O Museu de Arte Moderna de São
Paulo apresenta a prévia online da instalação "roçabarroca" (2018/2020),
do artista mineiro Thiago Honório, no Projeto Parede – espaço entre o saguão de
entrada do MAM e a Sala Milú Villela. Nesta narrativa proposta, as
referências e os bastidores da obra são revelados, com algumas imagens inéditas do processo de montagem, desenhos de estudos do artista e fotomontagem que inspirou o
trabalho. A prévia é um convite ao imaginário do público, um preâmbulo da experiência
de "roçabarroca".
“roçabarroca” é uma instalação elaborada para o Projeto Parede que toma o corredor do prédio reformado por Lina Bo Bardi (1914-1992) em 1982 para o Museu de Arte Moderna de São Paulo como uma garganta. O trabalho parte da ideia de vestir paredes com terra, deixando-as em “carne viva”. A instalação constitui-se, desse modo, pelo revestimento das duas paredes do corredor do MAM com taipa de mão e pau a pique – procedimento construtivo brasileiro utilizado no período colonial.
Em “roçabarroca”, o artista homenageia duas figuras importantes em sua trajetória: Maria Boaventura de Souza, sua avó materna, que viveu em uma casa de pau a pique no interior de Minas Gerais; e Maria de Fátima Boaventura de Souza Andrade, sua falecida tia, que em 1978 registrou a casa em fotografias. Esses mesmos registros levaram Honório a criar, agora, uma fotomontagem – referência decisiva para a construção da obra.
O título “roçabarroca” advém do livro e do poema “Roça barroca”, da poeta e tradutora Josely Vianna Baptista (1957). Neste livro é traduzido o mito poético da criação do mundo dos Mbyá-Guarani do Guairá, em guarani-português, a partir de três cantos sagrados, frutos do contato de Josely com textos originais da imemorial tradição oral ameríndia, entre os poucos preservados, e são apresentados poemas da autora. O poema “Roça barroca”, de Josely Vianna Baptista, presente no livro e que o intitula, é anterior à tradução dos cantos sagrados feita pela autora. No caso da instalação proposta por Thiago Honório para o Projeto Parede, foi feita uma releitura que consistiu na emenda das duas palavras – “roça” e “barroca” – formando uma só palavra em toda a sua extensão, produzindo um movimento algo análogo à extensão do corredor do museu. Ao atar uma palavra à outra, escrita em caixa-baixa, sua grafia apresenta erres, as, os, ces replicados; além de conter as palavras e elementos presentes no trabalho: roça, mas também roca, mas também oca, barro. Roça, oca, barro, barroca.
A técnica vernacular consiste no entrelaçamento de ripas ou toras de madeira verticais com galhos ou vigas de bambu horizontais e amarrados entre si por sisal ou cipó, engendrando uma grande estrutura tramada cujos vãos se preenchem com barro. Das práticas da chamada “arquitetura de terra” é uma das mais recorrentes, principalmente nas zonas rurais.
Tal vestimenta das paredes internas dessa espécie de corredor-garganta, que se inicia no Auditório Lina Bo Bardi e dá acesso ao restaurante e à sala principal de exposições, é feita com terra e galhos secos recolhidos no Parque do Ibirapuera.
Ao construir com elementos vivos do entorno, o artista aproxima museu e natureza por meio de um saber que nos une a um Brasil profundo. Há uma inversão ao se trazer para a superfície epitelial dessas paredes do corredor as entranhas, aquilo que não seria revelado e submetido ao reboco, acabamento e pintura. O Parque do Ibirapuera, de algum modo, presentifica-se em "roçabarroca".
Ainda como uma das referências centrais do projeto, além de Lina Bo Bardi e Josely Vianna Batista, encontra-se Lygia Pape (1927-2004) com o texto "Tramas de caboclo ou a geometria no mato". Segundo Lygia Pape: "Herdeiro de uma tradição vinda do índio e depois do branco, o caboclo trança o bambu ou os ramos em um gesto quase sistêmico como o índio, mas elabora o vedamento das paredes com a informação recolhida do branco: o barro amassado. O processo de construção envolve uma poética própria: em primeiro lugar surge a gaiola de amarrados e que determina as áreas de uso, depois o barro jogado aos sopapos fecha as frestas, deixando o rendilhado dos bambus ou ramos aflorar traçando os desenhos de padrão muito próximo de uma postura construtivista (...)." (PAPE, 2012, p.286).
A experiência de atravessamento proposta por “roçabarroca” dá-se na evidência física de uma construção vernacular brasileira e sua extensa superfície de terra encarnada, com a ossatura e nervos expostos, revelados, nos termos de Lina Bo Bardi, mais “indigesta, seca, dura de engolir” (BARDI, 1994, p.12).
Thiago Honório
roçabarroca, 2018/2020
Pau a pique e taipa de mão
Área = 119,29 m²
Volume de terra = 2,2 m³
Galhos = 597,00 metros
Peso Total = 6,36 toneladas
Projeto técnico e execução:
Fernando César Negrini Minto | Matéria Base – arquitetura da terra / arquiteto construtor
Alain Briatte Mantchev – arquitetura da terra / arquiteto construtor
Fernando Ogando dos Santos – engenheiro construtor
Alexandre Sayeg Freire – geólogo
Rafael Fogel | Matéria Base – estagiário
Igor Bahiense | Matéria Base – estagiário
Francisco Evanilson Rodrigues de Sousa – montador
Francisco Pereira Lima – montador
Alekiçom Lacerda – pintura e manutenção
Roberto Lenhardt – montador
Selene Alge – assistente
Apoio Galeria Luisa Strina
Referências bibliográficas
BAPTISTA, Josely Vianna. Roça barroca. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura. São Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1994.
FERRAZ, Marcelo Carvalho. Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira. Apresentação de Agostinho da Silva, Antonio Cândido e Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1996.
PAPE, Lygia. Lygia Pape – Espaço imantado. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2012.
PEDROSA, Adriano; TOLEDO, Tomás (orgs.). A mão do povo brasileiro, 1969/2016. São Paulo: MASP, 2016.
Realização: Governo Federal, Ministério do Turismo e Museu de Arte Moderna de São Paulo
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