O “Adé Dudu - grupo de negros homossexuais” foi fundado na cidade de Salvador-BA em 14 de março de 1981. Ao longo da primeira metade da década de 1980, o grupo manteve uma intensa atividade de denuncia ao racismo enquanto estruturante da sociedade brasileira e do “duplo preconceito” vivido por negros LGBT+.

Capa de “Diga aí, Bicha!” (1982), de Acervo CEDOC LGBT+ do Grupo DignidadeGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Viado se reunindo, pra quê?

Em 14 de março de 1981, foi realizada na cidade de Salvador-BA uma reunião em que foi fundado o Adé Dudu - Grupo de Negros Homossexuais. Havia se passado três anos desde que o Movimento Negro Unificado (MNU) intensificou a nacionalização do Movimento Negro. Em 1978, foram também criadas as primeiras organizações do Movimento Homossexual Brasileiro - termo que, na época, era utilizado para se referir às novas formas de ação política em torno da luta por melhores condições de vida da comunidade LGBT+. Neste contexto de rearticulação dos movimentos sociais na ditadura, o Adé Dudu promoveu diversas ações para denunciar o racismo enquanto estruturante da sociedade brasileira e o “duplo preconceito” vivido pelos negros homossexuais.

Retrato de Tosta Passarinho (1996), de Acervo particular de Ermeval da HoraGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Lembranças de Ana Célia Silva
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Os antecedentes: O primeiro grito
No ano de 1978, uma fala chamou a atenção dos mais de duzentos homens e mulheres negras presentes em uma atividade do MNU coordenada pela antropóloga e militante Lélia Gonzalez em Salvador. Edson Santos Tosta, conhecido como Tosta Passarinho, apontou para a existência de formas particulares de discriminação contra o negro homossexual: enquanto a expressão de seus corpos era constantemente repreendida por brancos e negros, as relações dentro da comunidade homossexual eram frequentementes reguladas pelo racismo. Lélia Gonzalez e outras mulheres do Movimento Negro acolheram suas reivindicações, conforme relembra Ana Célia da Silva para a Rádio Babado, que trás também nessa exposições poesias e canções compostas por membros do Adé Dudu e poesias musicadas do projeto Adé (2021), do poeta Marcelo Ricardo.

Capa do jornal O Inimigo do Rei (1979-03), de Acervo CEDAP/Unesp-AssisGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Além de preto, bicha!
Em novembro de 1979, o jornal baiano de orientação anarquista O Inimigo do Rei estampava em sua capa “Além de Preto, Bicha”. O texto era de autoria de Hamilton Vieira, na época estudante de jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Vieira havia entrevistado homens negros homossexuais sobre as diferentes formas de racismo e homofobia que viviam. Diante desse “duplo preconceito”, um depoimento, ao final do texto, preconizava a organização dos negros homossexuais.

Retrato de Hamilton Vieira, de Acervo particular de Edenice SantanaGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

“Além de preto, bicha"
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A expressão “Além de preto, bicha” era apontada por um dos entrevistados, um bailarino de 20 anos de idade que usava o pseudônimo “Nega Fulô”, como parte do racismo sofrido em seu cotidiano. “Nega Fulô” na verdade era Dionisius Filho, que dois anos depois iria estar na fundação do Adé Dudu. O título do texto deixou perplexo Wilson Santos, co-fundador do grupo, que conta um pouco sobre o impacto da reportagem no amadurecimento de suas ideias sobre racismo.

Capa do jornal Lampião da Esquina (1981-03), de Bajubá CollectionGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

A nacionalização da “Bixórdia”

Em 1978, o Movimento Homossexual Brasileiro dava seus primeiros passos. O jornal Lampião da Esquina (1978-1981), publicado no Rio de Janeiro e vendido em todo o país, foi fundamental para a nacionalização de uma nova abordagem da comunidade LGBT+. Produzido somente por homossexuais, ele usava uma linguagem própria e não tinha medo de falar abertamente sobre seus problemas. Desde o primeiro número, o Lampião traçou uma estratégia de constante diálogo com outros movimentos sociais, seja buscando produzir espaços de solidariedade mútua, seja na exposição de suas tensões. O periódico constituiu uma rede de leitores e leitoras em que alguns dos futuros integrantes do Adé Dudu faziam parte.

