A Guerra de Canudos na coleção Flávio de Barros

Agraciada com o Prêmio Memória do Mundo da Unesco em 2009, esta coleção preserva os únicos registros fotográficos de um dos conflitos mais sangrentos da história do Brasil

"Vista parcial de Canudos ao Norte" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

Foi num século passado, no interior da Bahia...

A Guerra de Canudos aconteceu entre 1896 e 1897 e opôs forças militares enviadas pelos governos da União e dos Estados aos moradores da comunidade religiosa de Belo Monte, situada no Arraial de Canudos, no sertão da Bahia.

A comunidade religiosa de Belo Monte

Fundada pelo beato Antônio Conselheiro em 1893, ela atraiu milhares de pessoas atraídas pelas promessas de salvação eterna e de alívio terreno da seca e da miséria. Esta foto mostra um panorama de Belo Monte na época da guerra, quando existiam cerca de 5 mil casas no local.

"Antônio Conselheiro", de Ivan Wasth RodriguesMuseu da República

O Conselheiro

O beato Antônio Vicente Mendes Maciel era um pregador famoso no sertão baiano e sergipano. Em seus sermões, criticava o regime republicano por conta de medidas "anticristãs" como o casamento civil, a separação entre Igreja e Estado e a secularização dos cemitérios.

Guerra total contra Canudos

O rápido crescimento de Belo Monte desafiava a autoridade da Igreja e dos senhores de terras locais. As críticas causadas pelo fracasso das três primeiras expedições militares contra o arraial levaram o governo federal a mobilizar uma quarta ofensiva, maior e melhor armada.

"Flavio de Barros Fotógrafo Expedicionário" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

Flávio de Barros, nossos olhos em Canudos

Em março de 1897, a quarta expedição chegou à Bahia. Para registrá-la, o Exército contratou o fotógrafo Flávio de Barros, dono de um estúdio em Salvador. Nesta exposição, veremos algumas das 68 fotos tiradas por ele entre agosto e outubro de 1897.

"Rios Vaza-Barris e Umburanas" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

O Brasil do litoral não conhecia o Brasil do sertão

As fotos de Flávio de Barros registram a dura natureza da caatinga: rios secos, solo árido, vegetação pouca e esparsa. Esse ambiente e seus habitantes eram quase desconhecidos nas capitais brasileiras, onde se tinha mais interesse pelas sociedades e culturas européias.

"Divisão Canet" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

No sertão a guerra era diferente

Os sertanejos eram caçadores e vaqueiros experientes. Atacavam de forma rápida e precisa, levando medo e confusão aos inimigos. Do outro lado, a logística militar era ineficiente. Faltavam comida e equipamentos. Canhões eram arrastados por carros de boi em estradas irregulares.

"Oficiais do 29 batalhão", Flávio de Barros, 1897, Da coleção de: Museu da República
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"Corpo Sanitário e uma jagunça ferida", Flávio de Barros, 1897, Da coleção de: Museu da República
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A quarta expedição buscou corrigir as deficiências logísticas e estratégicas das anteriores. Para apagar a lembrança daqueles fracassos, as fotos de Barros mostravam acampamentos organizados e tropas bem alimentadas, uniformizadas e armadas. As imagens também ofereceriam um contraponto às denúncias dos correspondentes de guerra sobre a crueldade no trato aos prisioneiros. Acima, uma criança conselheirista ferida aparece recebendo atendimento médico.

"Prisão de jagunços pela cavalaria", Flávio de Barros, 1897, Da coleção de: Museu da República
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Morro da Favela, Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, Da coleção de: Museu do Amanhã
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Ao centro da foto à esquerda, onde soldados encenam uma rendição, se vê a árvore espinhenta chamada favela (Cnidoscolus phyllacanthus), abundante em uma elevação de Canudos conhecida como "Morro da Favela". Anos depois, no centro do Rio de Janeiro, chamou-se "Morro da Favela" o morro habitado por soldados e suas famílias, que aguardavam do governo o pagamento pela participação na guerra. O termo "favela" passou a designar as ocupações habitacionais irregulares nas grandes cidades brasileiras.

