No dia 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea, que decretou a abolição formal da escravidão no Brasil. Contudo, as condições do “trabalho livre” a partir dessa data levou a muitos trabalhadores negros das cidades brasileiras perguntarem, que “liberdade” é essa? Essa questão deu origem a trajetórias de luta pela cidadania plena e luta contra o racismo que atravessaram os cem anos que se seguiram a essa data.
Capa da Revista Ilustrada (1984-01), de Acervo do Arquivo do Senado FederalGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Para além do 13 de maio
O 13 de maio de 1888 se tornou uma data ambígua ao longo dos anos. Diante dos caminhos estabelecidos para a abolição formal da escravidão no Brasil, muitos abolicionistas da época já perguntavam: Que “liberdade” é essa? Muitos deles, sendo negros e nascidos livres, encaravam um cotidiano em que o “preconceito de cor” ou “ódio de raça” significava interdições à tal “liberdade”. Não se tratava de um desafio apenas para o recém liberto. Garantia de trabalho, educação, moradia parecia não combinar com mulheres e homens negros. Com a universalização do “trabalho livre”, práticas discriminatórias do passado foram atualizadas. Ao longo dessa exposição, nossa Rádio Amefricana trará narrativas desses sucessivos momentos presentes, junto com canções interpretadas pela sambista e historiadora Cris Pereira.
Sendo um fato que a Lei de 13 de maio de 1888 não inaugurou a liberdade entre africanos e seus descendentes no Brasil, é preciso reconhecer os esforços empreendidos para isso. As alforrias conquistadas, negociadas ou recebidas serviram para que gerações se livrassem da escravidão desde o período colonial e pudessem tornar isso um legado no século XIX. Sonhos de liberdade foram sonhados a partir dessa condição. Em 1881, no Porto de Fortaleza, o jangadeiro negro Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, promoveu uma greve para impedir o embarque de pessoas escravizadas nos navios em que se promovia o tráfico interprovincial. Essa ação foi importante para que o Ceará fosse a primeira província a abolir a escravidão no país, em 1884.
Retrato de Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882), de Fonte: Acervo do Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. br_rjanrio_ph_0_fot_23005_001Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Outro homem negro livre a sonhar e lutar pela liberdade anos antes da abolição foi o rábula, jornalista e poeta Luiz Gama (1830-1882). Rábula era como se chama um advogado licenciado, mas não formado nas faculdades de direito existentes. E foi assim que Gama ficou conhecido por defender centenas de causas de liberdade nos tribunais de São Paulo. Por ter sido ilegalmente escravizado na infância por seu próprio pai, um homem branco, ele acabou sendo levado a perceber a imensa quantidade de pessoas em situação parecida com sua. Eram vítimas de crimes, que deveriam ser reconhecidas como livres por força das leis brasileiras. Ao confrontar defensores do escravismo e outras injustiças, Luiz Gama acabou por colecionar inúmeros episódios do que hoje chamamos de racismo.
Retrato de José Carlos do Patrocínio (1853-1905). s/d., de Acervo: Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. br_rjanrio_ph_0_fot_38240_003Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
José do Patrocínio (1853-1905) foi outro abolicionista negro que muito nos ajuda a perceber os desafios vividos pela gente negra para se afirmar na liberdade. Farmacêutico, jornalista e político, concentrou sua atuação no Rio de Janeiro, embora tenha contribuído para lutas em todo o Brasil. Atento às tentativas de prolongamento da legalidade da escravidão, embora fosse republicano, apoiou a movimentação do governo imperial pelo fim imediato daquele sistema de exploração do trabalho humano. Nas comemorações da abolição, foi saudado por muitos indivíduos e grupos negros que viam nele a representação de seus melhores projetos de futuro. Ao mesmo tempo, foi difamado por outros tantos sob a acusação de o “último negro vendido”... Na Rádio Amefricana, conhecemos um caso de racismo denunciado um ano após a abolição, pelo jornal Cidade do Rio, editado por Patrocínio.
