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INTRODUÇÃO
O ano é 2074. Uma triste notícia pegou a população de surpresa: não seria mais possível viver em contato direto com o mundo exterior. A natureza passara a representar uma ameaça letal à existência. A atmosfera da Terra tornou-se nociva ao homem, em um revide das forças naturais. Foi preciso buscar refúgio em um ambiente controlado, seguro, onde ainda seria possível alimentar alguma esperança de futuro.
Por meio da narrativa ficcional que dá vida à exposição Depois do Fim, o público é convidado a entrar na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, agora transformada em um espaço de isolamento, de pesquisa e contemplação; um ambiente para abrigar a civilização que ainda vive e tentar projetar um outro mundo, quiçá um mundo melhor. Aqui, a partir da obra de artistas locais, nacionais e internacionais, natureza, homem e arquitetura se relacionam.
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ÁTRIO
O vídeo de Nelton Pellenz, o meteorito de Michel Zózimo, o bronze de Rodolpho Bernardelli e a intervenção de Eduardo Haesbaert funcionam como rastros e indícios dos fatos que levaram a civilização a buscar abrigo dentro deste bunker protegido e isolado do mundo externo. Do lado de fora, a guarita de Elaine Tedesco remete à ideia de um posto avançado de proteção, de onde se pode observar o interior e o exterior deste novo lugar. Juntas, estas obras informam ao visitante pequenos rastros da história que o prédio agora abriga.
Ao subir as rampas para os demais espaços expositivos, o visitante se depara com esculturas de Francisco Stockinger. Crianças assustadas, com as mãos sobre os olhos, com medo do que viram, incapazes de olhar para a frente.
Sem título (2017), de Eduardo HaesbaertFundação Iberê
Meteorito e cadeira (2012), de Michel ZózimoFundação Iberê
Moema (1895), de Rodolpho BernardelliFundação Iberê
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2o. ANDAR - SALA 1
Nesta primeira sala estão obras que falam sobre a sobrevivência no tempo. Leonardo Remor apresenta um bebedouro no espaço expositivo, água necessária para a sobrevivência, porém recurso natural cada vez mais escasso.
As fotografias de Katia Prates e de Fernanda Gassen falam sobre o apagamento da memória e a existência fugaz do homem. A noção de desaparecimento e a relação do homem com a natureza estão, aqui, fortemente presentes, provocando a reflexão do espectador sobre suas ações presentes e futuras.
Série Retratos Série RetratosFundação Iberê
Noite passada (2017), de Fernanda GassenFundação Iberê
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2o. ANDAR - SALA 2
Neste espaço, estão objetos que carregam e contam histórias. São itens feitos para durar, que acumulam camadas de tempo e trazem, também, um dado afetivo entre as pessoas e seus pertences.
A parede maior, à esquerda, é montada com obras de diferentes artistas, como Leopoldo Gotuzzo, Cláudio Tozzi e Luiz Carlos Felizardo, representando, através de pinturas, serigrafias e fotografias os temas e questões que se impunham fortemente dentro do ideário moderno.
Retrato de Lucila Di Primo (1956), de João FahrionFundação Iberê
Almofada amarela (1923), de Leopoldo GotuzzoFundação Iberê
Linha Westfallen Linha WestfallenFundação Iberê
Natureza (1979), de Luiz Carlos FelizardoFundação Iberê
Permanência do tempo (sem data), de Ado MalagoliFundação Iberê
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2o. ANDAR - SALA 3
O vídeo apresentado nesta sala, obra de Cinthia Marcelle e Tiago Mata Machado chamada de O século, pode ser entendido, dentro do contexto de Depois do Fim, como uma síntese da destruição causada ao longo do século XX e também da atual tensão política das ruas, bem como momentos de choque e revolução de épocas passadas.
