Café Árabe, um símbolo de generosidade

Vida Beduína na Trans-Jordânia. Conjunto de Dallahs em volta do fogo. Autor: Fotógrafo da Colônia dos Estado Unidos em Jerusalém, 1920-1933. Acervo Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. (1930), de Fotógrafo da Colônia dos Estado Unidos em JerusalémMuseu do Café

Poucos grãos percorreram um caminho tão longo quanto o café. Hoje, sua bebida se encontra em todos os continentes e faz parte do cotidiano de milhões de pessoas. Entretanto, até o século XV era praticamente desconhecida: foram os árabes que o transformaram em um produto comercializável e em uma bebida social, despertando o interesse do ocidente. Fincou raiz na identidade árabe de tal modo que ainda hoje se mantém em costumes, tradições e método de preparo passados de geração em geração, recriados pelas comunidades em razão de sua história e ambiente, mas sem perder uma ideia de continuidade – como é característica dos patrimônios culturais imateriais. Em 2015, o Café Árabe foi oficialmente reconhecido como tal pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), assim como também são a roda de capoeira e o frevo, patrimônios brasileiros.

No Brasil, parte dessa herança está presente na memória de vários imigrantes que trouxeram consigo bagagem cultural e memórias de seus países. Apesar dos contrastes nas práticas e nos costumes, árabes e brasileiros têm uma visão muito parecida sob um aspecto cultural do café: ambos consideram a bebida um símbolo de hospitalidade.

Acreditando na importância da diversidade e do intercâmbio cultural entre diferentes comunidades, e buscando a aproximação do público com esse patrimônio por meio dos objetos que lhes são associados e de depoimentos de História Oral, o Museu do Café apresenta a exposição “Café Árabe: Símbolo de Generosidade”.  

Mapa representando o norte da África, península arábica e mediterrâneo. (2019), de Museu do CaféMuseu do Café

A “descoberta” do café
pelos árabes

A data exata da descoberta do café é desconhecida. Sua origem está envolta em lendas, imprecisões e questões etimológicas, devido à escassez de fontes documentais. Porém, há um consenso entre a maioria dos estudiosos do café de que a planta tem origem na Abissínia (atual Etiópia) e a bebida já era conhecida em Aden, no Iêmen, desde meados do século XV, onde era utilizada por praticantes do sufismo – vertente mística do islamismo – devido às suas características estimulantes.  Em algumas décadas ela teria alcançado Medina e Meca; posteriormente chegou ao Cairo, no Egito e na Síria. Nesses locais, o café virou uma bebida secular, expandindo seu consumo e sua comercialização, à época dominada pelos árabes. A conquista de Cairo pelos turcos otomanos, em 1517, é apontada como o possível momento de introdução do café em Constantinopla (atual Istambul) e em outras regiões de seu império, sendo consumido nos diversos kaveh kanes, que inspirariam os cafés europeus. Posteriormente, com o acesso às sementes do café pelos europeus, seu plantio começou a ser testado em diversas colônias ao redor do mundo. Ainda assim, o café iemenita manteve sua fama no mercado internacional até pelo menos o século XIX, quando começou a perder espaço para outros países produtores. 

Loja de sírios no centro de São Paulo (1930), de Museu da ImigraçaoMuseu do Café

Café árabe no Brasil - imigração

 A imigração árabe remonta ao final do século XIX, atribuída principalmente à ausência de liberdade e conflitos religiosos - como os decorrentes da dominação turco-otomana na região -, diferindo de outros movimentos migratórios do período em que trabalhadores eram subvencionados pelos fazendeiros e pelo governo para trabalhar na lavoura. Boa parte desses imigrantes atuou no comércio, iniciando como caixeiros-viajantes, e depois se estabelecendo como varejistas e até mesmo industriais, consolidando uma rede de negócios formada por conterrâneos de diferentes gerações.

Outros dois movimentos de deslocamentos mais recentes e relevantes foram os de libaneses, entre 1975 e 1990, e o de sírios, após 2011, ambos motivados por guerras civis. Este último ganhou maior impulsão com o avanço do Estado Islâmico na região a partir de 2013, levando um número maior de sírios a emigrar na condição de refugiados. Provenientes de diversas profissões, muitos encontraram na culinária típica de seus países um meio de subsistência em seu novo país. 

Rakwe (1930), de Museu do CaféMuseu do Café

Memória do
Café Árabe

Em 2017 o Museu do Café iniciou o projeto de História Oral “Memórias do Café Árabe”, buscando tradições, ritos e costumes ligados a essa forma de preparo nas memórias de imigrantes e refugiados árabes no Brasil. Foram registradas, principalmente, narrativas de pessoas do Líbano e da Síria que vieram ao Brasil, em diferentes contextos, desde a década de 1970 até os dias atuais.Apesar de existirem diferenças entre os países dos entrevistados e os países que registraram o patrimônio na Unesco , percebe-se grande semelhança quanto à forma de preparo – mesmo com a utilização de outros instrumentos – quanto aos costumes, e quanto ao caráter simbólico do café, sempre ligado à hospitalidade e generosidade. Ainda que nem todos entrevistados bebam ou preparem esse café tradicional em seu cotidiano, eles reconhecem sua importância para a identidade de suas comunidades, trazendo uma memória coletiva sobre o café árabe em suas narrativas. 

