Um olhar sobre o cinema mudo em Portugal

De Aurélio da Paz dos Reis ao fim do cinema mudo

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Os primeiros passos do cinema português foram dados no final do século XIX por Aurélio da Paz dos Reis, no Porto.

Quem foi o primeiro realizador português? (21th Century) de CineblogMuseu Virtual da Lusofonia

Fotógrafo amador e floricultor, Aurélio da Paz dos Reis era também, segundo José de Matos Cruz, "uma pessoa com características críticas, sociais e políticas muito fortes". Apresentou o seu cinematógrafo no Porto – designado pelo próprio como Kinematógrafo Portuguez – mostrando filmes com a duração de um minuto no Teatro do Príncipe Real, atual Teatro Sá da Bandeira, no dia 12 de novembro de 1896.

Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança (19th Century) de Aurélio da Paz dos ReisMuseu Virtual da Lusofonia

SAÍDA DO PESSOAL OPERÁRIO DA FÁBRICA CONFIANÇA
Aurélio da Paz dos Reis | 1896

Em homenagem a Saída dos Operários da Fábrica Lumière/La Sortie de l'usine Lumière à Lyon (1895) de Auguste e Louis Lumière, Aurélio da Paz dos Reis realiza Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança em 1896, o primeiro filme português, rodado no Porto.

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Localização da antiga Fábrica Confiança

Invicta Film - A Morte de um Sonho (21th Century) de Mistério JuvenilMuseu Virtual da Lusofonia

Manuel Costa Veiga estreou-se no ramo da exibição cinematográfica no final do século XIX. Em 1899, realizou Aspectos da Praia de Cascais, o seu primeiro filme. Mais tarde, fundou a Portugal Film, a primeira empresa cinematográfica portuguesa.

Em 1909, João Freire Correia e Manuel Cardoso Pereira estabelecem em Lisboa a Portugália Film. No mesmo ano, Júlio Costa e João Almeida fundam a Empreza Cinematographica Ideal a fim de garantir a distribuição e produção de filmes portugueses.

A Lusitânia Film foi uma companhia fundada em 1918 e dirigida por Celestino Soares e Luís Reis Santos, responsáveis pela remodelação dos estúdios da Portugália Film em São Bento. A Lusitânia Film competia diretamente com a Invicta Film, uma companhia de produção fundada em 1910 no Porto. A Invicta Film foi fundada por Alfredo Nunes de Mattos, que inicialmente lhe deu o seu nome; apenas em 1912 a companhia adquiriu o nome "Invicta Film".

Invicta Film - A Morte de um Sonho (21th Century) de Mistério JuvenilMuseu Virtual da Lusofonia

Inicialmente, a Invicta Film produziu atualidades de propaganda e documentários, mas após 1917 expandiu as suas ambições.
Adquirindo material técnico de qualidade e investindo na construção de estúdios e laboratórios, arranca finalmente a produção de filmes de longa-metragem de ficção. É neste contexto que chegam a Portugal, convidados pela Invicta Film ou atraídos pelo seu dinamismo, cineastas estrangeiros como Georges Pallu, Rino Lupo, Maurice Mariaud ou Roger Lion.

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A Quinta da Prelada, uma propriedade adquirida pela Invicta Film para a construção de estúdios maiores.

Invicta Film - A Morte de um Sonho (21th Century) de Mistério JuvenilMuseu Virtual da Lusofonia

A Invicta Film foi responsável pela produção de um número significativo de filmes relevantes dentro da história do cinema português. Porém, esta companhia acabaria por encerrar as atividades em 1928, após uma crise financeira.

Na década de 1920, novas companhias cinematográficas são fundadas em Lisboa. A Caldevilla Film, fundada por Raul de Caldevilla, a Fortuna Films, fundada por Virgínia de Castro Almeida, e a Pátria Film, fundada por Henrique Alegria após o mesmo deixar a Invicta Film, em colaboração com Raul Lopes Freire.

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Filmes célebres

A Serra da Freita, no vale de Arouca, onde foi rodado o filme Mulheres da Beira (1923) de Rino Lupo.

OS CRIMES DE DIOGO ALVES
João Tavares | 1911

O Rapto de Uma Actriz (1907) de Lino Ferreira destaca-se como a primeira incursão à ficção no cinema português. Mais tarde, João Tavares realiza Os Crimes de Diogo Alves, o segundo filme de ficção português; em 1909 já ficara inacabada uma primeira versão, com o mesmo título, realizada por Lino Ferreira e João Freire Correia.