Entrevista com Leci Brandão no jornal Lampião da esquina (1978-11), de Acervo BajubáGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

“Quero continuar cantando todas as minhas preferências”

No Lampião, as experiências negra e homossexual eram abordadas quase sempre isoladamente. A entrevista publicada em novembro de 1978 com a sambista Leci Brandão foi um dos raros momentos em que essas temáticas coincidiram. Brandão havia sido a primeira mulher a integrar a ala dos compositores da Mangueira em 1974, e tinha em seu repertório diversas composições em que revelava aspectos da comunidade LGBT+. A conversa foi apresentada da seguinte forma: "Nas duas páginas seguintes, o leitor poderá sentir o peso da sinceridade dessa artista que não hesita em conversar abertamente sobre a sua tríplice - e nem sempre fácil - condição de mulher, negra e homossexual.” Experiências que ela dizia viver de forma indissociável.

Grupo Somos no ato organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU) (1979-11-20), de James Green. Acervo particular de James GreenGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

“Contra a discriminação do/a homossexual negro/a”
A aproximação entre Movimento Homossexual e Movimento Negro ocorreu também em São Paulo, em 1978. A participação do Somos - Grupo de Afirmação Homossexual, criado naquele ano, nas atividades realizadas pelo MNU para o Dia da Consciência Negra revela a construção de espaços de solidariedade entre os dois. Contudo, jovens negros homossexuais daquela cidade reconheceram a importância de debater a singularidade de sua experiência. Assim foi criado, em 1980, o Grupo de Negros Homossexuais de São Paulo (GNH-SP). De vida efêmera, o grupo se reuniu por cerca de nove meses e atuou de forma autônoma em relação a outras organizações.

Grupo Somos no ato organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU), James Green. Acervo particular de James Green, 1979-11-20, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Jornal Corpo nº0 (1980), de Acervo particular de José Luíz/Al Eleazar FunGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

“Unindo nossa raça à sexualidade”

O GNH-SP tornou público seu manifesto no 3º Festival Comunitário Negro Zumbi (FECONEZU), evento realizado na cidade de São Carlos/SP em 1980, que foi fundamental no processo de nacionalização do Dia da Consciência Negra. O texto também foi publicado com o título “Falam os negros” no jornal Corpo, editado pelo grupo Somos. A forma como buscavam ampliar a ideia de cidadania se revela logo no início, quando afirma que: “Neste momento que a sociedade brasileira passa por uma fase transitória em que negros, mulheres, índios e homossexuais lutam e exigem o espaço que lhes é de direito, vimo-nos impelidos pela necessidade de nos posicionarmos e trazermos à luz a carga de preconceito a que estamos expostos diariamente em todos os setores da sociedade, denunciamos as discriminações e arbitrariedade a nós impetradas pelo fato de como negros assumirmos nossa conduta homossexual”.

Carta de fundação do Adé Dudu (1981), de Acervo do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/Unicamp)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Num 14 de março…
Esses antecedentes estimularam o debate daquele grupo de homens negros homossexuais que fundaram o Adé Dudu em 14 de março de 1981: Antonio Carlos Conceição, Dionisius Filho (“Nêga Fulô”), Ermeval da Hora, Ernani Filho, Evilásio Santos, Genildo Souza, Jorge Santos, Marco Argolo, Marcus Mahallia, Roquinho, Sóstenes (Sostinho), Tosta Passarinho, Wilson Santana e Wilson “Mandela” Santos. Na carta de fundação, o grupo apontou a necessidade de discutir suas próprias questões e se organizar, para assim poderem “trabalhar em conjunto com outras pessoas e grupos de homossexuais, negros, mulheres, setores populares”. No documento, eles explicavam o significado do nome do grupo: Adé Dudu significa Homossexuais Negros em iorubá.
A expressão apontava não apenas o pertencimento racial dos integrantes, mas também o reconhecimento do Candomblé como uma religião receptiva a essa comunidade.

Retrato de Wilson Santos (1982), de Maria Lúcia Santos . Acervo particular de Wilson SantosGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Trajetórias cruzadas
Os integrantes do Adé Dudu vinham de experiências sociais bastante diversas. Dentre eles, Wilson Santos era economista e funcionário público. Ermeval da Hora era operário numa fábrica. Tosta Passarinho alternava entre serviços temporários desde que voltou de um auto-exílio que o fez percorrer a América Latina durante a década de 1970. Pouco depois da fundação, o jornalista Hamilton Vieira também se integrou ao grupo.

