O jogo e o povo

As Origens do Futebol no Brasil

Docas do Mercado da Praia do Peixe (1892), de Coleção G. ErmakoffMuseu do Futebol

O que nos une...

Nos portos brasileiros, no final do século XIX, desembarcava gente de todo o tipo: jovens de famílias abastadas que voltavam dos estudos na Europa, as primeiras levas de trabalhadores imigrantes, engenheiros e construtores das estradas de ferro que abriam o interior do país, marinheiros vindos de todo o mundo. O que, entre migrantes com perfis sociais tão variados, poderia ser comum? 

Damas com travesseiros nas mãos (1917), de Museu da Imagem e do Som / RJMuseu do Futebol

Estação Vila Mariana em Santo Amaro (1900), de Fundação Energia e Saneamento SPMuseu do Futebol

Bolas (1900/1927), de Museu do FutebolMuseu do Futebol

... é a bola.

A resposta está em um objeto esférico, feito de borracha e couro e jogado com os pés.

Operários na fabricação de ferraduras (1910), de Iconographia / Cia da MemóriaMuseu do Futebol

Com a bola, veio o futebol, ou melhor, football.

De origem britânica, esse esporte rapidamente se espalhou pelo mundo, de porto em porto, de ferrovia em ferrovia, de colégio em colégio. No Brasil, ele foi introduzido e apropriado por diferentes camadas sociais: dos ricos estudantes a trabalhadores urbanos das fábricas de São Paulo e Rio de Janeiro.

Mas não sem ser marcado pelo abismo social da época.

Imagem de Charles Miller (2013), de Hugo TakeyamaMuseu do Futebol

Charles Miller,

estudante paulista e descendente de ingleses, é um personagem de destaque nessa história. Em novembro de 1894, depois de estudar durante dez anos em Southampton, trouxe da Inglaterra a bola e o livro de regras da Football Association, que fora instituído em 1863. Alguns meses depois, em abril de 1895, ele ajudou a organizar uma partida entre os times das empresas São Paulo Railway e São Paulo Gaz Company, numa região da capital paulista chamada Várzea do Carmo.

Livro de regras, 1880, Da coleção de: Museu do Futebol
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Esquina da Rua Líbero Badaró (1900), de Iconographia / Cia da MemóriaMuseu do Futebol

Os pátios das fábricas, as várzeas dos rios, as ruas recém-pavimentadas, os terrenos baldios, tudo era campo de futebol. E este nem sempre foi como conhecemos hoje.

Quer saber como eram as linhas e marcações de um campo de futebol, desde a definição das regras na Inglaterra, em 1863 até 1902?

Charles Miller entre os companheiros do S.P.A.C. (1894/1900), de Centro Britânico SPMuseu do Futebol

Clubes e Associações Atléticas

Na passagem do século XIX para o XX, as atividades esportivas mais praticadas nos centros urbanos eram o remo, o críquete, a corrida de cavalos, o turfe e o ciclismo. Assim, os primeiros clubes dedicavam-se a essas práticas, como o São Paulo Athletic Club, clube fundado em 1888. Este clube formou, em 1894, um dos primeiros times de futebol, liderado por Charles Miller. Em 1898 veio o time da Associação Atlética Mackenzie College.

Equipe de remo do Vasco, Acervo Clube de Regatas Vasco da Gama, 1905, Da coleção de: Museu do Futebol
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Público na Avenida Beira-Mar, Acervo Clube de Regatas Vasco da Gama, 1905, Da coleção de: Museu do Futebol
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Basquete feminino na Associação Atlética São Paulo. (1920/1929), de Associação Atlética São Paulo/Direitos ReservadosMuseu do Futebol

Clubes de elite

Nas primeiras décadas do século XX, o futebol no Brasil era uma prática amadora, destinada ao tempo-livre de estudantes que podiam exibir as modas civilizadas que aportavam da Europa. Jogar futebol nos clubes era uma prática para jovens ricos, feita apenas por divertimento e lazer.

Sócios do Club Sportivo de Equitação (1910), de Museu da Imagem e do Som / RJMuseu do Futebol

O ambiente dos clubes revelava os costumes da elite e assistir a partidas esportivas, seja do futebol, do tênis, críquete ou outra atividade, era um evento voltado para a alta sociedade.

Casamentos e negócios eram tramados nos eventos esportivos.

