PRIMEIRO MUNDIAL DE MULHERES NA CHINA

Memórias da jornalista Claudia Silva, única brasileira na cobertura do torneio

Quadro com o logo oficial do Torneio Experimental. (1988/1988), de Museu do FutebolMuseu do Futebol

O TORNEIO

O Torneio Experimental de 1988 foi o primeiro campeonato de mulheres reconhecido pela FIFA. Embora já ocorressem campeonatos entre clubes e torneios amistosos de seleções, faltava o apoio da entidade.

O Mundial aconteceu na China, em Guangzhou, capital da província de Cantão — a terceira maior cidade do país. Realizado em junho daquele ano, o evento contou com a participação de 12 países de todas as confederações continentais.

Relação das jogadoras convocadas. (1988/1988), de Marco Antonio CavalcantiMuseu do Futebol

A SELEÇÃO BRASILEIRA RUMO À CHINA

A Seleção Brasileira foi composta, em sua maioria, por atletas que atuavam nos times do Radar-RJ, Juventus-SP e Brahma-BA. A apresentação delas ocorreu no intervalo de um Fla-Flu, no Estádio do Maracanã. A grande empolgação contrastou com as dificuldades que seriam enfrentadas. 

A falta de estrutura era tamanha que as atletas disputaram o torneio usando o fardamento do time masculino. Elas mesmas tiveram que fazer ajustes para melhorar seu caimento. Como se isso não bastasse, cada uma lavava o próprio uniforme no chuveiro, e usavam caneleiras improvisadas de papelão.

Seleção Brasileira posada. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

COBERTURA EM TEMPO REAL POR UMA BRASILEIRA

A cobertura do torneio para a imprensa brasileira ficou a cargo de Claudia Silva, estudante de jornalismo de 22 anos e à época estagiária do Jornal dos Sports. Ela foi a única repórter brasileira a acompanhar a seleção feminina no Mundial. Sua viagem não foi sem percalços, com direito à emissão do visto somente no dia da viagem. Graças a sua persistência, hoje temos registros do nascimento de nossa Seleção Brasileira. 

A Jornalista Claudia Silva ao lado das jogadoras. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

Claudia Jacobs concede depoimento ao Museu do Futebol, São Paulo
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O envio da matéria era por telex, um desafio ainda maior devido ao teclado ter formatação diferente ao usado no Brasil. A custo baixo de operação, a redação do Jornal dos Sports chamava o hotel, entre 4 e 5 da manhã na China e Claudia corria para digitar o texto. Não havia envio de fotos. Os registros produzidos foram feitos com seu equipamento particular e publicados ao retornar. O jornal forneceu apenas uma quantidade de filmes, mas a repórter adquiriu material extra e pagou pelas ampliações.

Claudia posa em frente ao rio Tâmisa em Londres, durante a escala para retorno ao Brasil. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

Por meio de seu acervo pessoal e de suas memórias, esta exposição virtual busca contar um pouco desta história que completa 35 anos em 2023 — ano da 9ª Copa do Mundo. 

O VERÃO CHINÊS

Com temperaturas altíssimas e chuva abundante, o verão chinês foi o primeiro adversário da delegação brasileira. O clima foi preponderante para que os jogos e os treinos ocorressem no fim da tarde. Claudia narra que o hotel onde o grupo se hospedou ficava em frente ao Rio das Pérolas, o terceiro maior do país. Por conta do aquecimento da massa de ar ocasionado pelo clima quente, a sensação de calor era ainda maior. 

Claudia Silva e a jogadora Pelezinha em treino da seleção. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

Os tonéis de água estavam por todos os lados devido ao calor. No entanto, como relata Claudia: "Na China não tem esse costume de água gelada, sabe? A gente tem. Imagina água natural naquele sol de 40°?!". 

Hall do hotel em Guangzhou. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

Jogadoras no aquecimento. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL

A primeira partida da Seleção Brasileira foi contra a Austrália. Claudia registrou em sua coluna: "Na estreia, as brasileiras foram derrotadas pelas australianas por 1 x 0 e sentiram muito os problemas provocados pelo fuso horário e má adaptação alimentação chinesa".

Ainda na fase de grupos, a Seleção Brasileira jogou contra a Noruega. Além de as europeias estarem invictas havia 28 jogos, possuíam uma excelente estrutura. A zagueira Suzana comenta que, enquanto as norueguesas tinham kit individual de primeiros socorros, as brasileiras não possuíam sequer remédios. Apesar disso, o duelo foi vencido pelo Brasil por 2 x 1, com gols de Roseli e Michael Jackson. Claudia Silva destacou a organização defensiva como ponto forte, com bela atuação da zagueira Marisa.

Seleções perfiladas no estádio Jiangm. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

FASE DE GRUPOS

"O primeiro choque que tive como profissional foi a distância que a gente estava" [...] "ver como as norueguesas e as australianas eram tratadas. O respeito pelo esporte foi um baque!" — Claudia Silva Jacobs.

Seleção Brasileira antes da vitória contra a Tailândia. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

FASE DE GRUPOS

O jogo entre brasileiras e tailandesas, ocorrido no Estádio Jiangmen, ficou marcado pela goleada do Brasil por 9 x 0, sacramentando a classificação para as quartas de final, com destaque para a atacante Cebola, que marcou 4 gols. 