Wilson Santos no ato do Dia Nacional da Consciência Negra. (1981-11-20), de Jônatas Conceição. Acervo particular de Wilson SantosGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

O negro homossexual se vê no espelho

Entre março e setembro de 1981, o Adé Dudu realizou sua primeira atividade. O grupo realizou uma pesquisa sobre a condição dos negros homossexuais em Salvador, a partir de 102 entrevistas feitas nos espaços em que circulavam na cidade. Entre bares, boates, praças, avenidas e praias, eles produziram um importante panorama de sua comunidade no período da redemocratização. O ponto inicial das entrevistas eram as provocações feitas por Hamilton Vieira dois anos antes em seu texto “Além de preto, bicha”. Os resultados da pesquisa foram lançados em formato de cartilha, distribuída nas atividades da semana da Consciência Negra, em novembro daquele ano.

Carnival at Praça Castro Alves, Euvaldo Macedo Filho. Euvaldo Macedo Filho Collection, 1970, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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“Todo mundo agarra mas não pode amar”

A pesquisa do Adé Dudu começou logo após o carnaval de 1981. A festa atraía para a cidade muitas bichas que vinham de cidades menores, onde a sociabilidade entre pessoas LGBT+ era mais restrita.

Carnival at Praça Castro Alves, Euvaldo Macedo Filho. Euvaldo Macedo Filho Collection, 1970, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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A organização do carnaval empregava um grande número de negros homossexuais, como apontou o próprio Adé Dudu em suas pesquisas. Quase sempre em cargos que, apesar de centrais para a festa, eram pouco remunerados, como na costura de fantasias e na montagem da decoração.

Carnival at Praça Castro Alves, Euvaldo Macedo Filho. Euvaldo Macedo Filho Collection, 1970, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Na contramão dessa lógica, Passarinho atuou anos depois como compositor da canção “Sueños lejos”, gravada pelo Olodum anos depois, em 1993.

Hamilton Vieira at Bloco Filhos de Gandhi, de Rejane Carneiro. Edenice Santana Private collection.Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Homossexuals circuits (2021), de Gabriel Oliveira's private collectionGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

lembranças da cidade
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A cidade das bichas
As memórias dos remanescentes do Adé Dudu revelam redes de espaços seguros para a confraternização da comunidade, formadas por exemplo em torno da praia do Porto da Barra e do Cemitério Sucupira. Esse último - um estacionamento que existia na praça Tomé de Souza, no centro da cidade - servia como ponto de encontro não somente de homossexuais, mas de grupos diversos, como os próprios integrantes do Movimento Negro. Wilson e Ermeval relembram também os apartamentos alugados coletivamente por grupos homossexuais nas imediações do Sucupira. Ambientes de encontros, festas, afetos e acolhida, onde as pessoas podiam viver sua sexualidade livremente. Perto da praça Castro Alves ficava o Cinco, alugado por Wilson junto com amigos. Já o apartamento dividido por Ermeval ficava na rua Alfredo de Brito, 22.

Portrait of Floripes. December (1979), de Ferreira S. Neto. Antônio Ferreira S. Neto Private ColletctionGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Floripes
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“Todos paravam para ver Floripes”

O cotidiano dessa comunidade convivia também com a insegurança e a violência. Ermeval da Hora rememora a vida de Floripes, uma precursora da resistência das pessoas LGBT+ na cidade de Salvador. Floripes foi uma travesti negra que trabalhava como engomadeira para lojas requintadas na rua Chile. Sua autodeterminação, que a permitiu se emancipar das amarras do gênero, não havia sido o bastante para evitar seu assassinato em 1984. Seu algoz justificou-se dizendo apenas que sua felicidade o incomodava. Esse ato ressoa até o presente, em que a expectativa de vida de uma pessoa transgênero no Brasil é de 35 anos. Número que diminui quando se é negra, devido às violências racistas e transfóbicas e ao precário acesso a direitos fundamentais e a políticas públicas.

