O que é o movimento Tropicália?

Descubra a revolução artística e musical que desencadeou uma geração de rebeldes

Do Google Arts & Culture

Metaesquema (1958)Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM São Paulo

Tropicália é um dos movimentos culturais mais significativos do Brasil, abrangendo música, cinema, artes visuais e artes cênicas. O termo Tropicália foi usado pela primeira vez pelo artista Hélio Oiticica, para uma obra de arte de mesmo nome que ele expôs no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967. 

A obra demonstrava o desejo de Hélio de dar à arte contemporânea um caráter especificamente brasileiro. O artista introduziu nesse trabalho a desordem, a criatividade e a coletividade das experiências vividas, injetando uma “realidade brasileira” para subverter a “pureza” do modernismo europeu.

Alguns dizem que o início da Tropicália se deu em 1928, quando o polêmico poeta brasileiro Oswald de Andrade publicou o Manifesto Antropófago. Sob a forma de um ensaio, a principal alegação do autor era a de que o histórico do Brasil de "canibalizar" (ou criar algo novo após absorver) outras culturas era o principal ponto forte do país. Ele dizia que, ao tirar proveito do interesse europeu modernista pelo primitivismo, o canibalismo se tornou uma forma de o Brasil se autoafirmar contra o domínio cultural pós-colonial europeu.

A linha mais icônica do Manifesto, que aparece escrita em inglês, é: “Tupi or not Tupi: that is the question”. Trata-se tanto de uma celebração aos índios tupis, que praticavam algumas formas de canibalismo em rituais, quanto de um exemplo metafórico do canibalismo que “come” Shakespeare ao se basear na famosa frase "To be or not to be, that is the question" (em português, "Ser ou ser, eis a questão").


Gilberto Gil, Arnaldo Baptista, Caetano Veloso, Rita Lee, Nara Leão e Gal Costa em evento de lançamento do disco Tropicália ou Panis et Circencis (1968-08-07)Instituto Gilberto Gil

As ideias apresentadas nesse ensaio e a introdução da Tropicália na esfera cultural por Hélio Oiticica ajudaram a inspirar uma maior mudança cultural e política no Brasil, em que muitos adotaram o espírito de mesclar influências para criar algo único. Um ano depois, em 1968, o sentimento em torno do movimento Tropicália foi resumido no álbum "Tropicália ou Panis et Circencis" (Pão e circo, em latim). O trabalho foi um álbum colaborativo entre os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil (ex-Ministro da Cultura, conhecido como “ministro hacker”), Maria Bethânia, Gal Costa, Os Mutantes, Tom Zé, Nara Leão, Torquato Neto e Rogério Duprat.

Os artistas que se reuniram eram inovadores e combinaram diferentes formas musicais. Um exemplo disso é a faixa-título "Panis et Circenses", escrita por Gilberto Gil e Caetano Veloso e gravada por Os Mutantes. A música é uma sátira das convenções burguesas em resposta ao regime militar e à consequente liberalização econômica em meados da década de 1960. Embora a rejeição de alguns aspectos da sociedade fosse comum na música brasileira, ela nunca havia sido apresentada dessa maneira. A melodia é irregular e mescla elementos da música tradicional brasileira com o rock internacional, além de ter trazido inúmeros instrumentos e sons novos, como o toque de cornetas. Não é de se surpreender que, em 2009, ela tenha sido eleita a 7ª melhor música brasileira pela edição nacional da revista Rolling Stone.

Gal Costa e Maria Bethânia cantam "Sol Negro" de Caetano Veloso (1965), de David Drew ZinggInstituto Moreira Salles

Outra música muito significativa foi "Bat Macumba", de Gilberto Gil, em colaboração com Os Mutantes, Caetano Veloso e Gal Costa. A música é moderna, alegre e cativante, com pitadas de rock psicodélico. Gilberto e Caetano eram as forças motrizes por trás da Tropicália, e a música que criavam era tão radical que eles chegaram a passar um período na cadeia depois de serem considerados uma ameaça pela ditadura brasileira.

