Untitled (1928) by Iberê CamargoIberê Camargo Foundation
Pela primeira vez, a Fundação Iberê revela o “passeio” do pintor gaúcho pela moda através de obras e documentos do acervo da instituição.
Também apresenta um conjunto de vestido e bolero com a primeira estampa assinada por Iberê, em 1963, para a empresa francesa de fibras sintéticas Rhodia.
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Do vestido em linha reta dos anos 1920 aos excessos dos anos 1980, a moda esteve presente em diversos trabalhos de Iberê Camargo.
Em 1959, Iberê produz uma série de estudos de figurinos para o balé "As Icamiabas".
Costume study for the role of Muiraquitã's mother in the ballet As Icamiabas (c.1959) by Iberê CamargoIberê Camargo Foundation
O balé foi inspirado em um conjunto de lendas e documentos legados pelos primeiros conquistadores e cronistas que estiveram na selva amazônica e que tiveram contato com tribos de mulheres guerreiras.
Com libreto de Circe Amado, música de Cláudio Santoro e coreografia de Harald Lander (então diretor do Royal Danish Ballet), "As Icamiabas" seria apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, mas não chegou a ser encenado.
Carta de Eduardo de Oliveira, Standard Propaganda S.A., para Iberê Camargo (06 de junho de 1963) by Eduardo de OliveiraIberê Camargo Foundation
Entre 1963 e 1964, Iberê criou estampas para a Rhodia, empresa francesa que trouxe o fio sintético para o Brasil.
As coleções da Rhodia eram apresentadas na Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), em desfiles-show que tinham uma extraordinária força midiática.
Untitled (1963) by Iberê CamargoIberê Camargo Foundation
A primeira estampa, com flores tropicais em crepnyl rhodianyl violáceo, ganhou forma em conjunto único desenhado por Dener Pamplona, um dos pioneiros da moda no Brasil, para a campanha de divulgação da marca.
Em 1964, Iberê cria uma estampa verde-azulada para tecido musselina. Os dois vestidos originais, possivelmente apresentados nos desfiles-show, ainda não foram localizados.
Entre 1960 e 1964, Iberê pinta um pequeno número de saias e vestidos para presentear amigos.
Fashion beautifies art (Fevereiro de 1966) by Marisa Alves de LimaIberê Camargo Foundation
Em 1966, o artista é fotografado em seu ateliê junto a modelos para o editorial da revista Cigarra.
No final de 1985, ao observar as vitrines do centro de Porto Alegre, dá início a uma de suas séries mais emblemáticas, a dos "Manequins".
Iberê Camargo no ateliê da Rua Lopo Gonçalves (1986)Iberê Camargo Foundation
Mannequins as models of an Iberê painting (06 de abril de 1986) by Célia RibeiroIberê Camargo Foundation
Em 1986, participou de um desfile de lançamento das coleções outono/inverno do Grupo de Moda Vanguarda Sul, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) ...
... produzindo um óleo sobre tela de grandes dimensões (180 x 213 cm), em que retratou as manequins Crislaine, Cláudia e Isabel.
Iberê Camargo produzindo a pintura 'Cris, Cláudia e Bebel, manequins de Porto Alegre' (02 de abril de 1986) by Lisette GuerraIberê Camargo Foundation
Cris, Cláudia and Bebel, mannequins from Porto Alegre (1986) by Iberê CamargoIberê Camargo Foundation
"Como já estava pintando manequins de vitrines, achei interessante poder retratar modelos vivas com toda beleza e feminilidade de quem veste moda. Fiquei encantado com a ideia e penso que a moda é uma moldura da beleza feminina. Além de ter achado muito interessante conjugar a arte com a moda dentro do museu."
Iberê assistiu ao desfile na primeira fila.
Moda no museu de arte (9 de abril de 1986) by Carla ZenIberê Camargo Foundation
Depois disso, volta-se novamente para a artificialidade dos manequins, desta vez, com cores mais sombrias.
"O manequim é o protótipo da sociedade de consumo, o simulacro da realidade. As pessoas vivem dentro de caixas, assim como os manequins vivem dentro de vitrines."
Mannequin (1986) by Iberê CamargoIberê Camargo Foundation
Com o tempo, em contraste, os manequins passarão a dividir espaço com corpos nus e fora do padrão na obra de Iberê, até a sua fase derradeira.