O Homem dos Olhos Tortos (20th Century) de Leitão de BarrosMuseu Virtual da Lusofonia

O HOMEM DOS OLHOS TORTOS
Leitão de Barros | 1918

O Homem dos Olhos Tortos é um dos três filmes que marcaram o ano em que Leitão de Barros se estreou no cinema (juntamente com Mal de Espanha e Malmequer). Segundo José de Matos Cruz, este filme estava destinado a integrar um projeto de “serial” com 9 partes, mas foi interrompido por dificuldades financeiras da Lusitania Film. Na tradição do serial francês, O Homem dos Olhos Tortos reúne as características mais idiossincráticas desse formato, com os temas de mistério, investigação, perseguição e chantagem. O filme encontra-se inacabado, subsistindo apenas material não editado.

Amor de Perdição (20th Century) de Georges PalluMuseu Virtual da Lusofonia

UM OLHAR SOBRE OS FILMES DE GEORGES PALLU

No vídeo, podemos ver um excerto do filme Amor de Perdição (1921)

Outros filmes realizados por Georges Pallu:

Frei Bonifácio (1918)

Os Fidalgos da Casa Mourisca (1920)

O Destino (1921)

O Primo Basílio (1923)

OS FAROLEIROS
Maurice Mariaud | 1922

Durante muito tempo julgou-se que Os Faroleiros se encontrava perdido, até terem sido encontrados, no Palácio do Bolhão, em 1993, o negativo e uma cópia integral do filme. Encontramo-nos novamente diante de um triângulo amoroso, desta vez ambientado no litoral (na Costa da Caparica), no seio de uma comunidade piscatória. Também conhecido como O Faroleiro da Torre do Bugio, este filme é o primeiro realizado por Maurice Mariaud em Portugal, que também participa como ator.

Mulheres da Beira (20th Century) de Rino LupoMuseu Virtual da Lusofonia

MULHERES DA BEIRA
Rino Lupo | 1923

É o primeiro filme realizado por Rino Lupo para a Invicta Film. A efervescência melodramática em sintonia com o realismo dos cenários de Arouca, onde o filme foi rodado, funcionam como poética combinação sob a qual se desenrola a paixão, culminada em fatídico desfecho, de Aninhas. Na sua História do Cinema Português, Luís de Pina descreveu Rino Lupo como um cineasta que “pintava com a luz”, observação que o espectador imediatamente compreende ao deparar-se com o imaginário rústico, bucólico e até idílico de Mulheres da Beira. Adaptação do conto homónimo de Abel Botelho (1898).

Os Lobos (20th Century) de Rino LupoMuseu Virtual da Lusofonia

OS LOBOS
Rino Lupo | 1923

Segundo João Bénard da Costa, Os Lobos revela já a matriz do que seriam as constantes do melhor cinema português. Os Lobos é um retrato das estruturas arcaicas da ruralidade portuguesa de inícios do século XX, e a sua força romanesca baseia-se, precisamente, no processo de desagregação das mesmas: essa aldeia, dominada pela tradição patriarcal, como observa José de Matos Cruz, onde “a mulher [se] ocupa das lidas do lar ou recolhe lenha (…) [e] o homem vela pelos rebanhos ou abate árvores de que fará carvão”, será surpreendida pela chegada de um fugitivo, cuja desconcertante presença reconfigurará todo o espaço no simultâneo despertar do fascínio e da ira.

O TÁXI Nº 9297
Reinaldo Ferreira | 1927

Inspirado no misterioso assassinato da atriz Maria Alves. O realizador, Reinaldo Ferreira, popularmente conhecido como Repórter X, acompanhou o mediático caso, e propôs-se assim a ficcionar os eventos a partir da personagem do tenente militar Hair, americano que chega a Portugal. Hair é convidado por Horácio de Azevedo, um milionário, a passar uns dias em Bretolho, onde possui uma grande propriedade. Acaba por tomar conhecimento da morte de uma atriz de nome Raquel de Monteverde (em alusão a Maria Alves). O que ele desconhecia é que o táxi que apanhou juntamente com Horácio de Azevedo para chegar a Bretolho, o táxi número 9297, foi o mesmo onde Raquel de Monteverde foi assassinada…

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Autores visionários

A praia da Nazaré, onde foram rodados filmes como Nazaré, Praia de Pescadores (1929) e Maria do Mar (1930), ambos realizados por Leitão de Barros.

