Poucos grãos percorreram um caminho tão longo quanto o café. Hoje, sua bebida se encontra em todos os continentes e faz parte do cotidiano de milhões de pessoas. Entretanto, até o século XV era praticamente desconhecida: foram os árabes que o transformaram em um produto comercializável e em uma bebida social, despertando o interesse do ocidente. Fincou raiz na identidade árabe de tal modo que ainda hoje se mantém em costumes, tradições e método de preparo passados de geração em geração, recriados pelas comunidades em razão de sua história e ambiente, mas sem perder uma ideia de continuidade – como é característica dos patrimônios culturais imateriais. Em 2015, o Café Árabe foi oficialmente reconhecido como tal pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), assim como também são a roda de capoeira e o frevo, patrimônios brasileiros.
No Brasil, parte dessa herança está presente na memória de vários imigrantes que trouxeram consigo bagagem cultural e memórias de seus países. Apesar dos contrastes nas práticas e nos costumes, árabes e brasileiros têm uma visão muito parecida sob um aspecto cultural do café: ambos consideram a bebida um símbolo de hospitalidade.
Acreditando na importância da diversidade e do intercâmbio cultural entre diferentes comunidades, e buscando a aproximação do público com esse patrimônio por meio dos objetos que lhes são associados e de depoimentos de História Oral, o Museu do Café apresenta a exposição “Café Árabe: Símbolo de Generosidade”.
Mapa representando o norte da África, península arábica e mediterrâneo. (2019) by Museu do CaféMuseu do Café
A “descoberta” do café
pelos árabes
A data exata da descoberta do café é desconhecida. Sua origem está envolta em lendas, imprecisões e questões etimológicas, devido à escassez de fontes documentais. Porém, há um consenso entre a maioria dos estudiosos do café de que a planta tem origem na Abissínia (atual Etiópia) e a bebida já era conhecida em Aden, no Iêmen, desde meados do século XV, onde era utilizada por praticantes do sufismo – vertente mística do islamismo – devido às suas características estimulantes. Em algumas décadas ela teria alcançado Medina e Meca; posteriormente chegou ao Cairo, no Egito e na Síria. Nesses locais, o café virou uma bebida secular, expandindo seu consumo e sua comercialização, à época dominada pelos árabes. A conquista de Cairo pelos turcos otomanos, em 1517, é apontada como o possível momento de introdução do café em Constantinopla (atual Istambul) e em outras regiões de seu império, sendo consumido nos diversos kaveh kanes, que inspirariam os cafés europeus. Posteriormente, com o acesso às sementes do café pelos europeus, seu plantio começou a ser testado em diversas colônias ao redor do mundo. Ainda assim, o café iemenita manteve sua fama no mercado internacional até pelo menos o século XIX, quando começou a perder espaço para outros países produtores.
Café árabe no Brasil - imigração
A imigração árabe remonta ao final do século XIX, atribuída principalmente à ausência de liberdade e conflitos religiosos - como os decorrentes da dominação turco-otomana na região -, diferindo de outros movimentos migratórios do período em que trabalhadores eram subvencionados pelos fazendeiros e pelo governo para trabalhar na lavoura. Boa parte desses imigrantes atuou no comércio, iniciando como caixeiros-viajantes, e depois se estabelecendo como varejistas e até mesmo industriais, consolidando uma rede de negócios formada por conterrâneos de diferentes gerações.
Outros dois movimentos de deslocamentos mais recentes e relevantes foram os de libaneses, entre 1975 e 1990, e o de sírios, após 2011, ambos motivados por guerras civis. Este último ganhou maior impulsão com o avanço do Estado Islâmico na região a partir de 2013, levando um número maior de sírios a emigrar na condição de refugiados. Provenientes de diversas profissões, muitos encontraram na culinária típica de seus países um meio de subsistência em seu novo país.
Memória do
Café Árabe
Em 2017 o Museu do Café iniciou o projeto de História Oral “Memórias do Café Árabe”, buscando tradições, ritos e costumes ligados a essa forma de preparo nas memórias de imigrantes e refugiados árabes no Brasil. Foram registradas, principalmente, narrativas de pessoas do Líbano e da Síria que vieram ao Brasil, em diferentes contextos, desde a década de 1970 até os dias atuais.Apesar de existirem diferenças entre os países dos entrevistados e os países que registraram o patrimônio na Unesco , percebe-se grande semelhança quanto à forma de preparo – mesmo com a utilização de outros instrumentos – quanto aos costumes, e quanto ao caráter simbólico do café, sempre ligado à hospitalidade e generosidade. Ainda que nem todos entrevistados bebam ou preparem esse café tradicional em seu cotidiano, eles reconhecem sua importância para a identidade de suas comunidades, trazendo uma memória coletiva sobre o café árabe em suas narrativas.