Esta trajetória do artista, ainda pouco explorada, permitirá, no futuro, conjugar sua arte com a moda em uma grande exposição.
Gustavo Possamai
Responsável pelo acervo da Fundação Iberê
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Saiba mais:
A RHODIA NO BRASIL
No final dos anos 1950, quando a moda ainda engatinhava no Brasil, a Rhodia desembarcou no país tropical em que reinava o algodão e foi cirúrgica para se tornar conhecida: contratou o visionário publicitário italiano radicado em São Paulo, Lívio Rangan (1933-1984), para comandar o marketing da empresa. Foi então que ele convidou artistas plásticos para desenhar estampas a cada coleção, entre eles: Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Nelson Leirner, Manabu Mabe, Alfredo Volpi e Willys de Castro.
A escolha dos artistas por Rangan revelava o interesse em dialogar com a arte contemporânea do momento e refletia as principais tendências da arte e da moda. As coleções eram apresentadas na Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), em desfiles-show que tinham uma extraordinária força midiática, graças também à participação de artistas consagrados e de músicos brasileiros, importantes alavancas na cadeia da moda nacional.
A parceria entre Lívio Rangan e artistas plásticos durou aproximadamente sete anos, entre 1960 e 1967. Ele levou aos palcos da Fenit, às passarelas de todo o Brasil, a outros países e às páginas de diversas revistas nacionais, obras dos mais diversos artistas. De lá para cá, muitos vestidos se perderam, entre eles os assinados por Iberê e Ohtake. Setenta e nove modelos com estampas de 28 artistas foram doados ao Museu de Arte de São Paulo (MASP).
IBERÊ E A RHODIA
A Fundação Iberê, ao recuperar a produção de Iberê para a moda e levantar dados sobre esse trabalho, revela ao público que sua contratação pela Standard Propaganda para a criação de estampas para as promoções da Rhodia, nos anos 1960, não foi apenas de uma criação comissionada e de menor importância em sua trajetória, mas parte intrínseca de sua produção, e sobre a qual o artista fez questão de preservar alguns documentos.
As informações coletadas pela Fundação são de suma importância para a compreensão da trajetória dos tecidos estampados por cerca de 80 artistas para a empresa, uma vez que revelam que o resultado dessa parceria, além de ser visto pelo público em desfiles da Rhodia na Fenit e por todo o Brasil, ou nas páginas da revista Manchete (onde editoriais de moda com as peças foram divulgados), também poderia, posteriormente às citadas promoções, compor os guarda-roupas das mulheres caxienses, uma vez que o tecido com a estampa do artista gaúcho teria sido vendido por metro em lojas da cidade. Tal informação é um avanço no estudo dessas parcerias, pois até agora se acreditava que tais estampas não eram comercializadas.
Maria Claudia Bonadio, historiadora que pesquisa a trajetória da Rhodia no Brasil.
VITRINES DA RUA DA PRAIA
O Iberê era meio metódico para algumas coisas. Ele gostava muito de ir para a Rua da Praia, era o lugar perfeito para ele.
As vitrines que ele desenhava eram todas aquelas que tinham manequins. Ele não gostava de ir para outro lugar além da Rua da Praia, e adorava que eu fosse com ele tomar café na Bruxinha e sentar na Praça da Alfândega para conversarmos. Tivemos grandes papos. Ele era uma pessoa incrível.
Iberê jamais imaginaria que, apenas depois de sua morte, iriam fazer alguma coisa com a sua obra. Ele tinha um sonho sobre isso... Então a Fundação Iberê Camargo veio ao encontro dos seus sonhos. Eu sei que, aonde ele estiver, ele deve estar muito satisfeito com isso. Traduz a situação que ele colocava, de que, infelizmente, o artista só é realmente reconhecido, na sua plenitude, após a sua morte.
Ruy Varella, fotografou Iberê em frente a vitrines do centro de Porto Alegre.
O DESFILE NO MARGS
Viver o desafio de projetar a moda do Rio Grande do Sul foi um momento interessante para alguém como eu, que havia vivido em Paris, a capital da moda, sem nunca ter me fixado ao tema. Como amante da beleza, busquei associar a criatividade de nossos jovens estilistas do Grupo de Moda Vanguarda Sul – hoje se chamam criadores – ao talento e à técnica do mestre maior das artes do Estado: Iberê Camargo. Isto nos abriu as portas do Museu de Arte do Rio Grande do Sul como incentivo ao desenvolvimento desses profissionais da forma e da tesoura. Fundamental o apoio dos nomes maiores da imprensa de moda nacional representados na época pelo saudoso Fernando de Barros, Costanza Pascolatto, Cristina Franco e localmente por Célia Ribeiro.