No estádio Foshan, Brasil e Holanda disputam vaga na semifinal. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

QUARTAS DE FINAL: BRASIL X HOLANDA

Nas quartas de final, a adversária foi a forte seleção da holandesa. Com gols de Cebola e Sissi, a vitória por 2 x 1 das brasileiras "foi construída através do talento individual de suas jogadoras", registrou Claudia no Jornal dos Sports.

SEMIFINAL

"A seleção brasileira de futebol feminino perdeu a chance de disputar a final do Torneio Mundial da categoria, ao ser derrotada pela Noruega por 2x1. A equipe entrou em campo com dois desfalques e improvisada em várias posições. Apesar disso, não faltou garra". [...] "A partida foi considerada a melhor do torneio pela imprensa. A seleção brasileira disputará o terceiro lugar com a anfitriã, a China, que perdeu para a Suécia por 2x1",  escreveu Claudia no Jornal dos Sports.

Registro do placar eletrônico durante a disputa de pênaltis que terminou em 4x3 para o Brasil. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

ENFRENTANDO AS ANFITRIÃS: BRASIL X CHINA

Em jogo extremamente disputado, assistido por 35 mil pessoas, o Brasil empatou com a China no tempo normal, sem gols. A decisão pelo terceiro lugar foi para os pênaltis. A vitória foi das brasileiras, com direito a uma importante defesa da goleira Simone, em sua única partida.

Torcedores acompanham a partida. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

A torcida chinesa prestigiou o evento, comparecendo em massa aos estádios. O público total foi de 400 mil pessoas. 

O estádio Jiangmen completamente lotado. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

INTERAÇÃO CULTURAL

Um dos destaques desse Mundial foi a receptividade da torcida chinesa com as brasileiras. O encantamento em torno da Seleção se deu tanto pelo futebol praticado, quanto pelo tom de pele das atletas. Conforme a jornalista, eles não estavam acostumados com a presença negra. Cabe contextualizar que, no período do torneio, a novela "A Escrava Isaura", da TV Globo, era sucesso de audiência na China. 

Claudia Silva e a jogadora Marisa com um grupo de crianças chinesas. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

A goleira Simone posa para foto. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

As craques brasileiras tornaram-se celebridades na China. A cada drible realizado por elas, a torcida explodia de empolgação. Provavelmente, dizem as jogadoras, nunca tinham visto uma mulher fazer aquilo com a bola.

Seleção Brasileira no jantar oficial da FIFA. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

Durante a competição, houve o jantar em homenagem ao então presidente da FIFA, João Havelange. Claudia relata que os agasalhos utilizados pelas atletas brasileiras e tailandesas na ocasião, destoavam dos trajes formais das demais delegações.

Claudia com a equipe de jornalistas da Noruega. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

COBERTURA NORUEGUESA

O profissionalismo da equipe de imprensa norueguesa chamou a atenção de Claudia, em contraponto à situação de ser a única representante da imprensa brasileira. 

A CAMPEÃ

Na primeira fase do Mundial, a Noruega obteve duas vitórias: contra Tailândia e Austrália. Seu único revés foi contra a Seleção Brasileira. Nas fases finais, eliminou a seleção dos EUA nas quartas de final, e a do Brasil na semifinal. Sagrou-se campeã em jogo contra a Suécia, vencido pelo placar de 1 x 0. 

Visita ao lendário Estádio Wembley. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

DE VOLTA PRA CASA

Devido à falta de voo para o Brasil, a delegação ficou três dias em Londres. Nesse período, parte da comissão técnica e algumas jogadoras se animaram a visitar pontos turísticos da cidade. Claudia, que falava fluentemente inglês, se tornou a guia turística do grupo.

A artilheira Cebola e a comissão técnica posando para foto em frente ao Routemasters, clássico ônibus vermelho de dois andares, em Londres. (1988/1988), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

A jornalista Claudia Silva Jacobs. (2022/2022), de Direitos ReservadosMuseu do Futebol

O PIONEIRISMO DE UMA MULHER NEGRA NA COBERTURA DO MUNDIAL

"A preparação, a oportunidade, as questões políticas, tudo nessa viagem marcou toda a minha vida. Primeiro entendi que o Futebol Feminino deveria ser encarado seriamente, com profissionais preparados, reconhecidos e remunerados de forma justa. Depois como outros países tiravam o melhor resultado de seus talentos. Vi as dificuldades e a vontade dessas meninas que mudaram a história da modalidade no Brasil. E a elas devemos a semente do que temos hoje. Viva as pioneiras!" — Claudia Silva Jacobs. 

Créditos: história

MUSEU DO FUTEBOL
São Paulo, abril de 2023.

IDBRASIL CULTURA, EDUCAÇÃO E ESPORTE - Organização Social de Cultura gestora do Museu do Futebol
Conselho de Administração
Presidente - Carlos Antonio Luque
Diretora Executiva - Renata Vieira da Motta
Diretora Administrativa e Financeira - Vitoria Boldrin
Diretora Técnica - Marilia Bonas

Exposição Primeiro mundial de mulheres na China: memórias da jornalista Claudia Silva, única brasileira na cobertura do torneio
Curadoria e textos: Claudia Silva Jacobs e Everton Apolinário
Metadados e montagem: Dóris Régis e Everton Apolinário
Revisão: Ademir Takara, Fiorela Bugatti, Marcel Tonini e Renata Beltrão
Tratamento de imagens e edição de áudio: Hugo Takeyama

Esta exposição virtual foi produzida dentro da Temporada 2023 do Museu do Futebol, realizada com recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Créditos: todas as mídias
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes. Portanto, ela pode não representar as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.

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