Tradição Sineira

Entre o tangível e o intangível

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Tradição Sineira: entre o tangível e o intangível (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Perspetiva a partir da torre sineira de Tibães (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Introdução

“SIGNVM”. Palavra latina empregue entre os séculos VI e VII com o duplo significado de símbolo ou sinal e que passou a designar “sino” em algumas línguas novilatinas, como o português. O sino é parte integrante da paisagem cultural e sonora do mundo ocidental. Apesar de se tratar de um bem material, a presente exposição apresenta-o sob uma perspetiva intangível. De facto, a Convenção do Património Cultural e Imaterial (Paris, 2003) contempla já esta interdependência entre o material e o imaterial. Nesse sentido, a exposição pretende criar registo dos valores intangíveis da tradição sineira em Portugal através de uma visita guiada pelas técnicas de fundição de sinos, muitas vezes passadas de geração em geração, e pelo toque manual, aqui memorado. Não se descura o carácter sagrado e apotropaico que o sino adquiriu na mentalidade popular enquanto regulador de costumes e do imaginário.

Toque para explorar

O sino é parte integrante da paisagem cultural e sonora do mundo ocidental.

Nossa Senhora (Pormenor de sino) (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Exposição com o duplo sentido de apresentar a intangibilidade do “sino” e ser um “sinal” de atenção para a preservação dos seus valores.

Motivos em cera perdida para a ornamentação de sinos (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

A arte do saber fazer

A “arte de fundição” dos sinos é uma prática ancestral. No território português, e sobretudo no norte, apesar dos escassos vestígios arqueológicos, existem exemplares  datados do século X. Por volta do século VIII, com as mudanças nos modos de execução e nos materiais de conceção, desenvolvem-se dois modelos fundamentais: o tipo taça (pouco profundo e sem badalo, percutido pelo lado de fora); e o tipo profundo (formato cónico ou em colmeia, com badalo no seu interior). Estes sinos podiam ser modelados segundo três técnicas: a modelação horizontal com falso sino em cera, praticada sobretudo no período medieval; a modelação horizontal com falso sino em barro, que facilitava o fabrico dos sinos de maior dimensão; e a modelação vertical com sino em barro, usada em Portugal a partir do século XIV. Esta atividade milenar industrializou-se, levando a que se perdesse o seu cunho artesanal. A limitação do mercado interno e a mudança de mentalidades verificada após o fim do Estado Novo (1933-1974), em Portugal, levaram à quebra de uma produção regular e à extinção de muitas oficinas de fundição. Por conseguinte, assistimos à perda de um ambiente etnográfico existente em torno dos sinos.

Pormenor de inscrição em sino da 'Medalha e Oração a São Bento' (2015) de Marisa SantosFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Após uma longa tradição de saber fazer desde o 3º milénio a.C., o sino aparece na Europa a partir de 100 a.C.

Sino tangendo (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Sino tangendo
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O relato de virtudes profiláticas do som do bronze é conhecido desde Plínio (século I) e Ovídio (séculos I a. C. e I d. C.)

Santa Bárbara (Pormenor de sino) (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

O sino era batizado e recebia um padrinho cujo nome pode ser indicado no sino. As características da sonoridade são definidas pela composição da liga metálica.

Santa Bárbara é a padroeira dos ofícios ligados à metalurgia e frequentemente invocada em sinos como fórmula esconjuratória da trovoada.

Interior de um sino na Igreja da Nossa Senhora da Conceição, Porto (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Cada sino tem uma nota musical característica determinada pela quantidade de metal, pela forma e dimensão do sino e espessura do bojo.

Cruz de assento com resplendor (Pormenor de sino) (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Os motivos decorativos dos sinos são obtidos através de caracteres móveis em cera reproduzidos em carimbos de madeira e aplicados à face externa do falso sino.

Inscrição do ano de fundição – 1846 (Pormenor de sino) (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Motivos religiosos e de caráter apotropaico constituem uma presença recorrente nos sinos.