Salah Mohamad Ali. Foto de PC Pereira. (2019), de Museu do CaféMuseu do Café

Salah Muhamad Ali nasceu na cidade de Kamed el Laouz, no Líbano, em 1953. Imigrou para o Brasil em 1977, por causa da guerra civil em seu país. Estabeleceu-se em São Paulo, inicialmente, mudando-se para São Vicente e, depois, para Mongaguá. Sempre trabalhou com o comércio e, atualmente, é presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Santos e Litoral Paulista. A entrevista foi realizada em 2017.
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Salah Muhamad Ali nasceu na cidade de Kamed el Laouz, no Líbano, em 1953. Imigrou para o Brasil em 1977, por causa da guerra civil em seu país. Estabeleceu-se em São Paulo, inicialmente, mudando-se para São Vicente e, depois, para Mongaguá. Sempre trabalhou com o comércio e, atualmente, é presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Santos e Litoral Paulista. A entrevista foi realizada em 2017.
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Salah Muhamad Ali nasceu na cidade de Kamed el Laouz, no Líbano, em 1953. Imigrou para o Brasil em 1977, por causa da guerra civil em seu país. Estabeleceu-se em São Paulo, inicialmente, mudando-se para São Vicente e, depois, para Mongaguá. Sempre trabalhou com o comércio e, atualmente, é presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Santos e Litoral Paulista. A entrevista foi realizada em 2017.
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Talal Al-Tinawi. Foto de PC Pereira. (2019), de Museu do CaféMuseu do Café

Talal Al-Tinawi nasceu na cidade de Damasco, na Síria, em 1973. Veio ao Brasil com sua família em 2013, por causa da guerra em seu país, estabelecendo-se em São Paulo. Apesar de ser engenheiro mecânico, trabalha como cozinheiro em seu restaurante de culinária síria. A entrevista foi realizada em 2017.
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Georges Barakat. Foto de PC Pereira. (2019), de Museu do CaféMuseu do Café

Georges Barakat nasceu na cidade de Zgharta, no Líbano, em 1979. Imigrou para o Brasil em 2004. Formado em Engenharia Mecânica, veio para conhecer o país, mas acabou se estabelecendo no comércio de pessoas conhecidas. Posteriormente, abriu seu restaurante, se tornando chef de cozinha. A entrevista foi realizada em 2018.
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Georges Barakat nasceu na cidade de Zgharta, no Líbano, em 1979. Imigrou para o Brasil em 2004. Formado em Engenharia Mecânica, veio para conhecer o país, mas acabou se estabelecendo no comércio de pessoas conhecidas. Posteriormente, abriu seu restaurante, se tornando chef de cozinha. A entrevista foi realizada em 2018.
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Georges Barakat nasceu na cidade de Zgharta, no Líbano, em 1979. Imigrou para o Brasil em 2004. Formado em Engenharia Mecânica, veio para conhecer o país, mas acabou se estabelecendo no comércio de pessoas conhecidas. Posteriormente, abriu seu restaurante, se tornando chef de cozinha. A entrevista foi realizada em 2018.
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Oula Al-Saghir. Foto de PC Pereira. (2019), de Museu do CaféMuseu do Café

Oula Al-Saghir nasceu em 1981, na cidade de Homs, na Síria, mas sua família é palestina. Saiu de seu país por causa da guerra e, após uma passagem pelo Egito, chegou ao Brasil em 2015. Se estabeleceu em São Paulo e, atualmente, administra um bar no centro da cidade com seu marido. A entrevista foi realizada em 2019.
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Oula Al-Saghir nasceu em 1981, na cidade de Homs, na Síria, mas sua família é palestina. Saiu de seu país por causa da guerra e, após uma passagem pelo Egito, chegou ao Brasil em 2015. Se estabeleceu em São Paulo e, atualmente, administra um bar no centro da cidade com seu marido. A entrevista foi realizada em 2019.
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Gravura do livro “O bom uso do chá, do café e do chocolate” de Nicolas Blegny, publicado em 1687. Autor: Rogerio Bomfim, c. 2013. Acervo Museu do Café. (1687), de Museu do CaféMuseu do Café

O patrimônio imaterial do café árabe - o documento da Unesco

Tribos Adwan-Louzi. Torrando café na tenda do Sheik Majid. Autor: John David Whiting, 1934. Acervo Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. (1934), de John David WhitingMuseu do Café

O documento da Unesco

Em 2003, dando continuidade aos esforços da comunidade internacional, a Unesco cria a Convenção de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Dá-se o nome de patrimônio cultural imaterial às manifestações culturais, às  tradições, às  técnicas e aos saberes transmitidos entre as gerações e reproduzidos pelas comunidades ou grupos.