"Um Jagunço preso" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

O sertanejo e sua armadura

Esta foto mostra um prisioneiro conselheirista trajando a veste de couro curtido que protegia os vaqueiros contra a vegetação espinhosa da caatinga. O destino do homem após a foto é desconhecido; sabe-se, porém, que a degola foi um fim comum a muitos prisioneiros.

"Ataque e incêndio de Canudos" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

Cerco, fome e destruição

A partir de julho, o cerco a Canudos se intensificou. Apesar da tenaz resistência, seus moradores começaram a sofrer a falta de água e comida. A ofensiva final aconteceu entre 1 e 5 de outubro, quando Canudos foi incendiada após um intenso bombardeio de canhões.

"400 jagunços prisioneiros" - Rendição dos seguidores de Antônio Conselheiro (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

Bandeira branca nas ruínas de Canudos

Em 2 de outubro, cerca de 600 conselheiristas, em maioria mulheres, idosos e crianças, se renderam em troca de garantia de vida. Muitos estavam sem água ou comida há dias, doentes ou feridos. Apesar das garantias, no dia seguinte os homens válidos do grupo haviam "desaparecido".

"Cadáveres nas ruínas de Canudos" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

Monumentos da vitória, documentos da barbárie

A 5 de outubro, os últimos defensores de Canudos se renderam: quatro homens, dentre eles um velho e um menino. Flávio de Barros entrou no arraial com os militares vitoriosos e começou a fotografar as ruínas incendiadas de casas e igrejas, além de alguns cadáveres humanos.

"Retrato do Bom Jesus Antonio Conselheiro, depois de exumado" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

Conselheiro está morto, viva a República

Em 6 de outubro, foi encontrada a cova de Antônio Conselheiro, morto desde setembro. Barros fotografou o corpo exumado, cuja cabeça foi cortada e enviada para estudos na Faculdade de Medicina da Bahia. A foto foi usada pelo governo como prova da vitória final sobre Canudos.

"Igreja de Santo Antonio (velha)" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República

As últimas fotos da coleção mostram aspectos do arraial após o conflito final e a rendição. Aqui, um grupo de soldados posa diante das ruínas crivadas de balas da Igreja Velha de Santo Antônio. Estima-se que no conflito morreram cerca de 5 mil militares e 20 mil conselheiristas.

Notícia sobre a exibição, no cinema, das fotos de Flávio de Barros sobre a Guerra de Canudos (1898)Museu da República

Em 1898, 25 fotos da coleção foram exibidas nos cinemas da Capital Federal. Algumas delas ficariam bastante conhecidas a partir de sua publicação no livro "Os Sertões", de Euclides da Cunha. Sobre o fotógrafo Flávio de Barros, porém, nada mais se soube depois.

Toque para explorar

A memória de Canudos emerge das águas

A coleção Flávio de Barros registra a memória de um acontecimento cujos últimos vestígios físicos foram apagados em meados do século XX, quando o arraial foi inundado pelo Açude do Cocorobó. Nesta imagem, o açude é visto do Mirante do Conselheiro, no município baiano de Canudos.

Créditos: história

Museu da República /IBRAM/SECULT
Direção - Mario Chagas
Coordenação Técnica - Livia M. N. Gonçalves
Setor de Comunicação - Henrique Milen


Veja todas as 69 imagens da Coleção Flávio de Barros no Portal Brasiliana Fotográfica.


Montagem e textos: Paulo Celso Liberato Corrêa

Bibliografia:

ALMEIDA, Cícero Antônio F. de. Canudos: imagens da guerra. Rio de Janeiro: Lacerda Editores; Museu da República. 1997.

COSTA, Carla. Cronologia resumida da Guerra de Canudos. Rio de Janeiro: Museu da República, 2017.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963.

MELLO, Frederico Pernambucano de. A Guerra Total de Canudos. São Paulo: Editora A Girafa, 2007.

Créditos: todas as mídias
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