Torcedores no Estádio das Laranjeiras (1920), de Acervo Fluminense Futebol ClubeMuseu do Futebol

O espaço era socialmente controlado, longe dos eventos de massa que tomariam a cena a partir das décadas seguintes.

A vestimenta desses primeiros torcedores era marcada pela elegância distintiva: chapéus, ternos, vestidos alinhados... e um lenço, adereço de fundamental importância para saudar os atletas.

Olavo Bilac batiza barco da equipe de remo do Botafogo (1901), de Acervo Botafogo de Futebol e RegatasMuseu do Futebol

Com o futebol praticado em clubes, nasce o torcedor.

Dizem que a expressão “torcer”, indicando a  simpatia por uma equipe, veio da prática comum, nas arquibancadas do início do século, de torcer o lenço. Seja para secar o suor da pele nas tardes ensolaradas, seja para balançá-lo durante a vibração pelo time, o lenço era marca registrada das arquibancadas no início do século passado.

Chuteiras (1900/1927), de Museu do FutebolMuseu do Futebol

O primeiro clube destinado exclusivamente ao futebol foi o paulista Sport Club Internacional, fundado em 1899 e já extinto.

Logo depois, no mesmo ano, foi fundado o Sport Club Germânia pelo alemão Hans Nobiling, hoje com o nome de Esporte Clube Pinheiros.

Como o Pinheiros não pratica mais o futebol, considera-se, atualmente, o Sport Club Rio Grande (RS), fundado em 1900, o clube de futebol mais antigo e ainda em atividade no Brasil. É conhecido como “vovô”.

Na primeira década do século XX, a organização de campeonatos de futebol ensaiava seus primeiros passos.

Charles Miller entre os companheiros do S.P.A.C. (1894/1900), de Centro Britânico SPMuseu do Futebol

Em 1902 é disputado o primeiro Campeonato Paulista – o primeiro campeonato oficial do país – com apenas cinco times, todos da capital: Associação Athletica Mackenzie College, Sport Club Germânia, Club Athletico Paulistano, o Sport Club Internacional e o São Paulo Athletic Club, que levou o primeiro título.

Time do Fluminense (1910), de Iconographia / Cia da MemóriaMuseu do Futebol

No Rio de Janeiro ocorreu um processo semelhante, com destaque para o Fluminense Football Club, fundado em 1902.

Na sequência, em 1904, surgiram o Botafogo Football Club (atual Botafogo de Futebol e Regatas), o Bangu Athletic Club e o América Football Club. O primeiro campeonato carioca, vencido pelo Fluminense, ocorreu em 1906.

Equipe do Bangu, Iconographia / Cia da Memória, 1911, Da coleção de: Museu do Futebol
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Joaquim Antônio com troféus, Acervo Botafogo de Futebol e Regatas, 1904, Da coleção de: Museu do Futebol
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Dirigentes e sócios do Vasco (1920/1929), de Acervo Clube de Regatas Vasco da GamaMuseu do Futebol

Os primeiros times formados por operários (1895/1899), de Iconographia / Cia da MemóriaMuseu do Futebol

Clubes de Operários

A maioria dos clubes de elite proibia a participação de negros e mestiços das agremiações. Mas esses, majoritariamente trabalhadores operários, também praticavam o futebol em suas horas de lazer, nos intervalos dos turnos das fábricas ou nos campos dos subúrbios, formando suas próprias agremiações.

Equipe do Fluminense (1916), de Agência O GloboMuseu do Futebol

Nos anos 1920, o futebol se populariza e conquista de vez as massas.

Em 1919, o Brasil sedia e vence o III Campeonato Sul-Americano.

O Estádio das Laranjeiras, do Fluminense, é construído para receber vinte mil espectadores para esse evento de porte internacional.

É a primeira vez que se constitui uma seleção nacional de futebol e que se torce pela nação brasileira.

Equipe do Flamengo, Agência O Globo, 1915, Da coleção de: Museu do Futebol
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Com essa popularização do futebol, fica cada vez mais difícil para os clubes manter a barreira social contra negros, operários e analfabetos.

A equipe do Vasco da Gama, Acervo Clube de Regatas Vasco da Gama, 1923, Da coleção de: Museu do Futebol
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O Vasco da Gama e o Bangu, no Rio de Janeiro, já apresentavam, nos anos 1920, jogadores que também eram trabalhadores em suas equipes.