Em 2015, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Omã e Qatar, com anuência de suas comunidades locais, inscreveram o Café Árabe na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade, da Unesco. No documento, cada país descreve técnicas, costumes e rituais ligados ao café árabe, cada um com suas particularidades, mas com uma grande semelhança. 

Tribos Adwan-Louzi. Moendo de café na tenda do Sheik Majid. Autor: John David Whiting, 1934. Acervo Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. (1934), de John David WhitingMuseu do Café

Ritual do café: técnica

Apesar de algumas diferenças regionais, o café árabe geralmente segue as mesmas etapas: o carvão é aceso em um pequeno fogão (alseridan ou alkwar) ou uma fogueira; os grãos verdes são colocados em uma espécie de frigideira de ferro com um longo cabo (altawa) para a torra, mexidos por uma peça de ferro comprida com a ponta chata (almehmas); depois de torrados, grãos são colocados em um recipiente retangular de madeira para esfriar (almabrad); são moídos triturados em um almofariz ou pilão (almenhaz), muitas vezes já com o cardamomo; os grãos torrados e moídos são colocados em uma grande cafeteira (dallah) para ferver; acrescentam-se na bebida cardamomo, caso não tenha sido moído com o café, e, as vezes, outros temperos, como açafrão, colocando a cafeteira novamente para ferver; o café é transferido a uma cafeteira (dallah) menor e, geralmente, de aparência mais refinada, e servido em pequenas xícaras sem alça (fonjals ou finjans).

*Os termos dos utensílios são específicos dos Emirados Árabes Unidos, podendo variar de região para regiãorecebendo denominações diferentes nos outros países.     

Tribos Adwan-Louzi. Preparando café na tenda do Sheik Majid. Autor: John David Whiting, 1934. Acervo Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. (1934), de John David WhitingMuseu do Café

Ritual do Café: etiqueta

O preparo do café acontece na frente dos convidados, e, algumas etapas, como a moagem, podem ser acompanhadas de cantoria e música, principalmente quando feitas por beduínos. Em eventos ou em majlis de autoridades, o café costuma ser servido por um profissional, oferecendo primeiro à pessoa mais velha ou à maior autoridade presente. Ele segura a cafeteira na mão esquerda, e várias xícaras na mão direita, que são chacoalhadas fazendo um som para avisar os convidados que o café será servido. A bebida é oferecida em pequenas quantidades e bastante quente, e por repetidas vezes, até que o convidado indique que está satisfeito, geralmente virando a xícara de um lado para o outro ou colocando a mão sobre ela. O costume é aceitar pelo menos uma dose, e não mais do que três.    

Homem preparando tradicional café árabe em Doha, Catar. Autor: Hussein Al-Shafai, 2014. Acervo Shutter Stock. (2014), de Hussein Al-ShafaiMuseu do Café

Majlis

Os majlis são espaços culturais e sociais presentes em alguns países árabes que podem ser traduzidos como “espaços de sentar”, onde membros de uma comunidade se reúnem para discutir questões locais, políticas, eventos, ou receber convidados. O café árabe é tradicionalmente servido nos majlis. Não por acaso, ambos foram inscritos no mesmo ano e por solicitação dos mesmos países na lista representativa de patrimônio imaterial da Unesco.

Os majlis podem variar de acordo com o país, com o ambiente, com o status social de seu dono, e com a ocasião. Apesar da diminuição do papel social dos majlis com as transformações econômicas e políticas nesses países, eles ainda são importantes na preservação das tradições e são parte da identidade de suas comunidades. 

Objetos para preparo do café árabe (2019), de Museu do CaféMuseu do Café

Créditos: história

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

João Doria
Governador do Estado de São Paulo

Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo

Cláudia Pedrozo
Secretária - Adjunta de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo

INSTITUTO DE PRESERVAÇÃO E DIFUSÃO DA HISTÓRIA DO CAFÉ E DA IMIGRAÇÃO

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO (INCI)

Guilherme Braga Abreu Pires Filho
Presidente

Carlos Henrique Jorge Brando
Vice-presidente

Alessandra de Almeida Santos
Diretora Executiva

Thiago Santos
Diretor Administrativo-financeiro

Daniel Ramos
Gerente Administrativo-financeiro

Caroline Nóbrega
Gerente de Comunicação e Desenvolvimento Institucional

Marcela Rezek
Coordenadora Técnica do Museu da Imigração

Bruno Bortoloto do Carmo
Pietro Marchesini Amorim
Pesquisa

Bruno Bortoloto do Carmo
Produção

Osvaldo Abreu
Assistente de produção

Equipe Técnica do Museu do Café
Curadoria

Créditos: todas as mídias
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