O álbum chegou a ser reconhecido como o som símbolo do movimento Tropicália. Os artistas envolvidos criaram uma nova versão exótica de pop, adotando influências da psicodelia, mas também do samba, da bossa nova e de outros gêneros sul-americanos tradicionais. A Tropicália criou uma anarquia musical e cultural, uma revolução na música brasileira.

Contracapa do álbum Tropicália ou Panis Et Circencis, de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Mutantes, Tom Zé, Nara Leão, acompanhados dos poetas Capinam e Torquato Neto e do maestro Rogério Duprat (1968)Instituto Gilberto Gil

A arte de capa do álbum tornou-se tão icônica quanto os músicos. Ela retratava vários dos colaboradores e era uma homenagem ao álbum dos Beatles chamado "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band". Para completar, a tipografia usada estava em negrito e tinha as cores da bandeira brasileira. A capa foi elaborada por Rogério Duarte, músico e designer gráfico que acabou se tornando um mentor do movimento. Rogério ficou conhecido por ser um militante de esquerda, o que o levou a ser preso e torturado.

A atmosfera política em torno da Tropicália e do Brasil naquele período permeava o movimento. Para muitos, a Tropicália personificava a raiva, a ansiedade e os desejos da esquerda brasileira, que, na época, lutava sob a opressão do grupo militar apoiado pela CIA, que estava no poder após ter derrubado o governo do presidente eleito João Goulart.

Um lema muito usado pelos membros do movimento era “Seja Marginal, Seja Herói”, uma frase criada por Hélio Oiticica. A ideia era abalar o status quo e criar algo que ameaçasse a classe dominante.

Seja Marginal Seja Herói (1968), de Hélio OiticicaInstituto Vladimir Herzog

Depois de "Tropicália ou Panis et Circencis", as músicas produzidas durante esse período eram, com frequência, carregadas de sentido político. Por exemplo, Caetano lançou a música “É Proibido Proibir”, que se tornou um hino juvenil contra a ditadura nos anos seguintes.

No entanto, apesar de ser conectada à contracultura e de se opor à ditadura do país, a Tropicália foi considerada como um "grupo alienado" pelo movimento esquerdista da época, tornando o impacto permanente do movimento ainda mais significativo.

O movimento não se restringe apenas à música e à arte. A influência da Tropicália pode ser vista na literatura, com o trabalho de Torquato Neto; no cinema, por meio de Glauber Rocha; e no teatro, com o trabalho de Zé Celso e do Teatro Oficina.

Carmen Miranda (1960), de Mateus Gervásio FernandesConservação Rio

Cantora, dançarina e atriz, Carmen Miranda era também uma forte influência, além de ser conhecida como precursora do movimento. Carmen ganhou destaque na década de 1940, quando estrelou dezenas de filmes produzidos em Hollywood. Ela costumava usar o traje típico das baianas e frutas tropicais enfeitando a cabeça. Essa estética tornou-se uma caricatura estereotipada do Brasil, e a imagem foi explorada ao máximo pelos estúdios de Hollywood.

Logo ela foi acusada por intelectuais brasileiros de ter se tornado americanizada, mas a estética de Carmen voltou a entrar na moda durante o movimento Tropicalista. Como ícone da cultura popular e de aparência exagerada, Carmen não era tão reconhecida pela relevância musical, mas sim pela ligação que ela tinha com uma imagem estereotipada e "tropical" do Brasil.

De Ted ThaiLIFE Photo Collection

Os membros fundadores da Tropicália abriram um novo caminho para que os artistas contemporâneos adotassem novas culturas e emprestassem elementos delas. A influência do movimento ultrapassou até mesmo as fronteiras do Brasil, com artistas como David Byrne, Beck, Devendra Banhart e Nelly declarando que a Tropicália teve impacto sobre o trabalho deles.

Tom Zé, Gilberto Gil e Caetano Veloso na gravação do programa Som Brasil Especial Tropicália, da TV Globo (1997-11-11)Instituto Gilberto Gil

A Tropicália levou o multiculturalismo a um novo patamar, e as pessoas que faziam parte do movimento o transformaram em uma nova forma de cultura que podia ser ouvida, vista e sentida. Embora a duração desse movimento tenha sido breve no Brasil, o legado eterno da Tropicália continua sendo fonte de inspiração até os dias de hoje.

Créditos: todas as mídias
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