Portrait of Ermeval da Hora and Tosta Passarinho (1993), de Umbelino Silva. Ermeval da Hora Private CollectionGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Dialogar para se reconhecer

Ao longo das 102 entrevistas para o primeiro trabalho, o Adé Dudu pôde adentrar profundamente o seu próprio mundo: o mundo do negro homossexual em Salvador. Dentre suas conclusões, eles puderam atestar a constante hesitação das pessoas da comunidade em conversarem abertamente sobre LGBTfobia e racismo. O ato de dialogar tornou a pesquisa um espaço de elaboração e divulgação de uma agenda de problemas comuns. Apesar dessas ações, a presença de mulheres cisgênero no grupo, assim como de pessoas transgênero, não chegou a se efetivar. Ainda que fossem tratadas nos seus escritos. Essas ausências entre os integrantes do Adé Dudu são um indicativo da dificuldade de integração entre os diferentes grupos sociais que formavam o Movimento Homossexual no período.

Portrait of Tosta Passarinho (1982), de Private collection of Ermeval da HoraGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Primeiras propostas

Um mês após a criação do Adé Dudu, Tosta Passarinho viajou para o II Congresso do MNU em Belo Horizonte. Apesar da descrença na auto-organização de negros homossexuais por muitos militantes, Passarinho apresentou um conjunto de propostas do Adé Dudu a serem implementadas por todas as seções do MNU em uma mesa de debate com o tema “Homossexualismo e Machismo”. Suas considerações incluíam o mapeamento de homossexuais em grupos de militância negra, o debate interno sobre sexismo, e o início do diálogo sistemático com grupos do Movimento Homossexual. Embora haja poucos indícios da execução de suas ideias por outros grupos, o Adé Dudu protagonizou essas ações durante seus anos de existência de forma autônoma.

Demonstration during the SBPC meeting (1981), de Juca Martins. Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/Unicamp)Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Uma forma diferente de fazer ciência
Entre 8 e 15 de julho de 1981, ocorreu em Salvador a 33ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no campus da UFBA. A reunião daquele ano propôs um debate com a sociedade civil, com atividades coordenadas por movimentos indígenas, feministas, negros e homossexuais. No evento, aconteceu o primeiro Fórum Nacional de Entidades Negras. Nele, o Adé Dudu foi apresentado pela primeira vez como grupo diante de outros orgãos do Movimento Negro, sendo ovacionado pela plateia. De acordo com um dos seus relatórios: “houve muitos ‘babados’ e muitos aprenderam uma nova forma de fazer ciência: a ciência descontraída, com samba, muita cerveja, bicha pra lá e pra cá, sapatões no Ato Público do Movimento Homossexual, passeata do Movimento Negro (proposta por membros do Adé Dudu), enfim, uma forma diferente de se fazer ciência e política.”

Entre os ativistas registrados nessa fotografia, o coreógrafo paulistano Ismael Ivo (1955-2021) aparece distribuindo panfletos. No evento, Ivo apresentou um sarau de poesias negras junto com Thereza Santos (1930-2012). Embora não tenha sido integrante do Adé Dudu, ele e outros negros homossexuais estiveram presentes naquela SBPC contribuindo com a luta antirracista.

Ermeval da Hora lê o manifesto do Adé Dudu no 1º Encontro de Negros do Norte e Nordeste, Fotógrafo desconhecido. Acervo particular de Ermeval da Hora, 1981, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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“Saudações negras e homossexuais”

A SBPC foi palco da articulação do primeiro Encontros de Negros do Norte e Nordeste (ENNN), ocorrido em Recife entre 5 e 7 de setembro daquele ano. Na mesa de abertura do evento, Ermeval da Hora leu um manifesto preparado pelo grupo, em que convidava os presentes para refletir sobre como os preconceitos contra negros e negras homossexuais que criavam obstáculos em diversos espaços, inclusive em movimentos sociais.

Programação do V Encontro de Negros do Norte e Nordeste, Arquivo Nacional. Fundo Serviço Nacional de Informação. BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.85007866, 1985, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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No jornal Nêgo, editado pelo MNU da Bahia, Tosta Passarinho chama a atenção para a enérgica atuação dos membros do Adé Dudu em todas as atividades do evento. Durante seus três dias, além da problemática do Negro Homossexual, foram também debatidas: Violência Policial; Formas de atuação das entidades; Movimento Negro e os partidos; Resistência Cultural do Negro; o Dia Nacional da Consciência Negra; Mulher Negra e Memorial Zumbi. Esse último, contou com Passarinho como parte do seu Conselho Deliberativo. Nos anos seguintes, o Adé Dudu participou das edições do ENNN realizadas em João Pessoa-PB e São Luís-MA. A partir desses intercâmbios, o grupo teve contato direto com negros homossexuais de diferentes estados, inspirando-os com suas propostas.