Fotografia de Alberto Henschel, de Acervo: Fundação Joaquim NabucoGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Cabemos no “trabalho livre”?
Ainda durante o período imperial, o trabalho doméstico foi uma das principais ocupações realizadas por mulheres nos centros urbanos de diversas regiões do Brasil. Elas eram mulheres livres, libertas e escravizadas. A partir da segunda metade do século XIX, as dinâmicas e a organização desse ofício passaram por mudanças que estavam diretamente relacionadas às transformações das ideias de raça e gênero no país, além da preocupação das elites com o aumento do número de pessoas negras vivendo em liberdade.
Até o início do séc. XIX, a presença de mulheres negras no trabalho de cozinha era mais recorrente quando comparada às mulheres brancas. O cenário mudou a partir da década de 1880, quando o número de anúncios preterindo trabalhadoras “de cor” aumentou.
Outras profissões em que as mulheres negras eram numerosas passaram a ser perseguidas pelos higienistas. Alguns médicos acreditavam que aspectos morais e doenças como a sífilis poderiam ser transmitidos no ato da amamentação. Por isso, indicavam que evitassem as “amas de cor”.
A amamentação ideal passou a ser aquela feita, prioritariamente, pelas próprias mães. A segunda opção era a utilização de produtos artificiais e mamadeiras ou, até mesmo, diretamente em animais, como cabras. As amas de leite eram indicadas como última alternativa. Em tempos de rearranjo das hierarquias de raça e gênero, essas concepções associaram a imagem de mulheres negras a um tipo de moral inferior, à corporeidade degradada e aos desvios sexuais; processos que repercutiram nas trajetórias dessas trabalhadoras no mercado de trabalho.
Vicente de Souza Photo Portrait. A Imprensa (1911-05-01), de Hemeroteca da Biblioteca NacionalGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Movimento operário e as lutas negras por liberdade
Os trabalhadores negros também fizeram parte das primeiras fileiras do operariado brasileiro. No século XIX, um número considerável de fábricas que existiam em diversas regiões do Brasil contou com o trabalho de homens e mulheres negras nas condições de livres, libertos e escravizados. A atuação política dessas pessoas no movimento operário também foi uma realidade. Potencializada pelas lutas abolicionistas, essa foi uma frente importante para o combate ao racismo. Nesse contexto, Vicente de Souza foi um abolicionista, republicano e socialista negro nascido livre, na cidade de Nazaré, Bahia, em 1852. Mas foi no Rio de Janeiro, onde se formou como médico, que ele se destacou nas lutas políticas em defesa da abolição, da educação e dos direitos dos trabalhadores.
José Carlos do Patrocínio Photo Portrait (1880-1969). (1963), de Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_14291_004Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
A Revolta da Chibata, revolta contra o racismo
Em 1910, mais de duas décadas após a abolição formal da escravidão, marinheiros negros se levantaram contra a continuidade de maus tratos e castigos físicos que eram comuns no período de cativeiro e que ainda faziam parte da rotina de trabalho da Marinha Brasileira. Liderada por João Cândido, o Almirante Negro, a Revolta da Chibata parou a cidade do Rio de Janeiro e teve as reivindicações atendidas. No entanto, muitos dos envolvidos no levante foram perseguidos, presos, mortos ou enviados para trabalhar na Amazônia. Após a revolta, João Cândido foi detido no Hospital dos Alienados como louco. Em 1912, foi absolvido e solto. Em seguida, tornou-se estivador e vendedor de peixes. Nascido livre em 1880, na cidade gaúcha de Encruzilhada do Sul, faleceu em 1969, no Rio de Janeiro.