O Século O SéculoFundação Iberê
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2o. ANDAR - SALA 4
A pintura de Iberê Camargo, que retrata um corpo ao chão, representa dentro deste núcleo o desastre como destino, a derrota, o corpo derrubado e inerte, sem ação. Os outros objetos que ocupam a sala, como a poltrona de leitura reclinável de estilo vitoriano e a obra Nó azul, de Elaine Tedesco, sinalizam um certo futurismo, uma nova maneira de pensar a relação do homem com o design, com a arquitetura e a funcionalidade dos objetos. Lidam também com a ideia de um discurso utópico sobre o futuro.
No vento e na terra I, da série Ciclistas (1991), de Iberê CamargoFundação Iberê
Nó azul (2006/2008), de Elaine TedescoFundação Iberê
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2o. ANDAR - RAMPA
No início da rampa, o vídeo de Jorge Macchi e David Oubina, ecoa seu áudio pelo prédio. Um bip insistente, uma contagem regressiva que nunca acaba, criando uma atmosfera de urgência enfatizando a dilatação do fim. Um fim que nunca chega, mas que ao mesmo tempo está sempre presente.
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3o. ANDAR - SALA 1
Nesta primeira sala, o vídeo de Luiz Roque, a série de fotografias de Vera Chaves Barcellos e a obra de Romy Pocztaruk falam sobre o corpo e a natureza, tendo a ficção científica como eixo gravitacional. Armaduras para abrigar o corpo, amostras de material humano ou ideias de ficção, que buscam narrar a história desse homem, agora confinado e em busca de um novo caminho.
On Ice [No gelo] (1978), de Vera Chaves BarcellosFundação Iberê
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3o. ANDAR - SALA 2
As obras apresentadas nesta segunda sala são indícios da história, ao mesmo tempo em que experimentos e mecanismos de sobrevivência. A obra de Rodolpho Parigi, chamada Jóia, apresenta um dado urbano: as lâminas como uma arma portada por travestis para se protegerem de eventuais ataques. Simboliza, ainda, uma granada usada como arma de defesa pelos habitantes desse bunker.
Já a obra de Iberê Camargo, a pintura Núcleo em expansão, aparece aqui como mais um dado da desorganização dos corpos a partir das abstrações e da falta de perspectiva de futuro.
Jóia JóiaFundação Iberê
Núcleo (1963), de Iberê CamargoFundação Iberê
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3o. ANDAR - SALA 3
Rosângela Cortinhas, com a obra Teto, apresenta uma roupa para moradores de rua, um manto que funciona como roupa-casa, que fornece proteção e abrigo. Nas palavras da artista, um objeto antroposófico destinado a pessoas à deriva, em risco.
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Teto (2017), de Rosângela CortinhasFundação Iberê
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3o. ANDAR - SALA 4
A terceira e última sala carrega em si uma certa aura de templo, de lugar para projetar a vida futura. A obra de Hércules Barsotti, posicionada em uma altura elevada na parede faz, com seus losangos, uma certa alusão a carga mística dos triângulos, que perpassa desde a matemática de Pitágoras a sua presença em diferentes religiões. A escultura Sem palavras de Saint-Clair Cemin, meio fantasma, meio ícone religioso, olha para o alto, para esse templo do novo mundo.
As demais obras dispostas pela sala, como a de Patrício Farias ou a TV Totem de Cristiano Lenhardt, aparecem como a presença deste homem confinado, experimentando e buscando construir um mundo novo.
Na saída da sala, a obra Carnaval dos animais, de Romy Pocztaruk, simboliza também as polarizações do mundo atual.
Sem Palavras (2006), de Saint Clair CeminFundação Iberê
Carnaval dos animais (2015-2017), de Romy PocztarukFundação Iberê
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Sem título (2017), de AvalancheFundação Iberê
Porto Alegre, 14 de setembro de 2074.
Àquela altura do tempo, a triste notícia de que não mais poderíamos viver em direto contato com o mundo exterior nos havia pego a todos de surpresa, pulverizando na atmosfera nociva uma insuportável carga de pessimismo e derrota: a natureza passara a representar uma ameaça letal à nossa existência. Parecia estar, por fim, decretado o definitivo apagar das luzes de nossa precária civilização.