Como em toda produção bem sucedida, o culto ao belo e à arte estiveram presentes na passarela da nave central do MARGS, escoltados pelo acervo de obras pictóricas do museu expostos nas paredes da casa. Num telão apresentamos um audiovisual do fotógrafo Martin Streibel protagonizado por Iberê Camargo pintando a tela posteriormente intitulada Cris, Cláudia e Bebel, manequins de Porto Alegre, com as modelos Crislaine, Bebel Mostardeiro e Cláudia Norci, esta hoje no staff do costureiro Valentino em Roma. Evento ímpar, considerando-se as capacidades reunidas e o cenário da casa de artes que reúne o melhor da arte gaúcha e nacional.
Esta realização foi um marco para a indústria de moda do RS e um impulso para que outros eventos acontecessem ao longo dos anos no Teatro São Pedro, na Casa de Cultura Mário Quintana, na Cúria da Catedral Metropolitana e noutros espaços dedicados às artes, marcando o ingresso do Rio Grande no cenário da moda nacional.
Passados 30 anos, ainda ecoam na memória dos participantes dessa aventura criativa momentos de regozijo e graça. O resgate agora empreendido pela Fundação Iberê em muito nos orgulha. Que novos talentos aproveitem o exemplo do passado e tragam suas experiências na área compartilhando com o grande público.
Renato Schebela, idealizou o desfile do Grupo de Moda Vanguarda Sul no MARGS.
NAPOLEÃOZINHO
Antes de mais nada agradeço por terem-me conduzido ao passado, a esse período tão importante da minha vida profissional. Meu nome é Isabel Tagliaro e trabalhei como modelo na década de 1980, ficando conhecida como Bebel.
Revisitar o ano de 1986 é abrir um capítulo à parte e especial, que teve como protagonista o mestre Iberê Camargo. Lembro bem daquele dia, que nós três, modelos Cláudia, Crislaine e eu estávamos apreensivas e com várias recomendações de comportamento diante do mestre. Escolhidos os figurinos, nos preparamos com certo nervosismo no estúdio do fotógrafo Martin Streibel. Pois bem, pasmem, Iberê tratou de quebrar o gelo imediatamente e com muito bom humor me disse: "Pareces um Napoleãozinho."
Enfim, cada uma de nós recebeu um agrado e assim foram se passando horas de convívio com um misto de respeito e admiração até a finalização da obra. Nós modelos também trabalhamos com a fantasia e o imaginário das pessoas e tivemos a grata oportunidade de conviver com a explosão artística e criativa do mestre Iberê Camargo.
Isabel Tagliaro, a "Bebel", foi uma das modelos retratadas por Iberê para o desfile no MARGS.
CLIMA CRIATIVO
Meu primeiro desfile importante foi com o Rui. E daí em diante foi um lindo percurso, cheio de oportunidades e de emoções. A moda no Sul era muito ativa e cheia de criatividade.
Quando fui convidada para fazer parte do projeto com Iberê Camargo, me dei conta da grande ocasião e da grande ideia que era a de combinar moda e arte, uma dualidade que continua em evolução. Passamos dois dias com Iberê. Foi muito interessante ver como o quadro nasceu: no primeiro dia, a tela branca e nosso encontro com o artista. Cada uma de nós tinha um estilo diferente e personalidades diferentes, que Iberê captou através dos nossos looks.
Um aspecto interessante do trabalho foi a liberdade de movimento que ele deixou para cada uma de nós. A pose final foi decidida junto com Iberê. Nós íamos fazendo um exercício de poses e ele ia dizendo o que achava bom e o que poderia funcionar. O mesmo para a escolha das roupas, tínhamos liberdade para escolher o que nos faria sentir bem. Esse ponto é muito interessante: nada foi imposto. Era realmente a fluidez e a criatividade do momento. Lembro desse clima criativo.
No estúdio do fotógrafo tinha esse ar de grande respeito pelo artista. Também, grande curiosidade em ver como ele ia interpretar essas três figuras femininas tão diferentes uma da outra. Lembro que no final de tudo ele nos fez assinar o quadro. Demonstração da ideia do projeto em si: um diálogo entre o artista e a inspiração.