Dirigentes e jogadores do Botafogo (1910), de Acervo Botafogo de Futebol e RegatasMuseu do Futebol

Com a proliferação de clubes e a popularização dos campeonatos, fica também difícil sustentar o amadorismo excludente.

Jogadores vindo das camadas mais pobres viam no futebol uma possibilidade de ganho extra e passavam a receber dinheiro para atuar nos clubes.

Os clubes de subúrbio, no Rio de Janeiro, como o Vasco da Gama, pressionavam pelo fim da política amadorista da federação de futebol... Mas os clubes de elite resistiam ao máximo contra os novos tempos.

Equipe do Palestra Italia, Iconographia / Cia da Memória, 1926, Da coleção de: Museu do Futebol
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Equipe do Palestra Italia F. C., atual S.E. Palmeiras, campeã invicta paulista de 1926. De touca branca, o jogador Bianco Gambini, autor do primeiro gol da história da equipe.

Treino do América, Centro Britânico SP, 1915, Da coleção de: Museu do Futebol
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Treino do América F.C. no bairro do Andaraí, Rio de Janeiro, 1915.

Arthur Friedenreich e Fausto, O Maravilha Negra (1930), de Acervo Jornal do ComercioMuseu do Futebol

El Tigre, o primeiro craque

O primeiro jogador do país a ser chamado de “craque” foi Arthur Friedenreich. Neto de alemães, mulato, filho de uma professora com um funcionário da Secretaria de Viação e Obras Públicas. Foi o protagonista da campanha do título brasileiro no Sul-Americano de 1919. Artilheiro da competição, o atacante recebeu o apelido de “El Tigre” dos jornalistas uruguaios.

Réplica da camisa usada pela seleção brasileira (1930), de Museu do FutebolMuseu do Futebol

Profissionalização

A entrada do futebol no campo do esporte profissional ocorreu em 1933, quando o então presidente Getúlio Vargas regulamenta as diretrizes do esporte nacional e permite a prática profissional de jogadores. Iniciou-se, com isso, uma nova era no futebol brasileiro, que já tinha conquistado as massas urbanas, habitantes das grandes cidades. Nas décadas de 1930 e 1940, coube ao rádio um papel fundamental para difundir os principais clubes em todo o Brasil, criar novos ídolos esportivos, formar campeonatos e projetar a seleção nacional. O que viria pela frente é uma história cheia de vitórias e conquistas!

Seleção brasileira em 1934 (1934), de Acervo Iconographia Cia da Memória Direitos ReservadosMuseu do Futebol

O amor ao futebol como disputa apaixonada faz com que se perca de vista o seu papel transformador. Mas o fato é que o futebol tem sido uma ponte efetiva (e afetiva) entre a elite que foi buscá-lo no maior império colonial do planeta, a civilizadíssima Inglaterra, e o povo de um Brasil que, naqueles mil oitocentos e tanto, era constituído de ex-escravos. Juntar brancos e negros, elite senhorial e povo humilde foi sua primeira lição. O futebol demonstrou que o desempenho é superior ao nome de família e a cor da pele. Ele foi o primeiro instrumento de comunicação verdadeiramente universal e moderno entre todos os segmentos da sociedade brasileira. Ele tem ensinado a agregar e desagregar o Brasil por meio de múltiplas escolhas e cidadanias.

- Roberto DaMatta, Antropólogo

Imagem da Sala Origens (2012), de Luciano Mattos BogadoMuseu do Futebol

Essa exposição baseia-se na Sala das Origens da Exposição de Longa Duração do Museu do Futebol.

Os vídeos aqui exibidos fazem parte do vídeo Origens, produzido pelo estúdio Preto e Branco, com direção de Luiz De Franco Neto, montagem de Orlando Malacarne Neto, narração de Milton Gonçalves, trilha sonora de Naná Vasconcelos e texto de Leonel Kaz.

Créditos: história

Exposição O Jogo e o Povo

Versão original - 2013

Curadoria | Equipe de Conteúdo do Museu do Futebol
Coordenação | Pedro Sant'Anna
Textos | Daniela Alfonsi, Lucas Donato e Felipe Santos
Diagramação | Pedro Sant'Anna e Lucas Donato
Edição de Vídeo e imagem | Bruna Gottardo e Hugo Takeyama

Versão revisada - 2018

Coordenação | Camila Aderaldo
Adaptação, edição google e tradução | Ana Letícia de Fiori

Créditos: todas as mídias
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes. Portanto, ela pode não representar as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.
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