O papel do escravo na civilização brasileira. O Getulino, Campinas, (1923-08), de Centro de Memória da Unicamp - CMUGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
A classe trabalhadora negra se afirma na luta
Os jornais da imprensa negra foram fundamentais na luta contra o racismo sofrido pela classe trabalhadora negra desde o século XIX. O Getulino, um caso emblemático do século XX, foi fundado na cidade de Campinas em 1923, sendo propriedade de Andrade & Moraes, e dirigido por Lino Guedes e Gervásio de Moraes. Em sua edição de 9 de setembro de 1923, o jornal denunciou uma fábrica que impedia a entrada de trabalhadoras negras na linha de produção de tecidos e sublinhou que a ação ia contra os ideais abolicionistas. Em 11 de novembro do mesmo ano, a folha registrou uma ação da polícia nos cortiços da cidade, em que mulheres negras estavam sendo capturadas para servir como empregadas domésticas. Esses episódios de combate ao racismo lembram aqueles que, décadas antes, indivíduos como Luís Gama e José do Patrocínio fizeram também na imprensa, relembrados pela Rádio Amefricana.
estimony by Ozeas Motta on the minimum wage and domestic workers. A Noite, Rio de Janeiro (1939-05-16), de Biblioteca NacionalGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
E não somos trabalhadoras?
No contexto da criação da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, a regulamentação do trabalho doméstico, que já havia se firmado como uma profissão majoritariamente negra, foi excluída na legislação promulgada em 1943.
Nesse período, muitos políticos eram contrários à extensão das regras legais relativas à jornada laboral, férias, horário de descanso e condições de segurança no trabalho para essa categoria. Ozeas Motta, à época, representante dos empregadores na Câmara de Justiça do Trabalho, foi um dos políticos que defendeu a exclusão, sob o argumento que o trabalho doméstico não fazia parte da ideia de trabalho no capitalismo.
Em todo o território brasileiro, a expansão das áreas urbanas nas primeiras décadas do século XX ocorreu com a ampliação da força de trabalho atuando no setor de serviços, garantindo a manutenção e abastecimento das cidades.
São estivadores, carregadores, comerciantes, quitandeiras, engraxates... Assim como na época da greve dos ganhadores que ocorreu em 1857 em Salvador, mobilizando sobretudo homens negros livres e libertos que trabalhavam na prestação de serviços nas ruas, a extensa maioria desses trabalhadores continuou sendo negra após a abolição.
Aula em uma escola de motoristas da CSN (1940/1949), de Source: Arquivo do Centro de Memória do Sul Fluminense, CEMESF-UFF.Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Grande aposta dos projetos do desenvolvimentismo nacional, as indústrias foram espaços de marcação de contraste entre o grande número de operários negros e os poucos sujeitos brancos, quase sempre ocupando posições de autoridade. Embora negados como sujeitos promotores do desenvolvimento do país, os trabalhadores negros podem ser percebidos em muitos dos registros fotográficos produzidos ao longo do século XX. Um exemplo é dado pelas imagens da construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no município de Volta Redonda-RJ na década de 1940. Nesse bloco da Rádio Amefricana, trazemos alguns relatos feitos por trabalhadores do período.
A imprensa operária e o trabalhador negro
Com o passar dos anos, a imprensa operária passou a dar notícias sobre as diversas categorias profissionais. No jornal O Momento, que começou a circular em Salvador em 1945, as descrições sobre a precariedade das condições de trabalho dos operários negros eram constantes. “Salários de fome” (por vezes atrasados), regimes exaustivos de trabalho ou ausência de vestuário e instalações adequadas, que chegavam a colocar em risco a vida dos trabalhadores, eram alguns dos problemas que enfrentavam.
O trabalhador negro se organiza e reivindica seus direitos!
Diante da insalubridade, a organização coletiva foi o caminho natural encontrado por trabalhadores e trabalhadoras de diferentes setores produtivos para reivindicarem condições dignas. No dia 18 de janeiro de 1946, os ferroviários da Bahia se reuniram em Salvador para definir uma série de reclamações para seus empregadores: a contratação definitiva daqueles considerados “extranumerários”, a reforma dos refeitórios e a construção de habitações adequadas. Nesses tensionamentos, as estratégias de luta eram diversas, assim como os problemas que enfrentavam.
