Do Museu Oscar Niemeyer
Fotografia
O ano de 1956 foi marcado por dois acontecimentos bastante contraditórios na antiga União Soviética: Nikita Khrushchev denunciou os crimes cometidos por Josef Stalin, e as tropas soviéticas invadiram a Hungria. O primeiro foi de importância fundamental para a produção artística no país, pois a relativa liberdade que floresceu a partir deste episódio, conhecido como “Discurso Secreto”, permitiu que fotógrafos e fotojornalistas reformulassem o papel da fotografia na sociedade. Esta técnica deixava de ser uma mera ferramenta ideológica e adquiria uma nova estética, resgatando técnicas que remontavam ao movimento de vanguarda dos anos 1920.
Através do olhar de seis fotógrafos diferentes, a exposição “A União Soviética através da câmera” propõe uma reflexão sobre a vida cotidiana deste “país fantasma”, do Degelo de Khrushchev à Perestroika de Gorbatchev, assim como sobre o papel singular exercido pela fotografia na sociedade soviética pós-Stalinista.
Marcadas pelo desejo de construir identidades visuais e narrativas históricas, nas quais o público se identificasse como parte dessa realidade, fosse ela real ou imaginária, as imagens de Viktor Akhlomov, Yuri Krivonossov, Antanas Sutkus, Vladimir Lagrange, Leonid Lazarev e Vladimir Bogdanov conseguem unir com maestria os lados tão opostos que formavam a realidade cotidiana desta sociedade: de um lado o mito soviético sobre o futuro radioso, e, de outro, as condições desumanas da luta pela sobrevivência. Desta forma, ao lado da influência de Alexander Rodchenko e Boris Ignatovitch, visível na construção e composição da imagem, assim como na relação com a luminosidade, pode-se traçar um paralelo entre a fotografia soviética pós-Stalinista e a fotografia humanista francesa.
Evocando temas de extrema importância para a compreensão da sociedade soviética e evitando uma narrativa política, a presente coleção penetra o fino espaço deixado para a interpretação pessoal pela censura soviética. A complexa paleta de nuances no olhar de cada fotógrafo vai do humor perspicaz de Vladimir Lagrange e Viktor Akhlomov à subversão visual das obras de Antanas Sutkus ou ao sarcasmo profético de algumas imagens de Vladimir Bogdanov. No entanto, é somente devido à preocupação destes artistas com o Homem, ou com o que restou do Homem, que este capítulo da fotografia soviética consegue transgredir qualquer fronteira imposta por contextos políticos e períodos históricos, tornando-se universal e atemporal.
James Aldridge entre os poetas moscovitas (1963), de Leonid LazarevMuseu Oscar Niemeyer
Lembranças da infância (1957), de Leonid LazarevMuseu Oscar Niemeyer
Geometria (1973), de Vladimir LagrangeMuseu Oscar Niemeyer
Assim Vivíamos...
Durante um quarto de século, eu trabalhei na maior revista do país, "União Soviética", cuja principal estratégia era promover a forma de vida socialista. Minha tarefa consistia em familiarizar o leitor com o trabalho e com a vida de metalúrgicos, pilotos, mineiros, médicos, agricultores, etc. Os lugares, assim como os heróis dos ensaios, eram encontrados espontaneamente, confiando na minha compreensão e boa relação com as pessoas, o que, às vezes, causava conflito com a opinião de líderes locais do partido.
A parada das sombras (1972), de Vladimir LagrangeMuseu Oscar Niemeyer
Havia uma vida pessoal: pais, casa, trabalho, amor, filhos, amigos; e a vida do país: slogans, reuniões, obrigações, condecorações, planos do partido e o povo. Não ficávamos surpresos, porque éramos habituados a viver assim. Não conhecíamos outra vida. Pensavam por nós, privavam-nos de qualquer autonomia, tudo era familiar, cada um fazia o seu trabalho. Antolhos, criados pela liderança do partido, não nos permitiam pensar sobre o que poderia ser diferente.
Dia quente (1969), de Vladimir LagrangeMuseu Oscar Niemeyer
Eu nasci em Moscou, e vivíamos em uma rua perto da Praça Pushkin. E por incrível que pareça, guardo recordações calorosas do nosso apartamento comunal. Esta casa já não existe, preservaram somente a tília, que ficava no meio do antigo pátio. Lembro-me quais palavras faziam parte da nossa vida cotidiana: Stalin, a queda dos preços – a qual todos esperavam, querosene, abrigo antiaéreo, lenha, burgueses, patins, "perseguindo", tinta-lápis, jornal "Pravda", fila, circo e assim por diante. Transmitir esses sentimentos é difícil, eles ainda estão vivos em mim. “Isto é nostalgia!”, diz alguém. Não! Isso foi a minha infância e juventude. Por isso, lembro-me de tudo com calor no coração. É possível esquecer isso?
Vladimir Lagrange
Registro Fotográfico da Exposição A União Soviética Através da CâmeraMuseu Oscar Niemeyer
Registro Fotográfico da Exposição A União Soviética Através da CâmeraMuseu Oscar Niemeyer
Turistas. Moscou (1967), de Yuri KrivonossovMuseu Oscar Niemeyer
Meninos (1989), de Vladimir BogdanovMuseu Oscar Niemeyer
Chopin (Sem data), de Vladimir BogdanovMuseu Oscar Niemeyer
Juntos pelo século (Sem data), de Viktor AkhlomovMuseu Oscar Niemeyer
Avenida Kalinin. Moscou (1977), de Viktor AkhlomovMuseu Oscar Niemeyer
Sem título (Sem data), de Antanas SutkusMuseu Oscar Niemeyer
Sem título (Sem data), de Antanas SutkusMuseu Oscar Niemeyer
Registro Fotográfico da Exposição A União Soviética Através da CâmeraMuseu Oscar Niemeyer
Registro Fotográfico da Exposição A União Soviética Através da CâmeraMuseu Oscar Niemeyer
Realização: Museu Oscar Niemeyer
Curadoria: Luiz Gustavo Carvalho
Fotografias da sala expositiva: Marcello Kawase