"Vista parcial de Canudos ao Norte" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
Foi num século passado, no interior da Bahia...
A Guerra de Canudos aconteceu entre 1896 e 1897 e opôs forças militares enviadas pelos governos da União e dos Estados aos moradores da comunidade religiosa de Belo Monte, situada no Arraial de Canudos, no sertão da Bahia.
A comunidade religiosa de Belo Monte
Fundada pelo beato Antônio Conselheiro em 1893, ela atraiu milhares de pessoas atraídas pelas promessas de salvação eterna e de alívio terreno da seca e da miséria. Esta foto mostra um panorama de Belo Monte na época da guerra, quando existiam cerca de 5 mil casas no local.
"Antônio Conselheiro", de Ivan Wasth RodriguesMuseu da República
O Conselheiro
O beato Antônio Vicente Mendes Maciel era um pregador famoso no sertão baiano e sergipano. Em seus sermões, criticava o regime republicano por conta de medidas "anticristãs" como o casamento civil, a separação entre Igreja e Estado e a secularização dos cemitérios.
Guerra total contra Canudos
O rápido crescimento de Belo Monte desafiava a autoridade da Igreja e dos senhores de terras locais. As críticas causadas pelo fracasso das três primeiras expedições militares contra o arraial levaram o governo federal a mobilizar uma quarta ofensiva, maior e melhor armada.
Flávio de Barros, nossos olhos em Canudos
Em março de 1897, a quarta expedição chegou à Bahia. Para registrá-la, o Exército contratou o fotógrafo Flávio de Barros, dono de um estúdio em Salvador. Nesta exposição, veremos algumas das 68 fotos tiradas por ele entre agosto e outubro de 1897.
"Rios Vaza-Barris e Umburanas" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
O Brasil do litoral não conhecia o Brasil do sertão
As fotos de Flávio de Barros registram a dura natureza da caatinga: rios secos, solo árido, vegetação pouca e esparsa. Esse ambiente e seus habitantes eram quase desconhecidos nas capitais brasileiras, onde se tinha mais interesse pelas sociedades e culturas européias.
"Divisão Canet" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
No sertão a guerra era diferente
Os sertanejos eram caçadores e vaqueiros experientes. Atacavam de forma rápida e precisa, levando medo e confusão aos inimigos. Do outro lado, a logística militar era ineficiente. Faltavam comida e equipamentos. Canhões eram arrastados por carros de boi em estradas irregulares.
A quarta expedição buscou corrigir as deficiências logísticas e estratégicas das anteriores. Para apagar a lembrança daqueles fracassos, as fotos de Barros mostravam acampamentos organizados e tropas bem alimentadas, uniformizadas e armadas. As imagens também ofereceriam um contraponto às denúncias dos correspondentes de guerra sobre a crueldade no trato aos prisioneiros. Acima, uma criança conselheirista ferida aparece recebendo atendimento médico.
Ao centro da foto à esquerda, onde soldados encenam uma rendição, se vê a árvore espinhenta chamada favela (Cnidoscolus phyllacanthus), abundante em uma elevação de Canudos conhecida como "Morro da Favela". Anos depois, no centro do Rio de Janeiro, chamou-se "Morro da Favela" o morro habitado por soldados e suas famílias, que aguardavam do governo o pagamento pela participação na guerra. O termo "favela" passou a designar as ocupações habitacionais irregulares nas grandes cidades brasileiras.
"Um Jagunço preso" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
O sertanejo e sua armadura
Esta foto mostra um prisioneiro conselheirista trajando a veste de couro curtido que protegia os vaqueiros contra a vegetação espinhosa da caatinga. O destino do homem após a foto é desconhecido; sabe-se, porém, que a degola foi um fim comum a muitos prisioneiros.
"Ataque e incêndio de Canudos" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
Cerco, fome e destruição
A partir de julho, o cerco a Canudos se intensificou. Apesar da tenaz resistência, seus moradores começaram a sofrer a falta de água e comida. A ofensiva final aconteceu entre 1 e 5 de outubro, quando Canudos foi incendiada após um intenso bombardeio de canhões.
"400 jagunços prisioneiros" - Rendição dos seguidores de Antônio Conselheiro (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
Bandeira branca nas ruínas de Canudos
Em 2 de outubro, cerca de 600 conselheiristas, em maioria mulheres, idosos e crianças, se renderam em troca de garantia de vida. Muitos estavam sem água ou comida há dias, doentes ou feridos. Apesar das garantias, no dia seguinte os homens válidos do grupo haviam "desaparecido".
"Cadáveres nas ruínas de Canudos" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
Monumentos da vitória, documentos da barbárie
A 5 de outubro, os últimos defensores de Canudos se renderam: quatro homens, dentre eles um velho e um menino. Flávio de Barros entrou no arraial com os militares vitoriosos e começou a fotografar as ruínas incendiadas de casas e igrejas, além de alguns cadáveres humanos.
"Retrato do Bom Jesus Antonio Conselheiro, depois de exumado" (1897), de Flávio de BarrosMuseu da República
Conselheiro está morto, viva a República
Em 6 de outubro, foi encontrada a cova de Antônio Conselheiro, morto desde setembro. Barros fotografou o corpo exumado, cuja cabeça foi cortada e enviada para estudos na Faculdade de Medicina da Bahia. A foto foi usada pelo governo como prova da vitória final sobre Canudos.
As últimas fotos da coleção mostram aspectos do arraial após o conflito final e a rendição. Aqui, um grupo de soldados posa diante das ruínas crivadas de balas da Igreja Velha de Santo Antônio. Estima-se que no conflito morreram cerca de 5 mil militares e 20 mil conselheiristas.
Em 1898, 25 fotos da coleção foram exibidas nos cinemas da Capital Federal. Algumas delas ficariam bastante conhecidas a partir de sua publicação no livro "Os Sertões", de Euclides da Cunha. Sobre o fotógrafo Flávio de Barros, porém, nada mais se soube depois.
Toque para explorar
A memória de Canudos emerge das águas
A coleção Flávio de Barros registra a memória de um acontecimento cujos últimos vestígios físicos foram apagados em meados do século XX, quando o arraial foi inundado pelo Açude do Cocorobó. Nesta imagem, o açude é visto do Mirante do Conselheiro, no município baiano de Canudos.
Museu da República /IBRAM/SECULT
Direção - Mario Chagas
Coordenação Técnica - Livia M. N. Gonçalves
Setor de Comunicação - Henrique Milen
Veja todas as 69 imagens da Coleção Flávio de Barros no Portal Brasiliana Fotográfica.
Montagem e textos: Paulo Celso Liberato Corrêa
Bibliografia:
ALMEIDA, Cícero Antônio F. de. Canudos: imagens da guerra. Rio de Janeiro: Lacerda Editores; Museu da República. 1997.
COSTA, Carla. Cronologia resumida da Guerra de Canudos. Rio de Janeiro: Museu da República, 2017.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963.
MELLO, Frederico Pernambucano de. A Guerra Total de Canudos. São Paulo: Editora A Girafa, 2007.