Em maio de 1946, os piassaveiros da Bahia resolveram se organizar em uma associação para negociar melhores condições de trabalho. Além de salários baixos e atrasados, a categoria, majoritariamente feminina, protestava contra a demissão de operárias grávidas.
Já em maio de 1947, o Sindicato dos Tecelões de Salvador decidiu recorrer à Justiça do Trabalho diante da recusa das empresas em lhes garantir aumento salarial.
Em janeiro de 1948, os portuários começaram a exigir o “abono natalilo”, direito que em 1962 foi estendido para todas as categorias como décimo terceiro salário, pela Lei n. 4.090/62.
A luta por creches era comum entre as trabalhadoras do Brasil. Historicamente consideradas as principais responsáveis pelo cuidado, as mães trabalhadoras enfrentavam a difícil realidade da ausência de creches para deixar seus filhos e filhas em segurança enquanto trabalhavam.
Laudelina de Campos Melo and Clícia Ambrozio demand unionization in the category. Jornal de Notícias, São Paulo (1946-09-18), de Biblioteca NacionalGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
As trabalhadoras domésticas se organizam!
Nesse mesmo período, as trabalhadoras domésticas estavam organizadas em outras regiões do país para reivindicar direitos para a categoria. No Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, que ocorreu em 11 de setembro de 1946 em São Paulo, Laudelina de Campos Melo, presidenta da Associação Beneficente das Domésticas de Santos, e Clícia Ambrozio, representante dos empregados domésticos da capital paulista, reivindicaram direito à sindicalização da categoria. A Rádio Amefricana nos conta mais detalhes da longa trajetória de luta de Laudelina de Campos Melo.
Trajetórias em movimento
A trajetória de Maria Brandão Reis (1900-1974) foi um exemplo sobre como o movimento de trabalhadores incorporava em sua estrutura debates sobre racismo e sexismo. Líder do Comando 13 de Maio, em Salvador, ela fazia também parte da Federação de Mulheres do Brasil (FMB). Em 1947, Maria Brandão foi premiada pelo jornal O Momento em virtude de seu empenho em uma campanha para reconstruir o periódico. Em 1950 foi uma das lideranças em Salvador da “Campanha pela Paz” organizada pelo PCB e no ano seguinte foi presença importante no Congresso Nacional de Mulheres, que aconteceu em São Paulo.
As mulheres devem organizar-se para sairem da escravidão. O Momento. Salvador. (1946-05-05), de Setor de Periódicos Raro - Biblioteca Central do Estado da BahiaGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Para reivindicar seus direitos, militantes negros buscaram ocupar cargos eletivos na política partidária, composta majoritariamente por homens brancos, oriundos das elites nacionais. Eleito Deputado Federal Constituinte pelo estado da Bahia em dezembro de 1945, Carlos Marighella (1911-1969) exerceu seu mandato ouvindo e defendendo as demandas do proletariado, estando especialmente atento à singularidade da experiência das trabalhadoras. Na experiência baiana, outros trabalhadores negros concorreram a esses espaços no período. Esse foi o caso de Juvenal Souto Junior, Bernardete Santos, Celina Maria Monte, Cosme Ferreira, Jaime Maciel e Sebastião Nunes de Oliveira.
Marighella on meeting with port wokers. O Momento, Salvador (1943-05-03), de Setor de Periódicos Raros - Biblioteca Central do Estado da BahiaGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Ordem e Progresso - O trabalhador negro constrói Brasilia
A construção de Brasília foi um dos maiores deslocamentos de trabalhadores do Brasil no século XX. Profissionais da construção civil de todo o país migraram para o Planalto Central para fazer erguer a nova capital federal, divulgada na época como uma paisagem modernista sem precedentes no mundo. Mas a novidade herdava do Brasil colonial e imperial as relações de trabalho que mantinham as trabalhadoras e os trabalhadores negros majoritariamente em posições subalternas. Alimentava-se, com isso, a ideia de que a existência da gente negra se limitava e se justificava apenas por sua utilidade para o trabalho pesado.