A partir do século XVII, o ano de fundição consta normalmente nos sinos, juntamente com o nome do fundidor.

Tradição Sineira : por quem dobram os sinos (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Mão do sineiro (pormenor) (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

O toque manual e a sua automatização

O toque manual tem perdido expressão devido à progressiva mecanização dos sinos a partir dos anos de 1980, e consequente desaparecimento de grande parte dos sineiros. Assim, é um património intangível frágil, cujas técnicas e práticas encontram-se em vias de desaparecimento.Outrora o sino foi o principal regulador da vida da comunidade. Reconheciam-se, pelo som, três fases do dia: ao amanhecer, o toque das ‘Avé-Marias’; ao meio dia, o ‘Angelus’; e ao anoitecer, as ‘Trindades’. Identificam-se ainda outros toques para recordar os atos litúrgicos, tais como as missas, terços, procissões, casamentos, funerais e toques de defuntos. Assim, os toques despertavam emoções individuais e coletivas. O toque era expressão da posição social do indivíduo. Nesse sentido, consoante o montante pago ao sineiro, variava o número de badaladas num nascimento, casamento ou falecimento.Existem ainda toques funcionais, como convocatórias para acontecimentos civis ou avisos da ocorrência de incêndios, naufrágios, batidas de lobos, perseguições a ladrões e outras ameaças à comunidade. Os restantes toques, que animavam a paisagem sonora em distintas ocasiões, estão praticamente esquecidos, permanecendo na memória dos mais idosos.

Pormenor de sino da igreja do Mosteiro de Tibães (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Manter viva a tradição do toque manual é valorizar o impacto que os sinos tiveram, historicamente, na paisagem rural, sonora e etnográfica.

Sineiro na torre (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Pelo seu carácter regulador, os toques proporcionaram um sentimento de pertença das comunidades ao lugar.

Sino (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

As badaladas diferenciavam o sexo de uma criança, ao assinalarem um nascimento ou de um batismo.

A dança do sineiro (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

O sino podia ser tocado de forma estática ou em movimento, consoante os gestos do sineiro e o tipo de execução sonora pretendida.

Sino de Abade de Neiva (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Por quem os sinos dobram

A ligação do sino às lendas e literatura é uma constante por todo Portugal. O sino ora aparece como auxiliar de um bom parto, ora se encontra sepultado em lagos ou rios, tocando pelas entranhas da terra, denunciando as «mouras encantadas».É também de destacar o poder esconjuratório dos sinos, contra as entidades maléficas, como bruxas, almas penadas e demónios. Segundo a crença popular, no dobrar dos finados, quanto mais o sino tocava para mais longe o Diabo fugia. Acreditava-se também que o som do sino podia curar doenças da ‘cabeça’ e de audição, sendo comum o padrinho tocar o sino para que o afilhado não ficasse surdo.  Os sinos aparecem como motivo de orgulho, tornando-se objeto de inveja. Nesse sentido, o seu roubo ou tentativa de destruição é um atentado à honra e integridade da comunidade. A documentação do norte de Portugal e Galiza demonstra a utilização de “sub-sino” como sinónimo de freguesia. Historicamente há, de facto, uma noção de património e legado a transmitir. A preservação do cunho artesanal nas técnicas tradicionais de fundição e no toque manual impõe-se. Cabe à época do sino industrializado valorizar a carga imaterial deste objeto para que os seus significados jamais se percam.

Elementos gráficos e rendilhados (pormenor de sino) (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

A maioria dos sinos possuía elementos decorativos, como bandas rendilhadas.

Também figuras religiosas como Deus Pai, Jesus Cristo, Nossa Senhora, e santos padroeiros eram frequentes.

Por quem os sinos dobram (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

A regra beneditina e a expansão do fenómeno monástico foram fundamentais no processo de afirmação do sino na Europa, tornando-se um elemento caracterizador do mundo cristão, da paisagem e do ambiente sonoro europeu.