Jornal Nêgo, n.º 6 (1984-06), de Acervo NegritosGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

“Quem é você?”
Foi decidido ao final do III ENNN, em São Luis, que as organizações do Movimento Negro da região iriam realizar encontros estaduais nos meses seguintes. Foi assim que nasceu o I Encontro de Negros da Bahia, ocorrido entre 9 e 11 de setembro de 1983, reunindo mais de 600 homens e mulheres negras. Os integrantes do Adé Dudu tiveram papel fundamental na construção do evento, organizado também o MNU, além de associações de bairro, blocos carnavalescos e grupos de estudantes. Durante o painel “O negro na sociedade baiana”, os integrantes do grupo divulgaram o provocativo manifesto “Quem é você?”, em que expõem a normalização das práticas de racismo e LGBTfobia. Na mesma mesa, foi tratada a urgência do ensino nas escolas da História da África e da História do Brasil vista a partir da perspectiva da experiência negra.

Manifesto “Quem é você?”, Acervo particular de Marcus Oliveira., 1983-09, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Manifesto “Quem é você?”, Acervo particular de Marcus Oliveira, 1983-09, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Retrato de Hamilton Vieira, de Fotógrafa: Rejane Carneiro. Acervo particular de Edenice SantanaGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Em janeiro de 1984, aconteceu em Salvador o II Encontro Brasileiro de Homossexuais, organizado pelo Adé Dudu e Grupo Gay da Bahia. Entre as pautas, estavam a “despatologização” da homossexualidade, a construção de uma legislação antidiscriminatória, a legalização do “casamento gay”, o tratamento positivo da comunidade na imprensa e a inclusão da educação sexual nos currículos. No evento, Hamilton Vieira apresentou uma comunicação sobre a história do Movimento Homossexual no Brasil, na qual ele analisa sua mobilização como parte da luta por direitos fundamentais e contra a ditadura, realizada em associação com movimentos negros, indígenas, feministas e de trabalhadores. Posteriormente, ele divulgou o texto em forma impressa sob o pseudônimo de Estevão dos Santos, que utilizava na imprensa negra ante o risco de comprometer seu emprego como jornalista.

Programação do V Encontro de Negros do Norte e Nordeste (1985), de Arquivo Nacional. Fundo Serviço Nacional de Informação. BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.85007866Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

E Káàbò

Em junho de 1985, aconteceu em Salvador o V Encontro de Negros do Norte e Nordeste. Adé Dudu, MNU, Grupo Cultural “Os Negões”, Olodum e Núcleo Cultural Niger Okan organizaram o evento que tinha como tema “Comunidade Negra: terra, poder e realidade”. Nesse encontro, os debates sobre a Assembléia Nacional Constituinte tiveram grande projeção. Na programação impressa, o Adé Dudu saudava os visitantes de outros estados com a expressão em iorubá E Káàbò: Bem-vindos.

Programação do V Encontro de Negros do Norte e Nordeste (1985), de Arquivo Nacional. Fundo Serviço Nacional de Informação. BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.85007866Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Cartão de fim de ano do Grupo Adé-Dudu, Acervo Bajubá, 1981, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Caixa postal 6.429

A constituição de uma rede de correspondências do Adé Dudu que integrasse o Movimento Negro e o Movimento Homossexual se consolidou a partir da caixa postal 6.429. No final do seu primeiro ano de atividades, o grupo enviou aos companheiros de outras organizações um cartão de ano novo na forma de poesia, em que reiteraram sua vontade de luta ampla e contínua contra todas as formas de opressão.