Brasília Airport employee between (1950/1960), de Arquivo Público do Distrito Federal. NOV-D-4-4-C-3 (3070)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Cidade de tábua e mármore
No plano urbanístico de Lúcio Costa para Brasília, previa-se uma cidade para 500.000 habitantes. Esse projeto ignorava o fato de que seus construtores, após o fim da empreitada, precisariam se fixar. Essa demanda se estendia aos trabalhadores que iriam ocupar cargos menos especializados, como faxineiros, copeiras, jardineiros, telefonistas, seguranças, enfermeiras, etc. Ao deparar-se com essa desigualdade desde o primeiro momento, muitos dos seus construtores estabeleceram-se em estruturas extremamente precárias, produzidas a partir do refugo da construção. Ao lembrarmos do conhecimento acumulado por pedreiros e mestres de obras que migraram de todo o Brasil que permitiu erguer os imponentes edifícios do Congresso Nacional, o contraste com as regiões em que moravam os trabalhadores negros nos parece ainda maior.
Construction of Museu Histórico de Brasília (1960), de Arquivo Público do Distrito Federal. NOV-D-4-4-B-2 (396)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Ocupando as escolas
Após a inauguração da cidade, em 1960, o amplo estabelecimento da classe trabalhadora negra do Distrito Federal nas Cidades Satélites permitiu que novos projetos de futuro se formassem nas comunidades que se constituíam em torno de trajetórias familiares comuns. Nesse contexto, a educação figurou, por um lado, como um instrumento do Estado para tentar conter e formar uma nova geração de trabalhadores na subalternidade, mas, por outro, foi transformada por muitas famílias em uma estratégia de ampliação de horizontes e ocupação de espaços sociais interditados à maioria da população brasileira.
27Black female worker studying at nocturnal school for adults (EJA) (1964/1967), de Arquivo Público do Distrito Federal. scs-ff-5-4-b-1 (825)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Workers building an underground passage in Brasília (1969/1974), de Arquivo Público do Distrito Federal. SCS-HF-7-2-B-11 (37923)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
A persistência da desigualdade
Após o Golpe Civil-Militar, a construção civil continuou sendo um importante espaço empregador de homens e mulheres negras na capital federal, revelando como a persistência da desigualdade fazia parte do projeto de modernidade que a fundou. Nesse contexto, a Rádio Amefricana nos trás registros do esforço do estado ditatorial e seus apoiadores em exercer controle sobre trabalhadoras domésticas e mesmo de impedir seu acesso à educação formal.
Trabalhadores construindo calçadas de pedras portuguesas na W3 (1969/1974), de Arquivo Público do Distrito Federal. SCS-HF-7-2-B-7 (49334)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Seminário sobre a discriminação racial no mercado de trabalho (1984), de Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) - UnicampGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
A luta pela democracia
A redemocratização do Brasil e a reorganização dos movimentos sociais são dois processos que ocorreram interligados. Um dos seus marcos é a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978. Nesse período, é possível observar o amplo diálogo entre movimentos de trabalhadores, movimentos antirracistas, antisexistas e de combate à homofobia na construção da ideia de cidadania que deveria ser refundada. Entre esses diálogos, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo realizou, em 1984, um seminário sobre a discriminação racial no mercado de trabalho. Nossa rádio relembra a importancia da intelectual negra Lélia Gonzalez na luta pela democracia no Brasil. No mesmo período, a autora criou a categoria Amefricanidade, que nos inspira aqui, para tratar das experiências comuns e relações de solidariedade entre pessoas negras nas Américas.
Dona Laudelina no VI Congresso Nacional de Empregadas Domésticas (1989-01), de Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) - Unicamp.Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
O debate entre trabalho e racismo continuou com força no movimento das trabalhadoras domésticas. Dona Laudelina, que em 1946 defendeu o direito à sindicalização das trabalhadoras domésticas no Congresso dos Trabalhadores, atravessou toda a ditadura militar mantendo sua luta, que levou à regulamentação da profissão em 2015.
