e General do Exército, Emílio Garrastazu Médici, em Belo Horizonte, e conseguiu o que parecia inacreditável: uma entrevista muito breve com a maior autoridade do país.

Entre tudo o que a mineira já havia conquistado até aquele momento, a entrevista com o Presidente lhe parecia a última das provas que deveria passar para poder alcançar o que há anos se preparava para ser: juíza. Com um corpo que tremia e a frase de cor na ponta da língua, Lea compartilhou com o presidente em exercício o problema que a impossibilitava de se tornar árbitra no Brasil.

Lea Campos em atividade de árbitra. (Década de 1970), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Médici entregou um cartão de visita a Lea e agendou uma reunião na semana seguinte, em Brasília. Após uma semana de ansiedade, a mineira recebeu em mãos uma carta firmada pelo chefe da nação, ordenando à CBD que outorgasse o diploma de árbitro a Asalea de Campos Micheli.

Matéria sobre a liberação do diploma de árbitra de Lea Campos. (1971), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

O repórter Paulo Roberto, da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, deu o furo na imprensa esportiva antes mesmo de Lea compartilhar o veredito com a família. A Federação Mineira de Futebol finalmente se retratava com Lea Campos e entregava o seu diploma que lhe conferia o documento de árbitra oficial do Brasil e, em poucos dias, do mundo.

Lea com a jogadora mexicana María Eugenia 'La Peque' Rubio (1971), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Do Brasil para o Mundo

Com o diploma em mãos, Lea embarcou dias depois para o México, local onde apitaria o II Mundial de Futebol Feminino, com seis equipes de mulheres representantes extra oficialmente de suas seleções nacionais. Lea afirmou ao Jornal do Brasil de 16 de abril de 1972 que, durante o Mundial, apitou a partida entre Itália e México. Contudo, em decorrência de uma indisposição devido à altitude local, não pode apitar o jogo Inglaterra e Itália.

Matéria que destacou a atuação de Lea Campos. (1971), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

Repetiu o feito na capital cearense ao lotar o estádio Presidente Vargas para a partida entre Ferroviário e Fortaleza. Lea enviava cartas às federações dos estados oferecendo o seu cachê e assim passou por diversos estados como a Bahia, Sergipe, Piauí, Rio Grande do Sul e cidades menores no interior de Minas Gerais e São Paulo.

Lea Campos durante a sua última partida realizada nos Estados Unidos. (Década de 1990), de Coleção Lea CamposMuseu do Futebol

O acidente

Nos primeiros anos da década de 1970, excursionou por diferentes países da América Latina e posteriormente pela Europa, com passagens por Portugal, França, Espanha e Holanda. Mas, com apenas 29 anos, Lea Campos teve a sua meteórica e ousada carreira como juíza de futebol interrompida por um grave acidente de trânsito. No dia 28 de fevereiro de 1974, o ônibus em que viajava em direção a São Paulo, chocou-se à noite com um caminhão carregado de materiais de construção na Rodovia Fernão Dias, na altura da cidade mineira de Três Corações, Minas Gerais. Por encontrar-se no banco da frente, ao lado do motorista, Lea teve as duas pernas fraturadas e perfuradas por estilhaços dos materiais carregados pelo veículo da frente. Lea passou anos em tratativas com a empresa viária Cometa (na época dirigida por João Havelange) e com a própria Confederação Brasileira de Futebol para conseguir ajuda financeira para custear o seu tratamento médico. Após encerrar precocemente sua carreira como árbitra, Lea Campos continuou militando em prol do futebol feminino, organizando nos anos que antecederam a regulamentação desse esporte, a promoção da participação de cada vez mais mulheres no futebol. A Copa Lea Campos, em Campinas na década de 1970 e no Mineirão em 1983, são exemplos dessas iniciativas. Lea casou-se com o jornalista esportivo colombiano Luis Medina e mudou-se para os Estados Unidos em 1993, país em que reside atualmente. Por vezes participou de eventos esportivos nesse país, assim como da convocatória da seleção brasileira feminina para a Copa do Mundo de Futebol Feminino realizada neste mesmo país em 1999.

Créditos: história

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Textos Aira Bonfim e Daniela Alfonsi


FONTES:

CAMPOS, A. Entrevista Léa Campos. Entrevistadora: Silvana Goellner. Produção: Museu do Futebol. São Paulo: Museu do Futebol, 2015, 107 min., som, color.

MONTEIRO, Igor Chagas et al. Mulheres de preto: trajetórias na arbitragem do futebol profissional. 2016.

MEDINA, Luiz Eduardo. Las Reglas Pueden Ser Rotas - Biografia de Léa Campos. New York Celebrities Publishing Corporation, 2001.
Hemeroteca Nacional Digital do México
Biblioteca Nacional Digital do Brasil

Créditos: todas as mídias
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