Em compasso de desastre, era dada por perdida nossa inglória batalha contra o mundo tal qual nos havíamos acostumado a percebê-lo, povoado por homens que exercitavam com vigor e astúcia seus inafastáveis desejos de controlar toda e qualquer espécie de vida, de brincar de Deus, exercitando sem medidas uma onipotência que jamais lhe havia sido outorgada.
Experimentávamos um inexorável, embora inesperado, brutal revide das forças naturais e, assim sendo, não mais à espécie humana deveria ser atribuído o papel de inclemente algoz; a partir dali, estaríamos libertos deste fardo maior, o de havermos exaurido nossa fonte de vida e condenado à morte nossa própria mãe. Diante dos fatos imponderáveis, o exercício da crueldade aparentemente passara a ser obra da natureza, do destino, resultado de sua fúria antes jamais vista, a qual prometia varrer para sempre homens e mulheres da face da terra.
Foi por isso que decidimos nos refugiar, encontrar abrigo em um sistema artificial de subsistência, um espaço de isolamento, de pesquisa e mera contemplação - um ambiente altamente controlado, refratário a experiências reais, a um vivo contato com o mundo, com o acaso, enfim, com o erro.
Capturados naquele regime de exceção, passaram-se anos sem que pudéssemos nos banhar nas águas do rio que corria diante de nosso olhos, ora modorrento, ora turbulento, mas sempre marcando a correnteza do tempo, de nossas frágeis vidas, de nosso irrefreável envelhecimento. Enclausuradas neste museu que nos servia como bunker, as crianças foram se tornando adultas, os dias passando, e o horizonte se foi encurtando de forma a turvar nossa visão, a esgotar nossos mais caros dilemas econômicos, políticos ou metafísicos.
Pinturinha de parede (2017), de Michel ZózimoFundação Iberê
Num dado dia, em meio à rotina perversamente desalentadora, algo de novo sucedeu, ou melhor, algo que não havíamos previsto no curso de nossa embotada existência, sempre tão marcada por apostas definitivas, por cartadas irresponsáveis, por promessas de futuro jamais alcançadas. Ao cabo de um largo período em quarentena, nos era por fim devolvido um último suspiro, uma derradeira lufada de ar fresco naquela "arca de Noé" hermeticamente lacrada, em tese incólume ao perigo que nos rondava, diuturnamente, por detrás das escotilhas de onde antevíamos o desastre maior; de maneira intempestiva, uma porta foi aberta, escancarada, por uma das últimas crianças a brincar solitária no pátio interno de nossa fortaleza.
Sob o efeito da brisa que chegava da rua, um primeiro homem foi por ela abatido e depois um segundo e um terceiro e um quarto e um quinto, até que, como num passe de mágica, nenhum outro de nossa pequena comunidade passou a sofrer mal algum. Já éramos muitos reunidos no átrio. Inertes, porém vivos.
Então, aos poucos, estranhos começaram a ocupar nosso território, a invadir nosso espaço de reclusão e medido conforto. Vinham aos grupos, em comitivas, como quem chega a um novo planeta, estupefatos sem entender em qual armadilha se haviam aprisionado aqueles pobres seres que não mais possuíam coragem para dar um passo adiante, para imaginar um desvio para o futuro, uma passagem para fora, para um outro mundo, um novo mundo, quiçá um mundo melhor.
Bernardo José de Souza
Depois do fim esteve em cartaz na Fundação Iberê de 18 de maio a 10 de setembro de 2017, com curadoria de Bernardo José de Souza.
Esta versão online da exposição não inclui a totalidade das obras, os vídeos e as performances da apresentação original.
Organização
Gustavo Possamai
Descrição das salas
Luísa Kiefer
Tradução para o inglês
Eduardo Dawson
Todos os esforços foram feitos para reconhecer os direitos morais, autorais e de imagem. A Fundação Iberê agradece qualquer informação relativa à autoria, titularidade e/ou outros dados que estejam incompletos nesta edição, e se compromete a incluí-los nas futuras atualizações.
acervo@iberecamargo.org.br
© Fundação Iberê Camargo
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