Sou honrada de ter feito parte desse momento tão criativo e importante. Seria fantástico, no futuro, estar presente na exposição que está sendo planejada. Sou muito grata por ter sido escolhida, naquela época, para esse trabalho.
Cláudia Norci, foi uma das modelos retratadas por Iberê para o desfile no MARGS.
FOTOGRAFIA DE MODA
Captar pelo olhar e pelas lentes de uma câmera a beleza das formas corresponde ao meu encantamento pela ação de nossos estilistas em transformar tecidos planos em quase obras de arte.
Assim como Iberê Camargo rasgava em movimentos rápidos de seus pincéis e tintas em cenários abstratos de profunda intensidade e cor, Bebel, Crislaine e Cláudia deixaram-se eternizar em formosura ao posar para o artista numa tarde de outono com tanta fluidez e desenvoltura como deslizavam na passarela dando vida às criações da moda.
Minha convivência por longos anos em redação de jornal com a editora Célia Ribeiro me levou a centenas de eventos de lançamentos de coleções no centro do país. Mas a grata surpresa de ver o Museu de Arte do Rio Grande do Sul abrir seus salões para a indústria de confecção do Estado – num momento de gala para os criadores gaúchos – foi tão marcante quanto aqueles elixires que nossas mães nos davam para beber na infância para abrir o apetite. A performance do Grupo de Moda Vanguarda Sul no MARGS foi um marco inesquecível na história da moda gaúcha.
Lisette Guerra, fotografou eventos de moda por mais de 20 anos, incluindo o desfile no MARGS.
ELEGÂNCIA MODAS E RHODIA NO RS
Loja caxiense que comercializou tecido da Rhodia estampado por Iberê Camargo em 1964.
Fundada pelas irmãs Lievi Maffessoni Fasoli (1934) e Ercilia Maffessoni (1929-2013), que saíram com a família de Bento Gonçalves, RS, e chegaram a Caxias do Sul antes de 1950.
Em 1950, foram trabalhar como balconistas e vitrinistas nas Lojas Magnabosco, tradicional comercio varejista da cidade, no setor de tecidos, onde permaneceram até 1959. Nesse mesmo ano, abriram a própria loja de tecidos, Elegância Modas, localizada na Avenida Júlio de Castilhos, centro da cidade. A loja ficou conhecida como a “loja das mocinhas”, apelido carinhoso pela pouca idade delas, então com 25 e 29 anos.
Ercilia desenhava os modelos para as clientes, o que era raro na época. Devido ao sucesso do empreendimento, em 1981, alugaram um casarão antigo que ficava ao lado da loja, na esquina, então pertencente à família Grossi.
As irmãs dedicaram-se sempre a levar para Caxias do Sul os mais variados tecidos e rendas, de fabricação nacional e estrangeira. Ainda, levaram estilistas de outras cidades para criar modelos exclusivos para as clientes. A Elegância Modas existiu, assim, por 56 anos, servindo de referência para toda a região da Serra Gaúcha e para o Estado do Rio Grande do Sul, encerrando suas atividades em 2015.
Marla Fasoli Oltramari, filha de uma das fundadoras da Elegância Modas, Lievi Maffessoni Fasoli.
Modelar no tempo: Iberê e a moda
01 de maio a 22 de agosto de 2021
Organização
Gustavo Possamai
Agradecimentos
Bernardete Susin Venzon, Cláudia Norci, Geraldo Lewis, Isabel Tagliaro, Juan Isasa, Lisette Guerra, Lizete Giacomoni Borges, Luís André do Prado, Maria Claudia Bonadio, Marla Fasoli Oltramari, Martin Streibel, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Renata Fratton, Renato Schebela, Ruy Varella, Tina Zappoli.
Depoimentos coletados entre março e abril de 2021.
Esta versão online não inclui a totalidade das obras e dos documentos da exposição. Prevista até 04 de julho, a mostra foi prorrogada até 22 de agosto de 2021.
Todos os esforços foram feitos para reconhecer os direitos morais, autorais e de imagem. A Fundação Iberê agradece qualquer informação relativa à autoria, titularidade e/ou outros dados que estejam incompletos nesta edição, e se compromete a incluí-los nas futuras atualizações.
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