A Dança dos Paroxismos (20th Century) de Jorge Brum do CantoMuseu Virtual da Lusofonia

A DANÇA DOS PAROXISMOS
Jorge Brum do Canto | 1929

Um ensaio visual que nos remete à escola de cinema impressionista francesa, a partir do poema Les Elfes de Leconte de Lisle, baseado numa lenda nórdica. O realizador Jorge Brum do Canto desenvolveu uma experiência visual radical e inovadora, servindo-se do falso raccord, da câmara móvel ou da sobreposição de imagens, entre outros recursos, tendo sido o pioneiro em Portugal, segundo José de Matos Cruz (1999), a utilizar a emulsão pancromática.

NAZARÉ, PRAIA DE PESCADORES
Leitão de Barros | 1929

Considerada a primeira docuficção do cinema português, Nazaré, Praia de Pescadores é um documentário encenado de curta-metragem, onde Leitão de Barros começa já a manifestar muitos dos traços estéticos e estilísticos que marcariam a sua obra posterior. Na esteira de obras como Nanook of the North/Nanook, o Esquimó (1922) de Robert Flaherty, da qual terá possivelmente colhido lições de como conjugar o documentário e a ficção no seio da antropologia visual, Leitão de Barros ilustra o quotidiano das famílias de pescadores da praia da Nazaré.

Lisboa, Crónica Anedótica (20th Century) de Leitão de BarrosMuseu Virtual da Lusofonia

LISBOA, CRÓNICA ANEDÓTICA
Leitão de Barros | 1930

Como surge no início de Lisboa, Crónica Anedótica, “o filme (…) não é um documentário, mas uma crónica anedótica de alguns aspetos populares de Lisboa”. Na tradição das sinfonias urbanas europeias como Berlin - Die Sinfonie der Großstadt/Berlim, A Sinfonia de uma Capital (1927) de Walter Ruttmann, Lisboa, Crónica Anedótica é um painel do quotidiano na capital, sobre “como se nasce, como se vive e como se morre em Lisboa”, como surge nos créditos iniciais.

Maria do Mar (20th Century) de Leitão de BarrosMuseu Virtual da Lusofonia

MARIA DO MAR
Leitão de Barros | 1930

Maria do Mar é um filme sobre os pescadores da Nazaré, a sua labuta diária e as intrigas pessoais e familiares. Maria do Mar detém um lugar incontornável na história do cinema português - segundo muitos autores, como José Manuel Costa, um dos mais importantes triunfos da obra foi o de manifestar influências nítidas das vanguardas das cinematografias europeias da década de 20, como a alemã e a soviética, algo que não se nota na maioria dos filmes portugueses da época. João Bénard da Costa realça-lhe as “ousadias eróticas”, considerando-o “um dos exemplos mais conseguidos à época em que foi feito de abordagem documental de uma ficção dramática e lírica". Uma narrativa desconcertante sobre a condição humana, em que a paisagem marítima propulsiona o ciclo do ódio e da reconciliação.

DOURO, FAINA FLUVIAL
Manoel de Oliveira | 1930

Douro, Faina Fluvial marca a estreia de Manoel de Oliveira na realização. É um documentário de curta-metragem que segue a labuta diária nas margens do rio Douro. É fortemente influenciado pelos movimentos e géneros cinematográficos europeus do período, sobretudo pelas sinfonias urbanas, e também pelo inovador uso da montagem do cinema soviético.

Créditos: história

Cover illustration: Tiago Vieira da Silva
Image processing: Joana Canas

REFERÊNCIAS:

Baptista, T. (2008). A Invenção do Cinema Português. Lisboa: Tinta-da-China.

Cruz, J. M. (1999). O Cais do Olhar: O cinema português de longa-metragem e a ficção muda. Lisboa: edição da Cinemateca Portuguesa.

Henriques, J. G. (2000, 11 de março). O mar por Leitão de Barros. Público.

Pina, L. (1986). História do Cinema Português. Lisboa: Publicações Europa-América.

Créditos: todos os meios
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