Salah Mohamad Ali. Foto de PC Pereira. (2019) by Museu do CaféMuseu do Café
Talal Al-Tinawi. Foto de PC Pereira. (2019) by Museu do CaféMuseu do Café
Georges Barakat. Foto de PC Pereira. (2019) by Museu do CaféMuseu do Café
Oula Al-Saghir. Foto de PC Pereira. (2019) by Museu do CaféMuseu do Café
O patrimônio imaterial do café árabe - o documento da Unesco
O documento da Unesco
Em 2003, dando continuidade aos esforços da comunidade internacional, a Unesco cria a Convenção de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Dá-se o nome de patrimônio cultural imaterial às manifestações culturais, às tradições, às técnicas e aos saberes transmitidos entre as gerações e reproduzidos pelas comunidades ou grupos.
Em 2015, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Omã e Qatar, com anuência de suas comunidades locais, inscreveram o Café Árabe na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade, da Unesco. No documento, cada país descreve técnicas, costumes e rituais ligados ao café árabe, cada um com suas particularidades, mas com uma grande semelhança.
Ritual do café: técnica
Apesar de algumas diferenças regionais, o café árabe geralmente segue as mesmas etapas: o carvão é aceso em um pequeno fogão (alseridan ou alkwar) ou uma fogueira; os grãos verdes são colocados em uma espécie de frigideira de ferro com um longo cabo (altawa) para a torra, mexidos por uma peça de ferro comprida com a ponta chata (almehmas); depois de torrados, grãos são colocados em um recipiente retangular de madeira para esfriar (almabrad); são moídos triturados em um almofariz ou pilão (almenhaz), muitas vezes já com o cardamomo; os grãos torrados e moídos são colocados em uma grande cafeteira (dallah) para ferver; acrescentam-se na bebida cardamomo, caso não tenha sido moído com o café, e, as vezes, outros temperos, como açafrão, colocando a cafeteira novamente para ferver; o café é transferido a uma cafeteira (dallah) menor e, geralmente, de aparência mais refinada, e servido em pequenas xícaras sem alça (fonjals ou finjans).
*Os termos dos utensílios são específicos dos Emirados Árabes Unidos, podendo variar de região para regiãorecebendo denominações diferentes nos outros países.
Ritual do Café: etiqueta
O preparo do café acontece na frente dos convidados, e, algumas etapas, como a moagem, podem ser acompanhadas de cantoria e música, principalmente quando feitas por beduínos. Em eventos ou em majlis de autoridades, o café costuma ser servido por um profissional, oferecendo primeiro à pessoa mais velha ou à maior autoridade presente. Ele segura a cafeteira na mão esquerda, e várias xícaras na mão direita, que são chacoalhadas fazendo um som para avisar os convidados que o café será servido. A bebida é oferecida em pequenas quantidades e bastante quente, e por repetidas vezes, até que o convidado indique que está satisfeito, geralmente virando a xícara de um lado para o outro ou colocando a mão sobre ela. O costume é aceitar pelo menos uma dose, e não mais do que três.
Majlis
Os majlis são espaços culturais e sociais presentes em alguns países árabes que podem ser traduzidos como “espaços de sentar”, onde membros de uma comunidade se reúnem para discutir questões locais, políticas, eventos, ou receber convidados. O café árabe é tradicionalmente servido nos majlis. Não por acaso, ambos foram inscritos no mesmo ano e por solicitação dos mesmos países na lista representativa de patrimônio imaterial da Unesco.
Os majlis podem variar de acordo com o país, com o ambiente, com o status social de seu dono, e com a ocasião. Apesar da diminuição do papel social dos majlis com as transformações econômicas e políticas nesses países, eles ainda são importantes na preservação das tradições e são parte da identidade de suas comunidades.
Objetos para preparo do café árabe (2019) by Museu do CaféMuseu do Café
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
João Doria
Governador do Estado de São Paulo
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Cláudia Pedrozo
Secretária - Adjunta de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
INSTITUTO DE PRESERVAÇÃO E DIFUSÃO DA HISTÓRIA DO CAFÉ E DA IMIGRAÇÃO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO (INCI)
Guilherme Braga Abreu Pires Filho
Presidente
Carlos Henrique Jorge Brando
Vice-presidente
Alessandra de Almeida Santos
Diretora Executiva
Thiago Santos
Diretor Administrativo-financeiro
Daniel Ramos
Gerente Administrativo-financeiro
Caroline Nóbrega
Gerente de Comunicação e Desenvolvimento Institucional
Marcela Rezek
Coordenadora Técnica do Museu da Imigração
Bruno Bortoloto do Carmo
Pietro Marchesini Amorim
Pesquisa
Bruno Bortoloto do Carmo
Produção
Osvaldo Abreu
Assistente de produção
Equipe Técnica do Museu do Café
Curadoria
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