Capa de “Negros Homossexuais-pesquisa realizada pelo grupo Adé Dudu”, Acervo CEDOC LGBT+ do Grupo Dignidade, 1981, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Foi através dessas redes que circularam os resultados da pesquisa “Negros Homossexuais”, realizada em 1981. Nos anos seguintes, o Adé Dudu publicou outras duas pesquisas. Em “Diga aí, Bicha?” (1982) eles apresentaram entrevistas com homens atuantes no Movimento Homossexual, com análises sobre as violências contra a comunidade. Entre eles, estavam ativistas de movimentos organizados, além de sujeitos que afirmavam publicamente sua sexualidade, ou que falavam com liberdade de suas práticas sexuais, sem esquecer de realizá-las. Ações que o grupo também considerava como atos políticos.

Capa de “A participação dos homossexuais no movimento negro brasileiro”, Acervo particular de Marcus Oliveira, 1984, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Já na pesquisa “A participação do homossexual no Movimento Negro Brasileiro” (1984), cujo relatório foi assinado por Wilson Santos, o grupo apresentou os resultados do mapeamento que fizeram de homossexuais no Movimento Negro, junto com entrevistas de militantes. Em conversas com homens e mulheres, de diferentes orientações sexuais, eles evidenciaram uma mudança de atitude de alguns sujeitos diante da presença de negros homossexuais nos quadros do movimento.

Revista Rose, Acervo Bajubá., 1982-09, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Os resultados dessas pesquisas circularam de forma ampla. Foi por exemplo a partir dessas redes que, posteriormente, Nestor Perlongher tomou contato com o trabalho do Adé Dudu. Militante anarquista e homossexual branco argentino em exílio, Perlongher foi um dos fundadores do Frente de Liberación Homosexual em seu país. No Brasil, as ideias do grupo baiano serviram de referência em sua tese, defendida em 1985, na parte em que analisa o racismo no cotidiano de trabalhadores do sexo.

Carta de Ivan Gabriel a Evandro de Oliveira (1983), de Acervo particular de Rafael Petry TrapGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

A biografia que nunca existiu

Em uma dessas trocas de correspondências, Ivan Gabriel, ex-integrante do GNH-SP, serviu de intermediário de um projeto de pesquisa do Adé Dudu. Em 1983, Gabriel escreveu uma carta para Evandro, irmão de Eduardo Oliveira e Oliveira, sociólogo, músico e dramaturgo negro e homossexual, buscando colaboração para a realização de uma pesquisa biográfica sobre ele. Quando viveu em São Paulo, Eduardo de Oliveira e Oliveira (1923-1980) fundou em 1971, junto com Thereza Santos, o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN), órgão que anos depois iria se tornar central para a fundação do MNU. Como pesquisador, compartilhou suas inquietações com uma intensa rede de estudantes negros nas Américas na busca de produzir uma “Ciência para o negro”.

Retrato de Eduardo de Oliveira Oliveira (1970), de Raymond Fraimond. Acervo particular de Rafael Petry Trapp.Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Em uma dessas trocas de correspondências, Ivan Gabriel, ex-integrante do GNH-SP, serviu de intermediário de um projeto de pesquisa do Adé Dudu. Em 1983, Gabriel escreveu uma carta para Evandro, irmão de Eduardo Oliveira e Oliveira, sociólogo, músico e dramaturgo negro e homossexual, buscando colaboração para a realização de uma pesquisa biográfica sobre ele. Quando viveu em São Paulo, Eduardo de Oliveira e Oliveira (1923-1980) fundou em 1971, junto com Thereza Santos, o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN), órgão que anos depois iria se tornar central para a fundação do MNU. Como pesquisador, compartilhou suas inquietações com uma intensa rede de estudantes negros nas Américas na busca de produzir uma “Ciência para o negro”.

Tosta Passarinho e Adelina Pinto Valesquez, coordenadores da Posse da Diretoria da Associação dos Moradores de Amoreiras no município de Itaparica (1986), de Acervo particular de Ermeval da HoraGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Pelo direito à memória Negra LGBT+
As atividades do Adé Dudu diminuíram sem muito alarde, mas como resultado das transformações e limitações materiais do Movimento Negro. As trajetórias de luta dos seus integrantes continuaram de formas diversas. Tosta Passarinho (1953-2016) continuou na militância por toda sua vida no movimento negro e em movimentos de bairro.

Panfleto da campanha de Wilson Santos para deputado estadual da Bahia, Acervo particular de Wilson Santos, 1986, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Wilson Santos concluiu seu curso de Direito, dando continuidade a sua militância no Movimento Negro e na política partidária.