Cartaz do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo para o dia 1 de maio de 1988 (1988), de PACC / UFRJ. Pasta Relações Raciais, coleção Centenário da AboliçãoGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Em todo o país, a luta antirracista, protagonizada por organizações e indivíduos vinculados ao Movimento Negro, ganhou muita força na década de 1980. Um momento de destaque foi justamente o Centenário da Abolição, quando a denúncia do racismo confrontou tentativas de celebração da data que deveria servir para mobilizar um intenso esforço de superação de desigualdades. Sob influência de ativistas do Movimento Negro, o Sindicato dos Metalúrgicos foi uma das entidades mistas que se posicionaram em favor ao combate ao racismo.
artaz da Marcha contra a Farsa da Abolição. Luiz Carlos Gá (1988), de PACC / UFRJ. Pasta Relações Raciais, coleção Centenário da aboliçãoGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Em 1988, foi realizada no Rio de Janeiro a Marcha contra a Farsa da Abolição. Em seu cartaz, o designer Luiz Carlos Gá expõem a perversidade da ideia do 13 de maio ao justapor a reprodução de uma litogravura de Johann Moritz Rugendas, realizada no início do período imperial, e uma imagem feita pelo fotojornalista Luis Morier em 1982 e publicada no Jornal do Brasil com a legenda: "Todos negros, em fila, corda no pescoço, os detidos caminham para a caçapa. Como escravos". Entre os dois contextos, “nada mudou”, diz o cartaz, que por fim convida à mudança, que iniciaria no próximo 11 de maio. Concluímos esse episódio da Radio Amefricana com o poema de Paulo Colina, Operário (1982). Com esse registro poético do escritor e militante que começou a atuar em São Paulo ao final da década de 1970, podemos vislumbrar como a questão do trabalho digno estava na boca daqueles que lutavam contra o racismo durante o processo de democratização.
CULTNE - "Sem" Anos da Abolição - OportunidadeGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
Este painel é parte do projeto de exposições virtuais Nossas Histórias: vidas, lutas e saberes da gente negra, uma parceria entre a Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros com o Geledés – Instituto da Mulher Negra e o Acervo Cultne.
Comissão Editorial: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bethania Pereira, Bruno Pinheiro, Carlos Silva Júnior, Elson Rabelo, Fernanda Oliveira da Silva, Francisco Phelipe Cunha Paz, Idalina Maria Almeida de Freitas, Iracélli da Cruz Alves, Jonatas Roque Ribeiro, Leonardo Angelo da Silva, Lucimar Felisberto dos Santos, Marcus Vinicius de Oliveira e Maria Cláudia Cardoso Ferreira.
Curadoria e pesquisa: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bethania Pereira, Bruno Pinheiro, Elson Rabelo, Iracélli da Cruz Alves, Leonardo Angelo da Silva, Marcus Vinicius de Oliveira e Taina Aparecida Silva Santos
Texto: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bruno Pinheiro, Iracélli da Cruz Alves e Taina Aparecida Silva Santos
Roteiro de Áudio: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bethania Pereira e Leonardo Angelo da Silva
Edição de Áudio: Leonardo Angelo da Silva
Produção: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bruno Pinheiro, Elson Rabelo, Iracélli da Cruz Alves, Leonardo Angelo da Silva, Marcus Vinicius de Oliveira, Taina Aparecida Silva Santos
Tradução: Bethania Pereira e Bruno Pinheiro
Revisão técnica: Ana Flávia Magalhães Pinto e Bruno Pinheiro
Administração: Natália Sena Carneiro
Agradecimentos especiais: Arquivo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Arquivo do Programa Avançado em Cultura Contemporânea da UFRJ, Arquivo Edgard Leuenroth-Unicamp, Arquivo Fotográfico da Companhia Siderúrgica Nacional, Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Centro de Memória da Unicamp, Centro de Memória do Sul Fluminense-UFF, Museu de Arte da Bahia, Rosangela Gomes.
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