Perspetiva a partir da torre sineira de Tibães (2015) de Joana DuarteFaculdade de Letras da Universidade do Porto

No plano da memória coletiva, o sino foi importante enquanto voz da comunidade e signo da sua identidade.

Torres sineiras da Sé de Braga (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

O toque dos sinos assumiu um papel importante na cultura portuguesa.

Pormenor da torre sineira, Sé de Braga (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Os toques a rebate avisam ameaças à comunidade. Também anunciam batizados, casamentos e mortes.

Torre dos Clérigos (2015) de Patrícia GonçalvesFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Os sinos e as respetivas torres sineiras são elementos caracterizadores do ambiente sonoro e da paisagem portuguesa.

Sino da Capela de Nossa Senhora do Parto, Aveleda, Braga (2015) de Andréa DiogoFaculdade de Letras da Universidade do Porto

Ancestral comunicador de boas e más notícias, o sino é um objeto que ultrapassa a sua materialidade, convertendo-se num sinal de pertença de um lugar e de uma comunidade.

Créditos: história

FICHA TÉCNICA
COORDENAÇÃO:
Lúcia Rosas (FLUP), Maria Leonor Botelho (FLUP) e Hugo Barreira (FLUP)
COMISSÃO CIENTÍFICA:
Ana Cristina Correia de Sousa (FLUP), Lúcia Maria Cardoso Rosas (FLUP), Maria Leonor Botelho (FLUP) e Hugo Barreira (FLUP)
CURADORIA:
Lúcia Maria Cardoso Rosas (FLUP), Maria Leonor Botelho (FLUP), Hugo Barreira (FLUP)
PRODUÇÃO:
Maria Leonor Botelho (FLUP), Hugo Barreira (FLUP)
EQUIPA TÉCNICA:
Ana Patrícia Gonçalves, Andréa Diogo, Joana Duarte, Marisa Santos
AUTORES:
Ana Patrícia Gonçalves, Andréa Diogo, Joana Duarte, Marisa Santos
TRADUÇÃO:
UNAPS | LETRAS
APOIOS:
UNIVERSIDADE DO PORTO | FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO | DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS E TÉCNICAS DO PATRIMÓNIO/ FLUP

CRÉDITOS DAS IMAGENS:
Ana Patrícia Gonçalves, Andréa Diogo, Joana Duarte, Marisa Santos
PUBLICAÇÃO DAS IMAGENS AUTORIZADA POR:
Direcção Regional da Cultura do Norte (DRCN)
Fundição de Sinos de Braga - Serafim Da Silva Jerónimo & Filhos, Lda.
Paróquia da Nossa Senhora da Conceição (Porto)

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL:
ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Carácter mágico do toque das campainhas: apotropaicidade do som. Revista de Etnografia. Volume VI, Tomo 2 (1966). Porto: Museu de Etnografia e História, [s.d].
AUGUSTO, Carlos Alberto - Sons e silêncios da paisagem sonora. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014.
BELLINO, Albano – Archeologia Christã. Lisboa: Empreza da Historia de Portugal, 1900.
BRAGA, Alberto Vieira – As Vozes dos Sinos na Interpretação Popular e a Indústria Sineira em Guimarães. Porto: Imprensa Portuguesa, 1936.
CORREIA, Mário – Toques de sinos na terra de Miranda. Sendim: Centro de música tradicional Sons da Terra, 2005.
RESENDE, Nuno (Coord.) – O Compasso da Terra. A arte enquanto caminho para Deus. Volume I: Lamego. Lamego: Diocese de Lamego, 2006.
SEBASTIAN, Luís – História da Fundição Sineira em Portugal. Coruche: Câmara Municipal de Coruche, 2008.

Créditos: todos os meios
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes, podendo nem sempre refletir as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.
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