Ermeval da Hora na sessão de promulgação da Primeira Lei Orgânica do Município de Itaparica, Acervo particular de Ermeval da Hora, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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Ermeval da Hora concluiu seus cursos de Administração e Pedagogia, e atuou no ensino, na política educacional e na vereança (1993-1997) em Itaparica-BA.

Retrato de Hamilton Vieira, Acervo particular de Edenice Santana, 1990, Da coleção de: Geledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne
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A atuação na imprensa de Hamilton Vieira (1955-2012) foi fundamental, ainda na década de 1980, para a inclusão da agenda do movimento negro na imprensa local. Até seu falecimento, dedicou-se a projetos de educação antirracista no município de Lauro de Freitas-BA. Os laços produzidos entre os membros do Adé Dudu são testemunhos de memórias de lutas e afetos que fazem parte da história.

Retrato de Ermeval da Hora (2021), de Acervo particular de Ermeval da HoraGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

40 Anos do Grupo Adé Dudu (material de divulgação). (2021), de Acervo privado Adé Dudu SempreGeledés Instituto da Mulher Negra | Rede de Historiadores Negros | Acervo Cultne

Adé Dudu, 40 anos
Foi na luta pelo direito à memória que foi instituído em 2017 o prêmio Tosta Passarinho, concedido pelo coletivo LGBT+ do MNU para militantes e iniciativas herdeiras do legado desse aguerrido ativista. O coletivo, que hoje conta também com a participação de Wilson “Mandela” Santos e Ermeval da Hora, promoveu uma série de atividades em comemoração aos 40 anos de fundação do Adé Dudu em 14 de março de 2021. O momento foi oportuno: nas últimas eleições, o país registrou o maior número de pessoas LGBT+ ocupando cargos eletivos em sua história, com destaque para a firme atuação de representantes transgênero negras. A inédita presença dessas pessoas na política institucional convive com novas formas de violência racistas e LGBTfóbicas, colocando novos desafios para a comunidade.

Créditos: história

Este painel é parte do projeto de exposições virtuais Nossas Histórias: vidas, lutas e saberes da gente negra, uma parceria entre a Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros com o Geledés – Instituto da Mulher Negra e o Acervo Cultne.

Comissão Editorial: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bethania Pereira, Bruno Pinheiro, Carlos Silva Júnior, Elson Rabelo, Francisco Phelipe Cunha Paz, Idalina Maria Almeida de Freitas, Iracélli da Cruz Alves, Jonatas Roque Ribeiro, Leonardo Ângelo da Silva, Marcus Vinicius de Oliveira e Maria Cláudia Cardoso Ferreira.
Curadoria e pesquisa: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bethania Pereira, Bruno Pinheiro, Elson Rabelo, Iracélli da Cruz Alves, Leonardo Ângelo da Silva, Marcus Vinicius de Oliveira
Texto: Bruno Pinheiro, Elson Rabelo e Marcus Vinicius de Oliveira
Roteiro de Áudio: Bruno Pinheiro, Elson Rabelo e Marcus Vinicius de Oliveira e Leonardo Ângelo da Silva
Edição de Áudio: Leonardo Ângelo da Silva
Produção: Ana Flávia Magalhães Pinto, Bruno Pinheiro, Elson Rabelo e Marcus Vinicius de Oliveira
Tradução: Bethania Pereira e Bruno Pinheiro
Revisão técnica: Ana Flávia Magalhães Pinto e Bruno Pinheiro
Administração: Natália de Sena Carneiro
Agradecimentos especiais: Wilson “Mandela” Santos, Ermeval da Hora, Acervo Bajubá, Acervo CEDOC LGBT+ do Grupo Dignidade, Acervo Euvaldo Macedo Filho, Acervo Negritos, Adson Brito, Aldair Rodrigues, Al Eleazar Fun, Ana Célia Santos, Antônio Ferreira S. Neto, Ari Sacramento, Arquivo Edgard Leuenroth-Unicamp, Arquivo Nacional, Coletivo LGBT+ do MNU, Daniel Santana, Edenice Santana, Gabriel Oliveira, James Green, Laraapio, Marcelo Ricardo, Maria Elena Pereira, Rafael Petry Trap, Remom Bortolozzi.

Créditos: todas as mídias
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes. Portanto, ela pode não representar as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.
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